Estratégias Tabajara da McMindfulness
Pessoal que diz que “mindfulness” não é ou não pretende ser meditação está apenas reduzindo o termo “meditação” a um estereótipo que eles mesmos inventaram.
Digo, sati (mindfulness em páli), estritamente falando, não é meditação: sati é uma característica ou qualidade da mente, que pode aumentar ou diminuir. Mas você pode usar o termo sati para o cultivo de sati também, por alguma figura de linguagem. É que nem alguém dizendo “fui pro balé” — se subentente, por contexto, que a pessoa foi praticar balé; não foi assistir balé, nem foi se apresentar como bailarina. O “balé” quer dizer as três coisas, talvez mais.1O mesmo vale para shamata, aliás, que é o resultado da prática de shamata — e evidentemente, quando a pessoa diz que esta praticando shamata, ela está fazendo a prática que leva a esse fim, e não necessariamente “em estado de shamata” o tempo todo.
Quando você cultiva essa característica (ou alguma outra), então se tem meditação.
Mas mesmo a tal mcmindfulness (que não é sati) é um cultivo, é um cultivo vendido, enlatado, pasteurizado; um pastiche de cultivo, com logotipo, pastinha, colchonete de ioga, sala alugada, quadro branco, flipchart, powerpoint, buzzwords, crachá de congresso, coffee break, siglas esotéricas que soam científicas, anglicismos desnecessários; com foto de moça magra bonita com roupa colante de ioga, camiseta esvoaçante, cabelo preso, fazendo mudra hindu sentada errado, num ambiente idílico, passando aquela “paz”-enquanto-produto; e com cartaz feio com imagem stock de flor ou ambiente natural desfocado com um monte de fontes misturadas, e mais um facilitador com credenciamento de dois fins de semana que passa um bom tempo do curso reclamando dos mcmindfulness ainda mais tabajara para parecer ter domínio moral da situação, mas sendo ele mesmo bastante tabajara, etc. tudo isso, e muito mais, mas segue sendo um cultivo. Sendo um cultivo (bhavana), é “meditação”.
Apenas pessoas extremamente ignorantes dizem que meditação é algo necessariamente ligado a religião ou postura.
(Aí também vem a discussão de se o budismo é mesmo uma religião, e são outros 500).
A jogada “genial” aqui é que, como o pessoal do mcmindfulness é criticado por ensinar meditação (cultivo) com pouco mais do que o “cultivo” de uns fins de semana, num esquema-pirâmide infinito de vendedores-de-ar que treinam vendedores-de-ar, então eles dizem “mas não, o que eu ensino não é essa coisa íntegra, com finalidade de vasto espectro e profundidade, e o que eu ensino é uma coisa 'nova' e específica, focada nesse nicho muito estreito, em redução de estresse e aumento de qualidade de vida, com alguns efeitos terapêuticos possíveis sobre algumas aflições”. Assim, eles tentam se esquivar da acusação de bastardização de ensinamentos tradicionais — que eles assumem como base para o que fazem, mas sempre e apenas quando isso se mostra conveniente — dizendo que, em vez levar o cultivo ao seu uso pleno, estão apenas focados num cultivo que, no fundo, não cai sob a “jurisdição” dos ensinamentos tradicionais — que demandam que a pessoa tenha um mínimo de qualificação em termos de tempo de prática do que quer ensinar. Ou seja, é a bastardização da própria ideia de treinamento da mente, cooptada para formar uma indústria, e aplicada com fins extremamente limitados no tempo e no espaço — o que tem o efeito danoso de justamente desacreditar o treinamento da mente, que pode ser tão poderoso num sentido profundo. Parece dar justificação científica (budista que abana rabinho até curte), mas no fim, transforma num modismo, num produto, numa loja de 1,99 para genéricos piratas de ensinamentos tradicionais.
Exatamente por não terem experimentado o treinamento da mente num escopo integrativo e como estilo de vida — o aplicando apenas como mais uma sigla com marca registrada — tendo passado pouquíssimo tempo em nível pessoal e institucional envolvidos com ele, é que se usa o termo “mc”, que expõe essa bastardização, essa comoditificação e essa “perda de nutrientes”.
1. ^ O mesmo vale para shamata, aliás, que é o resultado da prática de shamata — e evidentemente, quando a pessoa diz que esta praticando shamata, ela está fazendo a prática que leva a esse fim, e não necessariamente “em estado de shamata” o tempo todo.
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