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A mulher de Patrul Rinpoche


CERTA VEZ PATRUL RINPOCHE ESTAVA PASSEANDO pela vasta planície de Golok, no Tibete oriental ao norte de Dzachuka. Lá ele encontrou uma mulher miserável acompanhada de três filhos. O pai deles havia recentemente sido morto por um gigantesco urso vermelho. A pobre viúva se lamentava ao ponto de arrancar os cabelos.

Patrul perguntou para onde ela ia. Ela despejou a terrível história ao surrado mendigo em frente, concluindo: “Preciso chegar a Dzachuka e mendigar comida para minhas crianças. Haverá uma grande reunião de Darma lá. Certamente haverá muitas doações”.

“Ka-ho! É um caminho bem longo”, disse Patrul gentilmente. “Não vá sozinha; também estou indo para lá. Posso ajudar; vamos viajar juntos.”

Por muitos dias caminharam. À noite dormiam sobre o brilhante céu estrelado. Patrul carregava uma ou duas crianças nas dobras de sua surrada roupa de pele de ovelha, enquanto a mulher fazia algo parecido com a outra. Durante o dia, Patrul carregava uma criança nas costas, enquanto a mulher carregava a menor; o mais velho caminhava. Cada dia na aurora e no alvorecer eles preparavam chá no fogo do acampamento.

Os viajantes que encontravam pelo caminho pensavam que se tratava de um grupo de mendigos. Ninguém, a traumatizada viúva menos ainda, teria adivinhado quem realmente o nômade que levava sua criança nas costas era. Quando a viúva mendigava nos casebres que encontravam no caminho, Patrul fazia o mesmo, reunindo suficiente farinha de cevada torrada, manteiga, iogurte e queijo de iaque para sobreviverem.

Finalmente chegaram a Dzachuka. A viúva foi mendigar sozinha; Patrul fez o mesmo.

Mais tarde, Patrul parecia descontente. A viúva perguntou o porquê de seu comportamento incomum. “Não é nada. Tenho algo a fazer, mas a fofoca daqui torna difícil para mim fazer o que tenho que fazer.”

“Que tipo de trabalho você tem por aqui?”, a mulher perguntou surpresa.

Patrul respondeu sorrindo: “Não importa. Vamos”.

A pequena família logo alcançou a parte externa do mosteiro ao lado da colina. Patrul repentinamente parou, virou-se para a mulher e disse a ela: “Preciso ir; você venha também, mas depois de alguns dias. Farei uma pequena peregrinação pelo mosteiro e espero você lá”.

Isso realmente não era o que a mulher tinha em mente. Nessa altura ela já tinha ficado bem apegada ao ar de força gentil e espontaneidade que circundava sua recém-achada companhia e a inexplicável paz e sensação de bem-estar que substituiu sua dor desde que se juntou a Patrul na estrada.

Ela reclamou: “Não diga bobagem! Vamos ficar juntos. Até agora você foi tão gentil — não nos abandone. Podíamos casar, ou ao menos eu poderia ficar com você, para me beneficiar de sua proteção. Não sei por quê, mas me sinto muito bem com você”.

O mestre, porém, já tinha tomado sua decisão. “Não vai dar. Até agora ajudei vocês como pude, mas as pessoas por aqui são fofoqueiras. Não podemos ficar juntos. Venha após alguns dias e nos encontramos no mosteiro.” Então Patrul caminhou com passo determinado para a colina. A mulher e as crianças ficaram para trás, mendigando comida.

No outro dia, o vale inteiro estava cheio notícias: “O mestre iluminado Patrul Rinpoche chegou — ele estará ensinando O Caminho do Bodisatva!” Todos os fiéis correram para o mosteiro, guiando iaques carregados com tendas e provisões para uma estada longa, de forma a receber os ensinamentos sublimes.

Ouvindo estas notícias e observando a comoção geral, a viúva ficou alegre. Ela pensou: “Um lama muito famoso está presente; esta é uma verdadeiramente afortunada ocasião para fazer uma oferenda em nome do meu falecido marido”. Imediatamente ela se apressou na direção do mosteiro com as três crianças e as oferendas de sua mendicância em mãos.

Quando chegou, Patrul Rinpoche havia instruído os monges e lamas: “Separem todos os alimentos oferecidos a mim; tenho um convidado chegando e ele precisará deles”. Patrul era conhecido por nunca aceitar oferendas ou acumular posses e riqueza de qualquer tipo; por isso, os monges se surpreenderam, mas não tinham outra escolha além de seguir suas ordens.

A viúva chegou e encontrou um assento num canto da grande assembleia, bem longe do trono do lama. Ela ouviu tudo sem reconhecer o eloquente Patrul daquela distância. Finalmente, quando a palestra do dia estava completa, e as orações, bênçãos e dedicação de mérito haviam sido proclamadas, a mulher aproximou-se do trono de forma a receber a benção pessoal do lama. Ali, ficou chocada ao descobrir sua fiel companhia de viagem sorrindo benevolente.

A surpresa viúva reverentemente pediu o perdão do mestre: “Por favor, conceda-me perdão por não o ter reconhecido, e por fazer você carregar meus filhos, propor casamento, e todo o resto!”, ela chorou.

Patrul Rinpoche riu e disse para ela não se preocupar. Então se virou para seus ajudantes e disse: “Aqui está minha convidada. Ela me ajudou a chegar aqui. Dêem a ela toda manteiga, queijo e outras provisões que separamos. Cuidem para que ela tenha qualquer coisa que sua família precise”.




Estes contos de Patrul Rinpoche foram coletados e escritos por por Matthieu Ricard, e distribuídos por ele para alguns amigos nos anos 1980 e 1990; são traduções do inglês feitas por Padma Dorje em 1999, baseadas em versões mais antigas (menos completas e literariamente trabalhadas) do que as que finalmente foram publicadas em Enlightened Vagabond. O livro está em tradução ao português e contém muito mais histórias e informações sobre vida de Patrul Rinpoche e outros grandes lamas contemporâneos a ele.



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