Mal tocou no gelo e já se acha geladeira
Atualmente conheço mais gente que busca a meditação1Aqui se aplica "mindfulness" ou qualquer forma de cultivo mental. como profissão do que como prática.
Na verdade, fora quem se interessa por budismo ou se identifica como budista (ou de outra religião), todas as pessoas que conheço que praticam meditação (entendida aqui como qualquer treinamento da mente, mindfulness, e todas essas variações laicas), ou mesmo falam no assunto, são ou aspiram ser professores destas técnicas, com viés profissional.
Meditação virou carreira. E é só fazer uns workshops, ou talvez só botar uma placa mesmo — fazer uns folders, mandar e-mail. Nada de 300h de vôo para tirar um brevê.
Os professores laicos de meditação que conheço são — sem exceção até onde posso lembrar — também extremamente inexperientes em meditação em comparação com qualquer budista de quinta categoria que fez um, dois ou três meses de de shamata. (~1000h — sendo que a tradição budista vê o número de 50 mil horas na almofada como um bom indício de que esta prática está consumada, o que não significa necessariamente estar nem um pouco perto de se tornar um Buda, ou mesmo um Bodisatva, ou mesmo um Arhat, ou mesmo um grande professor do darma, ou um pequeno professor do darma. É um praticante bastante dedicado, que pode ter desenvolvido algumas qualidades com a prática.)
Quando pensei em escrever isso, eu ia dizer que era uma grande maioria de interessados em "meditação laica" que buscava ensinar meditação. Daí tentei encontrar uma única pessoa que eu conhecesse que se interessa por esse tipo de prática e não a ensina ou quer ensinar. Aparentemente, a "compaixão" é muito forte, e após duas ou três sessões de 5 min, a pessoa resolve que talvez seja a hora de juntar um grupo — primeiro com contribuições espontâneas, claro, até a pessoa formar um nome e ficar concorrida. A não ser que já tenha uma credencial qualquer, daí já pode fazer curso para formar outros professores. É quase uma pirâmide, Amway, ou algo assim.
Por um lado, isso não implica necessariamente o materialismo, charlatanismo ou mero interesse pessoal dessas pessoas, mas sim o fato de que profissões com sentido são extremamente escassas, e profissões de todo tipo já não são tão comuns. Mesmo que a pessoa tenha uma formação específica... "entrar na correnteza" se torna captar o modismo que pode dar aquele diferencial para um consultório ou consultoria... Então a pessoa pensa "ora, eu acho isso benéfico, não parece algo difícil, vamos colaborar com o mundo, e quem sabe sobra um troco para mim".
Aí, aqui vale o conselho que, quando me pedem, já dei várias vezes. Quer ensinar meditação? Faça alguns milhares de horas, com um professor que fez algumas dezenas de milhares de horas. De preferência, numa "escola" que tenha alguns milênios de horas somadas.
Quer praticar meditação? Procure um instrutor, e averigue se, além de ter uns papeis na parede, ele fez mesmo prática. Sim, você só quer fazer 5-20 minutos por dia, e se você não quer ensinar, nem atingir resultados extraordinários, como vencer aflições mentais e desenvolver ao máximo qualidades como a compaixão, realmente não precisa somar milhares de horas. Esse tempinho, de forma consistente, vai ser boa higiene mental, reduzir estresse, ajudar você a jogar videogame melhor, brigar menos no trânsito, tratar melhor o cachorro, essas coisas.
Mas mesmo para praticar esse tempinho mínimo aí, melhor ter professor — e não pegar qualquer "iniciante credenciado" de professor.
Porém, se você quer ensinar, aí é diferente. Seria bom conviver com a ampla variedade de experiências que surgem durante a meditação, e mesmo com um grupo de pessoas que passou por essas miríades de experiências boas, neutras e ruins por um bom tempo.
Além disso, o ideal seria não cobrar por "aulas" de meditação ou certificados, mas permitir contribuição espontânea. Meditação é a coisa mais barata que existe, e o recurso principal é sua própria mente. Se você for investir num professor, não caia em roubada — teste como se testa ouro: com ácido. Afinal, é como você vai tratar sua própria mente que está em jogo.
(E não, eu não ensino meditação.)
1. ^ Aqui se aplica "mindfulness" ou qualquer forma de cultivo mental.
Citações budistas curtas
Estas frases costumavam ir, uma delas escolhida aleatoriamente pelo programa, ao fim de qualquer email que eu mandasse. Muitas vezes as pessoas tomavam como indireta, algumas até ficavam bravas. Aí eu tinha que explicar o sentido de aleatório... e carma. haha. Recuperei do último backup em mídia ótica que fiz, em 2008. As utilizava como taglines no The Bat (cliente de mail que usei por alguns anos). Esqueci completamente delas quando migrei para o Thunderbird. Imaginava que estivessem em algum .txt perdido. Quando fui recuperar, procurei por um tempo procurei em vão por todos meus HDs, usando diversas combinações de palavras que eu sabia estarem presentes... e nada. Aí achei nesse DVD de 2008.
Três ondas de distorção do budismo no ocidente A 2ª onda: a distorção dos românticos
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Num texto extremamente franco, Rinpoche detalha as armadilhas da falta de adaptação no treinamento de mestres budistas que têm seu renascimento reconhecido como de um mestre do passado, isto é, os tulkus.
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