Buda foi vegetariano?
A tradição budista em geral acredita que o Buda esmolava comida e comia o que era oferecido, inclusive sobras de carne. O Buda teria inclusive morrido de desinteria causada por comer carne de porco estragada. Esta questão da esmola de comida sem discriminação é enfatizada pelas regras monásticas que sobreviveram, que indicam que o Buda de fato pedia a seus monges que recusassem um animal abatido especialmente para eles. Só que comiam restos, sendo ainda especificado que devia haver pelo menos seis atravessadores entre o abate do animal e a pessoa que entra o alimento ao monge — de forma a evitar qualquer possibilidade de salvar aquele animal específico.
Porém, na tradição mahayana, como há mais ênfase no budismo laico, que muitas vezes está envolvido na produção e venda de alimentos, comer carne é considerado extremamente daninho. Por este motivo eles chegam a interpretar o que há nos textos antigos sobre o alimento estragado que matou o Buda não como “delícia de porco” mas como “delícia dos porcos”, isto é, um prato que não seria de porco, mas talvez cogumelos que porcos consomem. Porém, ao meu ver, isso me parece uma desculpa anacronística, especialmente considerando o vinaya, textos de regras monásticas, que sobrevivem em fontes primárias a partir do séc II.
Se um budista pode ou deve comer carne, bom, quando a isso há muito o que dizer, e eu já falei sobre isto em minhas respostas sobre budismo e vegetarianismo um texto aqui em tzal.org, e em um vídeo no Canal Tendrel Budismo e vegetarianismo, bem como em Algumas respostas sobre o tsog. A resposta rápida seria que depende. Embora não haja uma regra específica sobre comer carne (fora de certos sutras mahayana, que apesar de veementes, não estabelecem vinaya, ou seja, regras para leigos e monges), é certamente melhor evitar comer carne, quando isso é possível. Se a pessoa fizer um voto pessoal de não comer carne, ela certamente acumula mérito. No entanto, muitos budistas comem carne, e isso por si só não indica se a prática deles é boa ou ruim, porque ela depende da atitude mental e também de como eles obtém essa comida — um monge esmolando restos, sem sequer pagar pela matança, está totalmente isento de qualquer carma ao consumir carne, e até mesmo gera mérito ao não discriminar o alimento. Já uma pessoa que abate animais, e mais ainda, uma pessoa que come um animal vivo, como uma ostra, ou escolhe uma lagosta no aquário antes do jantar, essa pessoa certamente vivenciará o inferno — sendo budista ou não.
• Algumas respostas sobre budismo e vegetarianismo, respostas a perguntas por Padma Dorje em tzal.org.
• Budismo e vegetarianismo, vídeo no Canal Tendrel.
• Algumas respostas sobre o tsog, o tsog é uma prática vajrayana (uma forma de budismo) onde geralmente se serve carne, texto de Padma Dorje em tzal.org
• O Alimento os Bodhisattvas, de Shabkar. Para uma defesa budista veemente do vegetarianismo por um budista que praticava de forma não sectária no Tibete no séc. XIX. Livro em português na Editora Makara.
• Em defesa dos animais: direitos da vida, de Matthieu Ricard. Neste livro Matthieu Ricard, um monge budista, fala sobre as várias formas pelas quais os seres humanos abusam dos animais e como isso reflete na prática budista e numa visão laica de proteção desses direitos. Livro em português na amazon.com.br.—
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