O opressor precisa cair
Joe Biden e seu regime podem ter ajudado americanos mais ricos a ter algum dinheiro extra para cortar a grama e ligar os sprinklers. Mas, ao meu ver, juntamente com Obama, eles e seus regimes entrarão para a história como os mais sanguinários e hipócritas.
Sou budista. Estudei dukkha. Entre muitas outras coisas, dukkha significa que nada é perfeito. Há muito eu já devia ter entendido que, fora os ensinamentos de Buda, todos os sistemas têm defeitos. Mas sou um ser ignorante, facilmente manipulável e condicionado. Durante mais de quarenta anos da minha vida segui ardentemente, valorizei e venerei os supostos “valores ocidentais”: democracia, direitos humanos, liberalismo e liberdade de expressão. A culpa é só minha, mas quem pode resistir às tão habilmente construídas narrativas do ocidente, e seu tão brilhante pacote de relações públicas? Até mesmo a famosa frase de Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras já tentadas”, é um marketing extremamente astuto. A lavagem cerebral foi tão bem-sucedida que até hoje parte de mim ainda acredita nesses valores. Quero que o ocidente esteja certo. Quero me convencer de que esses últimos quarenta anos não tenham sido em vão — preciso me consolar.
Muitas vezes ouvi a afirmação de que “o colonialismo é coisa do passado”, mas isso é completamente falso. Na verdade, o motivo principal dos sofrimentos no mundo hoje vem da queda dos tronos dos mestres coloniais. E não me refiro apenas a territórios como Guam, Porto Rico, Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe; a presença militar dos antigos colonizadores ao redor do mundo continua. Leis e sistemas coloniais ainda punem e restringem povos indígenas em todos os lugares, do Canadá a Mizoram. E há ainda a influência cultural persistente, como indianos vendo uma pessoa como “elite” apenas porque ela fala inglês. Os filmes que assistimos. As etiquetas que adotamos, como a norma de cobrir os seios, algo que os indianos nunca tiveram vergonha de expor antes do colonialismo. A geração atual esqueceu a herança cultural da atemporalidade, do “sem começo e sem fim”. Em vez de estarem cientes de que o tempo é relativo, agora acreditam em gênese e, consequentemente, também em apocalipse.
Quando você se desilude ou se decepciona com uma pessoa, instituição ou sistema, uma parte de você ainda tem esperança. Você quer que aquilo em que acreditou continue sendo bom. Mas nos últimos tempos a desilusão e a decepção tomaram conta, e eu já não me iludo mais esperando que talvez eu esteja errado sobre o ocidente. Como muitos, percebo que vivo na era da polarização — o resultado inevitável da democracia. Gatos só leem o jornal dos gatos. Ratos só leem o jornal dos ratos. Não posso dizer nada crítico sobre o ocidente que imediatamente sou estigmatizado. Antes, eu achava que o pensamento crítico era a marca registrada do ocidente moderno. Hoje, quando faço uma crítica, sou imediatamente categorizado, colocado em uma caixa e rotulado como “fascista”, “pró-Rússia” ou “pró-China”. Se até gente como Chas Freeman e John Pilger é estigmatizada, o que sobra para mim? Mas, pessoalmente, tenho orgulho de estar na mesma caixa que Noam Chomsky ou Harold Pinter.
Como disse antes, todos os sistemas são falhos, mas alguns sistemas falhos possuem 750 bases militares ao redor do mundo. Eles se orgulham de ter derrubado mais de 50 governos em nome da democracia. O ocidente sequer se constrange ao proclamar orgulhosamente sua “excepcionalidade”. Os EUA e o Reino Unido insinuam que é missão divina sua mudar regimes de outros países, impor sanções ou conceder favores de acordo com seus valores. Na verdade, os Lordes do Reino Unido ainda não devolveram as reservas de ouro da Venezuela. A desculpa? Simplesmente afirmam que Maduro é uma pessoa má. Sempre que lhes convém, caracterizam alguém como maligno — um traço profundamente enraizado no sangue protestante. E então simplesmente tomam e ficam com o que não lhes pertence.
Vergonhosamente, demorei muito para perceber que, assim como muitos budistas não se importam com o Dharma e só querem ser budistas, esses países, especialmente no ocidente, que defendem democracia, direitos humanos etc., na verdade, não se importam nem um pouco com nada disso. Eles apenas usam esses valores quando lhes convém — geralmente para criticar os outros. Assim como muitos budistas que nada sabem sobre o Dharma, ninguém parece realmente saber o que é democracia.
O resto do mundo é levado a acreditar que o ocidente trouxe algo tão bom, algo sem o qual o mundo estaria perdido — que alcançamos o “Fim da História” de Francis Fukuyama. Pensando bem, se algo realmente aconteceu, foi tudo que o mundo perdeu por causa do ocidente — dos aborígenes da Tasmânia, na Austrália, aos incas no Peru. O ocidente fala sobre multiculturalismo e preservação cultural, mas o genocídio cultural causado passivamente por algo tão simples quanto a Coca-Cola é pior do que todos os anos da Revolução Cultural da China. Algumas línguas, valores, histórias e culturas foram perdidos para sempre, a ponto da extinção completa.
Nenhuma instituição ocidental fez qualquer esforço para dizer às pessoas que modernização não significa ocidentalização. Pelo contrário, os colonizados são levados a se sentirem envergonhados, retrógrados ou primitivos por serem quem são. Pessoalmente, já me fizeram sentir constrangido ao usar nuances budistas. Disseram-me: “Não faça parecer uma religião; não faça parecer budismo.” Somos levados a acreditar que devemos nos adaptar para torná-lo palatável para uma mente moderna — o que, na verdade, significa uma mente ocidental. Acadêmicos budistas em universidades ocidentais fazem de tudo para parecer objetivos, apresentando o budismo como algo arcaico e supersticioso — ao mesmo tempo em que secretamente o praticam em suas vidas privadas.
Temos conceitos como “budismo secular”. Mal sabemos que o chamado secularismo tem raízes profundas nas religiões abraâmicas. Como Tom Holland disse, a universalidade e a individualidade vêm do cristianismo, assim como a suposição cega de que existe algo como “objetividade”. Só nos vêem como alguém de mente aberta se aceitamos valores e interpretações ocidentais. Quando tentamos preservar nossas raízes culturais, somos rotulados como fascistas, ortodoxos ou nacionalistas.
Imagine Narendra Modi implementando o Arthashastra de Kautilya. Como a elite indiana tremeria de indignação. Enquanto isso, esses mesmos indianos se orgulham de usar o sistema parlamentar projetado para cerca de sessenta milhões de pessoas em uma pequena ilha chamada Inglaterra. Um sistema que claramente não funciona na Índia, especialmente para os pobres. Não é aceitável que Modi fale “demais” sobre a cultura hindu, mas é completamente normal ter ruas chamadas “Balmoral Road”, “Victoria Street” ou “Hyde Park” em várias cidades do mundo.
Cresci pensando que nós, os lamas tibetanos, tínhamos uma mente tão estreita e éramos tão atrasados, seguindo algo tão cegamente. Na verdade, cresci pensando todas as nações não ocidentais como sendo atrasadas, primitivas e provincianas. Agora vejo que pessoas formadas em universidades Ivy League são igualmente provincianas e primitivas. A diferença é que um lado tem 750 bases militares e a hegemonia do dólar, e o outro não têm. O ocidente liberal é tão rígido em suas crenças não examinadas quanto qualquer fanático de outra origem.
Eu costumava ouvir que a história é escrita pelos vencedores. Mas agora percebo que não é apenas a história; os vencedores escrevem tudo: valores, razões e datas. O ocidente fabrica justificativas para criticar outras nações por violações de direitos humanos, enquanto dá 58 ovações de pé e 18 bilhões de dólares a Netanyahu.
Termino com uma nota positiva: como Buda disse, tudo é relativo. O declínio do colonizador chegou. Perguntam-me: “É realmente bom para o mundo que os EUA declinem?” E eu digo: “Sim, é.”
Em meu coração, amo a democracia, mas quero uma democracia global, não apenas uma democracia parcial. Até que os Estados Unidos e seus aliados caiam, o outros países do mundo permanecerão sob seu domínio ditatorial. O opressor precisa cair.
Texto de Dzongsar Khyentse Rinpoche postado em sua conta no Facebook em 19 de janeiro de 2025
◦ Livros e links de Dzongsar Khyentse Rinpoche, texto em tzal.org
◦ Donald Trump e o carma, entrevista com Dzongsar Khyentse Rinpoche em tzal.org
◦ Donald Trump e o caminho do meio, vídeo no Canal Tendrel
Traduzido por Padma Dorje em 2025.

Não se importe com o alvo dos outros
Trecho do livro “Fofoca de Cigano” de Trinley Norbu Rinpoche

Iluminação? Depois do Futebol
Sobre Dzongsar Khyentse Rinpoche, publicado na Revista Radar em 2003

Superstição, imperialismo cultural e reprodutibilidade
Este é um comentário sobre uma colocação de Dzongsar Khyentse Rinpoche no Facebook em 2019 onde ele trata das distorções nas adaptações do darma à modernidade onde o conceito de “superstição” é aplicado ao budismo sem o contexto cultural adequadamente traduzido. Ele chama essa prática de uma forma de genocídio cultural “pacífico”. Rinpoche critica a atitude subserviente à ciência de alguns budistas modernos.

O Guru Bebe Cachaça?
A devoção ao professor é a quintessência do caminho Vajrayana. O professor pode usar – e vai usar – todos os meios possíveis para nos acordar. Desse modo, é uma relação que exige muito de cada um e que nos leva a abrir mão de nossas crenças e expectativas mais profundas. // Dzongsar Khyentse Rinpoche aborda alguns dos aspectos menos compreendidos dessa relação poderosa e oferece conselhos para que possamos aproveitar ao máximo essa preciosa oportunidade de transformação. Por meio de histórias e exemplos clássicos, Rinpoche nos mostra como trilhar o caminho com olhos bem abertos e com capacidade crítica aguçada, além de bem equipados para analisar o guru antes de ingressarmos nessa jornada.

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