contain  multitudes  •  por  Padma  Dorje  •  fundado  em  2003
contain  multitudes
HomeBudismoArtigosPerguntas & Respostas5.5. Drogas e álcool

5.5. Drogas e álcool


Há alguma restrição quanto a bebida e uso de drogas no budismo?

Você deve abandonar o que é prejudicial, foi isso o que o Buda ensinou.

Usar drogas vai contra os preceitos do Budismo?

Todas as emoções inúteis são ou neutras ou negativas. O que é neutro, por ser perda de tempo, é negativo.

Porém, não é porque o Buda disse que álcool não ajudava você que você deve abandonar o álcool. Você deve abandonar o álcool porque você mesmo percebe que é inútil, neutro ou negativo. Você pode experimentar seguir, por algum tipo de obediência, o que o Buda disse, mas enquanto você estiver OBEDECENDO a preceitos, você não está praticando o budismo. Você está praticando quando você mesmo, por você mesmo, reconhece o que é negativo e abandona. Mas isso exige um comprometimento muito grande de não ser crédulo e apenas cegamente acreditar nas próprias opiniões. Você precisa exercer grande imparcialidade e ceticismo quanto a seus próprios impulsos e ideias. Você talvez deva fazer isso com 1% mais de intensidade do que você faz com as próprias palavras do Buda, e isso vai ser uma demonstração de grande fé e desprendimento.

Da mesma forma que com o álcool, você deve examinar como alterar sua mente é uma forma de se engajar em "cheap thrills", emoções inúteis. Mesmo meditação equivocada, tentando alterar o que quer que seja em sua mente, deve ser abandonado. Mas você só deve abandonar o que você, por si mesmo e diretamente, através de um compromisso intenso consigo mesmo — o que, se deve dizer, é EXTREMAMENTE raro — reconhece como inútil, neutro ou negativo.

Qual a relação do budismo com as bebidas alcoólicas?

Em geral, se a pessoa não quer sofrer nem causar sofrimento aos outros, intoxicantes devem ser evitados. A maior parte das formas de budismo recomenda o abandono completo. No budismo tibetano é aceitável beber, desde que não se fique embriagado. A pessoa deve estar atenta a 1) pacto de mediocridade; 2) emoções inúteis são no mínimo uma perda de tempo; 3) as virtudes requerem atenção, coerência e assim por diante, ao intoxicar-se a pessoa está, naturalmente, menos focada na virtude. Mas fora isso, como nas duas respostas anteriores, cada pessoa sabe (ou deve examinar e vir a saber) onde consegue praticar e onde não consegue mais.

Aliás, esse é um bom exemplo. Nós, sem o darma, somos como aquelas pessoas que sempre acham que podem dirigir, mesmo depois de estarem claramente bêbados. Estamos naturalmente bêbados de nossas propensões, e não acreditamos que podemos atingir a sobriedade através da prática — nem mesmo isso, nós achamos que estamos em controle, agindo livremente, quando de fato estamos apenas nos autoenganando.

Então até que a pessoa seja madura o suficiente para examinar por si própria o que ela é capaz ou não de fazer, ela precisa de uma ética prescritiva, ela precisa obedecer algo que é dito — ela precisa seguir princípios que ela mesma criou ou aceitou — em outras palavras, ela precisa tomar votos.

Mas a ética prescritiva não é o que interessa, principalmente, ao budismo. E sim sabedoria. O problema não é quando você está curioso sobre o que o budismo acha sobre isso ou aquilo, para ver se o budismo é um produto que se adequa a suas necessidades de consumidor espiritual. O problema não é quando você tem alguém a quem perguntar, e considera as respostas de acordo com suas próprias inclinações, sendo o senhor de si mesmo e decidindo o que faz ou não sentido no que é meramente, meramente mesmo, dito. Isso é de importância pequena para o praticante.

O que interessa ao praticante é quando não há a quem perguntar, e quando não há tempo de sobra para considerar hipóteses – mas em todas as pequenas decisões morais: abrir a boca para dizer qualquer coisa, dar um passo em qualquer direção, e assim por diante. É nesses casos que importa desenvolver uma visão honesta, integral e vasta do sofrimento próprio e dos outros, do aproveitamento de uma oportunidade rara, que é essa condição extremamente instável e impermanente em que nos encontramos, para fazer algo significativo. Sem viver de forma significativa, não há prática espiritual. E não é um manual ou líder religioso e a mera obediência que vão prover um viver significativo, mas o engajamento da pessoa com o ponto essencial: diminuir o impacto e trazer benefício. Evitar o sofrimento, produzir mais felicidade.

Qual é a visão budista sobre o uso de cannabis para pacificação e meditação? Qual é a opinião geral quanto ao uso da erva?

A maconha agita o lung e não permite a prática de meditação. Depois de agitar o lung ela cria bloqueios nos canais sutis, que as pessoas confundem com um estado meditativo, mas que não é nada disso. É apenas um estado particular da mente, e um que não é particularmente saudável ou produtivo, mas ao que as pessoas algumas vezes desenvolvem certa fixação. Isto é, elas querem voltar vez após vez a este estado.

Ela cria obstáculos para a prática que podem se estender por mais de uma vida. Em particular, no vajrayana, a pessoa vai encontrar dificuldade para fazer visualizações e efetuar qualquer prática.

Existe alguma escola budista que faz uso der alucinógenos? É verdade que muitos mestres já usaram alucinógenos para comparar o efeito com os efeitos da meditação?

Nenhuma escola budista usa drogas de nenhum tipo. Alguns mestres usaram drogas, mas não as compararam com a meditação, mas com o samsara. Disseram que é um super samsara, ou um samsara 2.0. Isto é, mais confusão, mais delusão, mais torpor, mais autoengano, menos clareza, menos lucidez, menos meditação. O que se ouve é que quem usou drogas vai demorar muito mais para conseguir meditar, e, dependendo de fatores coadjuvantes e do grau de uso, até mesmo várias vidas de esforço em prática espiritual antes de limpar os canais sutis e finalmente obter resultados. Se a pessoa vendeu drogas, claramente isso é causa para renascimento inferior, ou ao menos um renascimento humano com deficiência grave. Isso eu ouvi.

Posso praticar budismo mesmo gostando de coisas mundanas? Por exemplo, posso fumar um baseado com os amigos e ouvir Bob Marley?

Há coisas mundanas e coisas mundanas. Coisas mundanas neutras ou benéficas, não há problema, são só perda de tempo. Já o uso de drogas não vai permitir que se faça nenhum tipo de prática de meditação — algumas vezes por mais de uma vida. Chagdud Tulku Rinpoche disse que em particular fumar (qualquer coisa) é equivalente carmicamente a matar dezenas de pessoas, referindo-se aos bilhões de seres sutis (provavelmente gandharvas), que são mortos por essa fumaça. Então vai ser muito difícil ter qualquer foco positivo com toda essa negatividade. Assim, como os animais que ouvem o som da concha, você pode até se beneficiar de ouvir ensinamentos e receber bênçãos de professores. Mas só vai esperar que esta conexão frutifique numa vida futura, porque todos os esforços, em termos de meditação, se houverem, serão em vão.

A pergunta "eu posso praticar o budismo e fazer ou continuar fazendo x" implica, por si só, que a pessoa já sabe que há algo de errado com o que está fazendo. E de fato, para uma pessoa ou outra, certas coisas não vão ser um obstáculo, mas para você, exatamente o que você acha importante, pode ser um obstáculo crucial. Tomar refúgio no Buda significa não idolatrar fontes de refúgio não confiáveis. Não idolatrar, colocar na frente do Buda, seus vedanas, suas preferências, suas pequenas idiossincrasias. Muitas vezes, se não idolatradas, elas não são problema. Mas se a pessoa está pensando "eu seria budista se no budismo eu puder fumar maconha" ou como na pergunta anterior "se eu pudesse beber", daí não há chance alguma. Se a pessoa encontrar um professor que instrua dentro das necessidades da pessoa, que grande mérito! A maioria de nós não tem esse mérito, e a maioria de nós precisa estar disposto a abandonar o que quer que seja. No vajrayana, em particular, é o que quer que seja MESMO. Você não pode chegar com reservas perante o guru — onde quer que estejam suas reservas, é aí que você vai ser pisoteado.

Eu falo de experiência pessoal, eu sei o que é fumar maconha. Eu sei o que é o obstáculo — eu sei o que é ser confundido pela ideia de positividade na droga. Tudo isso eu sei bem. Enquanto você não estiver disposto a abandonar o que quer que seja, você não tomou refúgio no Buda. Isso não quer dizer que você precisa renunciar a tudo. De forma alguma. Você precisa ter a mente que está disposta a renunciar a qualquer coisa, se necessário, e a partir disso você precisa renunciar a aquilo que você reconhece como daninho. Se você não tem a mente de reconhecer o que é daninho e de renunciar quando reconhece, isso vai ser um obstáculo intransponível na prática budista. O Buda disse que nós temos sido escravos de nossos hábitos por vidas incontáveis. Eles são os nossos senhores e fazem de gato e sapato conosco. Enquanto não reconhecemos nosso feitor, não seremos livres. E se a pessoa quer ser livre, ela precisa parar de fazer oferendas a deuses mundanos. Isto é, ela precisa abandonar os padrões de hábito e preferências (vedanas), e se esforçar em desenvolver as qualidades que trarão felicidade para ela e para os outros. Sem compromisso com isso, independente de qualquer pergunta específica que alguém volte a fazer sobre "no budismo posso x", não há chance alguma de praticar o ensinamento do Buda.

Budistas não podem consumir nenhum tipo de bebida alcoólica? Mas e a história daquele santo budista que parou o Sol para não ter que pagar a cerveja?

Há uma diferença entre escolas, e o comportamento dos mahasiddhas quebra convenções — eles fazem milagres, daí podem tudo. Se você fizer milagres como parar o sol, daí você pode beber sem limites — você mostra que está além das convenções antes de se achar além das convenções. A diferença entre escolas é entre zero álcool e álcool que não deixe você bêbado.

Resumindo: o comportamento dos mahasiddhas não é o exemplo para os praticantes. Todo mundo sabe que eles são, exatamente, santos loucos, que fazem coisas que a gente não aceita normalmente. Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche diz que embora a gente goste muito das histórias e queira parecer como eles, se um desses santos viesse bater na sua porta você chamava a polícia. Não adianta querer fingir que se está praticando além dos conceitos com uma mente cheia de conceitos.

Retorne ao índice. Envie suas perguntas, correções e sugestões para padma.dorje@gmail.com. Última alteração em 2017-10-28 07:09:51.




Se você vê mérito nos tópicos tratados, divulgue -- comente e partilhe nas redes sociais. É uma prática de generosidade que ajuda na minha própria prática de generosidade de produzir e disponibilizar esse conteúdo. Outras formas de ajudar.


Tigela de esmolas para contribuições.

Ajude tzal.org (contribuições mensais):

• PayPal, em qualquer valor acima de 10 reais

• Stripe, 30 reais por mês

• Mercado pago, contribuição mensal de qualquer valor.


Para contribuição única:

• Pelo PIX

• PayPal

• Stripe

• Mercado Pago



todo conteúdo, design e programação por Eduardo Pinheiro, 2003-2024
(exceto onde esteja explicitamente indicado de outra forma)

Esta obra é licenciada em termos da CC BY-NC-ND 4.0 Creative Commons. Atribuição. Não comercial. Sem derivações.



Por favor, quando divulgar algo deste site, evite copiar o conteúdo todo de um texto; escolha um trecho de um ou dois parágrafos e coloque um link. O material aqui é revisado constantemente, e páginas repetidas na internet perdem ranking perante o Google (a sua e a minha).