5.2. Aborto, pena de morte, eutanásia, suicídio
O que o Budismo diz sobre a pena de morte para crimes hediondos? E se essa pena de morte ajuda a reduzir homicídios e outros crimes que causam muito sofrimento, como sugerem alguns (controversos) estudos estatísticos?
Os estudos são controversos porque com certeza, na visão budista, só podem ser equivocados. O budismo em geral não aceita em vingança estatal. Toda e qualquer pena precisa vir com dois objetivos apenas: 1) impedir maior dano e, se possível 2) recuperar, reintegrar.
Não acredita-se que a pena de morte possa impedir maior dano. Como o Budismo encara a questão da legalização do aborto?
O budismo sustenta que não há comprovação sobre a natureza ou qualidades da consciência, ou o que definiria um assassinato nesse caso. Na dúvida, para defesa de um possível inocente, o budismo é contra o aborto e, de forma geral, contra a legalização do aborto. Também pela defesa de mães que acreditando estarem operando livremente, operam de acordo com considerações aleatórias que podem mudar rapidamente, e assim produzir grande arrependimento.
De toda forma, se os cientistas explicarem o que é consciência, e quando ela começa — como ela está vinculada ao sistema nervoso, e assim por diante — além de teorias como emergentismo, etc. — mas uma comprovação efetiva, então o budismo poderia aceitar o aborto daquele tecido que não apresentasse consciência. Os cientistas e o budismo concordam que embora se possa medir certas qualidades elétricas no tecido, nenhuma delas pode ser atribuída, sem sombra de dúvida, a uma possibilidade ou não de haver sofrimento ali. Na dúvida, preserva-se o tecido.
Embora os cientistas queiram apresentar o emergentismo ou o fisicalismo em geral como verdades científicas, eles carecem ainda de comprovação, e a crença injustificada na ciência não é efetivamente diferente de qualquer outra crença injustificada. Diante do caso de uma menina quase pré-pubescente que tenha que abortar para salvar a própria vida, qual seria a postura do budismo?
Em qualquer questão em que uma vida esteja na dependência de outra, é decisão do médico qual a vida tem maior chance de sobreviver, e sacrificar o outro para que aquele ser com maior chance viva. No caso absurdamente raro em que dois seres tenham a mesma chance de viver, sem sequelas, mas um dependa da morte do outro, então o mais novo tem precedência — a não ser que, por algum meio miraculoso, se possa saber qual dos dois vai produzir mais benefício aos seres naquela vida — nesse caso, deve-se salvar o mais benéfico aos seres.
O mesmo no caso de um cão que tem vermes na pele, por exemplo. Em geral os budistas matarão o verme, embora há o caso de Atisha, que cortou um bife da própria carne para pousar os vermes, após retirá-los do cão. A consciência não pode ser algo independente do corpo?
Essa era uma das perguntas que o Buda não respondia (se a mente é separada do corpo ou não). Mas é possível responder sua pergunta dentro do contexto.
Na originação interdependente em doze elos, a consciência, sendo o terceiro elo, surge em conjunto e naturalmente, no quarto elo, com uma forma qualquer que lhe sirva de base. Assim, o que acontece, segundo o budismo, no caso do aborto, é que já há uma consciência atrelada ao tecido, da mesma forma que nossa consciência está atrelada a esse tecido. Em outras palavras, se a consciência fosse independente de corpo, ao matar estaríamos apenas "liberando os espíritos" daqueles corpos, e o suicídio se tornaria uma prática espiritual.
A consciência surge coemergente com determinadas condições, por exemplo, a presença de certos tecidos. O que o budismo argumenta, no caso do aborto, é que o que os cientistas podem medir atualmente, ou podem considerar como base para a consciência (sistema nervoso central altamente desenvolvido) é baseado em meras conjecturas, já que não há, ainda, definição científica para a consciência.
Par ao budismo, existe consciência desde o momento da concepção. Mas para isso não há evidência outra que a prática dos meditadores, o que pode não ser suficiente. Então apenas se pede que a ciência envolvida seja tratada com o devido rigor, e que apenas quando uma definição clara e definitiva de consciência surgir, possa-se tornar legal uma prática que depende dessa definição clara e definitiva. Com tantos abortos no mundo, é possível que fetos de bodisatvas sejam abortados às vezes? Nesse caso, o mau carma de quem aborta um bodisatva é pior do que o de quem aborta uma pessoa comum?
Sim, o fator predominante na formação do carma é a intenção. As outras circunstâncias são os fatores secundários. O fato da pessoa não estar deliberadamente atingindo um bodisatva ameniza isso, como quando pisamos em formigas inadvertidamente — há carma, mas o carma por negligência é menor do que o carma por aversão ou apego.
O mesmo vale com fala rude. Você ralha desnecessariamente com aquele atendente no guichê. Você gera carma por fala rude. Mas o que você não sabe é que aquele atendente é um bodisatva... mais carma será gerado.
E há fatores complicadores. Bodisatvas de até 8º bhumi tem propensões e aflições mentais — então ele pode sentir raiva de você. Se você fizer um bodisatva sentir raiva de você... é um carma ruim enorme. Já os bodisatvas acima do 8º bhumi não serão perturbados por nada do que fazemos — mas ainda assim o carma é pior do que com uma pessoa comum.
Em todo caso, nós sofreremos muito com os resultados desses atos, mas também há algum mérito, que é o mérito de gerar interdependência com um bodisatva. Isso significa que por vidas sucessivas vamos reencontrar esse bodisatva, e uma hora as condições vão ser propícias e ele vai conseguir nos ajudar. Só vai levar bem mais tempo, devido as condições ruins que criamos com nossas ações. Sobre a eutanásia há algum consenso no Budismo?
É considerada compaixão estúpida. Mas, por outro lado, o desejo por ela surge, na maior parte dos casos, principalmente dos tratamentos médicos exagerados. O melhor é saber quando parar o tratamento médico. No caso de uma pessoa atrelada a máquinas, para o budismo, pelos mesmos motivos apresentados com relação ao aborto, é inadequado desligar as máquinas.
Mais do que isso, segundo o budismo o sofrimento pode muito bem ser pior após a morte, então acelerar o processo, sem uma certeza com relação a que experiência a pessoa vai ter, é baseado apenas em fé.
É preciso apontar que, o budismo tem suas ideias de quando a consciência está ali, e quando há mais sofrimento após a morte, porém o argumento não é baseado nessas ideias budistas, mas na ausência de condições epistêmicas adequadas para analisar as experiências, de um ponto de vista puramente laico. Na ausência de comprovações evidentes de se produzir mais sofrimento neste, ou naquele, caso, então não se deve agir. Quando um animal de estimação nosso está sofrendo muito, devemos sacrifica-lo para cessar o sofrimento?
Claro que não. Chagdud Rinpoche costumava chamar isso de "compaixão burra". Por que sacrificar um animal em sofrimento é considerado "compaixão burra"?
Porque o sofrimento não acaba com a morte. Mas mesmo que você não saiba isso, ou não acredite nisso, acreditar no oposto é um salto de fé cega indesculpável. De acordo com o Budismo, qual o destino de uma pessoa que comete suicídio? E, em especial, daqueles samurais que se matavam por razões de dever ou honra?
O destino das pessoas que cometem suicídio é o inferno, e embora esse inferno dure muito tempo, não é permanente, e num determinado momento a pessoa para de vivenciar o inferno, porém ainda terá grande dificuldade de obter novamente um renascimento humano — mas isso eventualmente pode acontecer dentro de alguns milhares de renascimentos em condições de sofrimento maiores do que as do reino humano. É bom lembrar que o budismo não tem em mente que o Buda seja responsável por essa punição, ou que isso seja invenção do budismo, apenas se está relatando algo que se conhece através da prática de meditação, quando um praticante lembra de vidas passadas, ou quando conhece as vidas passadas de uma outra pessoa.
Quanto aos samurais, possivelmente inferno também, a não ser que entre eles houvesse um praticante verdadeiro, que estivesse liberando os seres por compaixão. Provavelmente não era o mais comum, mas podia haver.
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