Renúncia, compaixão e visão pura
O budismo é descrito como tendo três níveis de votos, que estão ligados a três atitudes: renúncia, compaixão e sabedoria. Os três graus de votos são “incondicionais”, no sentido de não serem negociáveis. Também é necessário tomar votos de renúncia antes de tomar os de compaixão, e os de compaixão antes da visão pura. Normalmente os três níveis de votos são concedidos durante qualquer iniciação vajrayana.
Renúncia significa renunciar a ideia de que qualquer coisa no samsara possa trazer felicidade verdadeira. A ênfase aqui é no “qualquer”. Isto é, nós renunciamos à busca de felicidade condicionada como se fosse felicidade verdadeira, de forma absoluta. Não há meias medidas.
Então há o voto da compaixão. A compaixão é imparcial e equânime. Isto é, não exclui nenhum ser, e não deve flutuar de acordo com as diferenças entre os seres, ou mesmo entre momentos diferentes de um mesmo ser. O praticante gera compaixão por aqueles afligidos por dor, condições indignas e miseráveis, e gera compaixão por aqueles que usufruem de boas condições. Ele desenvolve compaixão até pelos estados meditativos dos bodisatvas que não atingiram iluminação completa. E também gera compaixão daqueles que causam grandes sofrimentos, e não gera menos compaixão de alguém quando esse alguém “apronta”. Ele gera sempre a mesma compaixão.
Da mesma forma, no voto da sabedoria, o praticante vê o potencial inato de pureza de todas as coisas, independente delas parecerem boas ou feias, ruins ou bonitas, espirituais ou mundanas.
Porém, na prática, esses votos são restringidos de forma que os passamos praticar de forma gradual. Assim, o voto da renúncia passa a ser renunciar em particular as ações negativas, que levam ao sofrimento mais imediato, tanto seu quanto dos outros outros. Se a felicidade condicionada não é o objetivo, muito menos a infelicidade. A ideia é que esse olhar cuidadoso sobre como se age leve a refletir que nada vai trazer felicidade verdadeira, exceto o darma. Mas a pessoa foca em princípio, digamos, em não matar — nem mesmo um mosquito. Esse treinamento leva a uma reflexão sobre as causas da felicidade, e enfim, sobre a possibilidade de uma satistação além das causas.
Da mesma forma, o voto da compaixão pode ser todo-abrangente, e implicar o anseio de levar todos os seres à iluminação (afinal eles estão buscando felicidade condicionada o tempo todo, essa é a fonte principal da compaixão por eles), mas começamos com aqueles que estão ao redor. Ao lidar com os altos e baixos seus e de outras pessoas e seres (tais como mosquitos), o praticante refina a percepção. Vendo que eles tem o potencial de se iluminar, não importa como ajam, mas não realizam esse potencial, e sofrem, não há como ser condicional na compaixão.
E assim também é com a visão pura. A pessoa examina o professor por um tempo (3 a 12 anos), e então ela o toma como um guru. É com o guru que você treina visão pura, particularmente dele mesmo, e depois você estende isso a todos os seres.
No cerne os três níveis de voto são uma única perspectiva.
Em particular, com relação à visão pura, ela não é algo que deve ser assumido por quem não quer a quer assumir. Ela é uma característica peculiar do caminho vajrayana, e requer um guru. Antes de assumir visão pura quanto a todas as coisas (como um voto e treinamento) você assume visão pura perante um guru.
E como você garante que o guru não é falso?
Você o examina cuidadosamente e por um longo tempo, como é descrito nos manuais do vajrayana. O guru também examina o aluno, porque ele também tem que manter visão pura do aluno. Nesse relacionamento é que a visão pura se estende para todas as aparências, e aí ela ocorre em conjunto com outras perspectivas.
Por exemplo, é na prática da visão pura que nós liberamos (matamos) forças obstrutoras, demônios, etc. É porque nós temos visão pura que podemos agir de forma irada, porque reconhecemos o potencial de iluminação do ser que está causando mal, e podemos agir compassivamente com uma ação irada, que parece violenta — mas que tem como objetivo ajudar a todos os seres, inclusive aquele ser sendo imediatamente maltratado. Tudo nessa ação de matar um demônio envolve visão pura: você tem visão pura do demônio, da ação e da sua motivação — aí ela é a ação de um ser iluminado.
Então a visão pura inclui esse tipo de perspectiva, em que você ajuda seres negativos ao reconhecer sua natureza pura e agir de forma a evidenciar essa natureza, algumas vezes de forma implacável.
Mas, esse é um grau de prática muito elevado, então, na nossa perspectiva, o que fazemos é treinar perceber o guru como um ser puro, ou procurar um guru, se é que essa perspectiva espiritual nos interessa.
De outra forma, não precisamos do conceito ou do voto da visão pura, e podemos praticar compaixão e renúncia, ou, se formos ainda mais covardes, apenas renúncia.
O Buda ensinou a renúncia de uma forma mais ampla porque ela beneficia um numero maior de seres, a compaixão requer um praticante de maior acúmem, bem como a visão pura, um praticante mais especial ainda.
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De modo geral a prática de compaixão é essencial, desde que você seja capaz de realmente beneficiar os seres. Se você vai se prejudicar ou aos outros, melhor se afastar.
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