Budista de direita é fajuto
Embora nos EUA e na Europa seja extremamente incomum, aqui no Brasil existem alguns supostos professores budistas que preconizam valores “de direita”, e se apresentam como direitistas. Em parte isso se deve a crise e decadência da esquerda partidária neste país, mas também vem de um não entendimento dos ensinamentos budistas.
Não é possivel defender valores como
e os coadunar com o budismo.
Não estou dizendo que toda pessoa de direita tenha que aceitar todos os itens acima, basta um único — e se ela tentar incluir uma visão dessas no budismo, é como uma gota de veneno numa bacia de leite puro: todo resto vira simplesmente veneno. Ademais, desafio alguém a encontrar uma forma de pensamento de direita que não contenha ao menos um desses itens.
É importante também entender o que se está subscrevendo. Tentei ser bastante cuidadoso com as palavras, porque elas apontam os problemas — mas uma pessoa de direita poderia tentar dizer que direita quer dizer menos estado e mais liberdade individual. No entanto, eu deliberadamente preferi não tocar nesse assunto por esse ângulo, porque as medidas que levam a menos estado e a suposta maior liberdade individual inexoravelmente levam aos pontos acima, que estão em desacordo com os ensinamentos. Questões de tamanho de estado são irrelevantes para o budismo, e “liberdade individual” é muito mais uma propaganda que leva ao individualismo, competição, e atratores de poder como corporações do que propriamente um ideal concreto e efetivo em sociedades modernas, onde as pessoas são escravas de suas expectativas, moldadas pela publicidade.7Um leitor fez uma tentativa exaustiva de coadunar um pensador da escola austríaca com a direita e com nenhum dos itens acima. Estado menor e eficiência como um valor neutro foram argumentados. No entanto, tanto eficiência quanto estado menor são objetivados para justamente maior competição, e tornam necessários justamente os dois primeiros valores, mais o último, e provavelmente também o materialismo e a questão da publicidade. Em particular, tentar apresentar uma visão ideológica como se fosse constituída de “fatos” é prerrogativa tanto da direita quanto de parte da esquerda. Porém, aqui a direita enquanto ideologia precisa ser reconhecida (caso contrário não há argumento), e estes aspectos precisam ser demonstrados como não consequência lógica direta, inexoravelmente ligados a valores como “estado menor” e uma suposta eficiência “neutra”. Caso contrário o argumento se torna “como a direita pode não ser de direita”.
Também não estou dizendo de forma alguma que a esquerda seja perfeita, e que por vezes não tenha coisas incompatíveis com o darma — isso também acontece com alguma frequência. Mas a direita é sempre incompatível, enquanto que as visões de esquerda muitas vezes são compatíveis. Para começar, qual das duas ideologias tende a incentivar a compaixão e a empatia? A direita algumas vezes aceita esses valores como questões de foro pessoal, até positivos e nobres, mas que devem sempre depender da disposição individual — ou religiosa e étnica. Mas o resultado efetivo disso, que vemos no mundo hoje, é que a direita e o capitalismo promovem mecanismos que acabam incentivando o enfraquecimento desses valores. A esquerda algumas vezes pode ser tirânica ou poliana, mas ela muitas vezes se embasa numa perspectiva compassiva — algumas vezes até explicitamente falando em compaixão como valor político, secular e independente de preferência individual ou propensão étnica-religiosa — e de forma geral não se conhece mecanismos propriamente de esquerda que desincentivam valores humanos básicos como a compaixão.8Os totalitarismos de esquerda e direita acabam por abafar a compaixão, mas essa é uma questão própria do totalitarismo. Ela pode surgir com qualquer ideologia, independente do tipo.
Também o que acontece frequentemente no budismo é o professor desconsiderar ideologias políticas como divisórias — e algumas vezes esconder ou deliberadamente evitar comentários políticos para não criar divisão na sanga. Nestes tempos, isso é compreensível. Uma pessoa não precisa dizer que a preocupação com o ambiente é quase exclusivamente uma questão de esquerda, ela pode simplesmente falar da preocupação com o ambiente. Ou nem isso, desde que ela não ativamente negue ou se desfaça do problema ambiental; isto está compatível com os ensinamentos. Por isso há muitos professores que são evidentemente de “esquerda”, mas que não usam esse rótulo sobre si — e até se dizem apolíticos.
Por outro lado, nos EUA e Europa, como basicamente as pessoas de direita não considerariam praticar valores de origem asiática como o budismo — dado que a direita é ostensivamente eurocentrista e nacionalista nestes lugares, e muitas vezes apenas e unicamente cristã9E “cristã”nominalmente, porque os valores cristãos também são socialistas, como muitas vezes é apontado por críticos da direita. — alguns professores (como Dzongsar Khyentse Rinpoche) gostam de alfinetar características confusas ou problemáticas do esquerdismo acentuado de seus seguidores. Por exemplo, a ênfase demasiada em valores como transformação social, feminismo e relativismo moral e antropológico (a crença de que todo mundo está certo, do seu jeito). A prioridade do darma é o darma, e embora algumas dessas coisas sejam boas (não o relativismo, apenas a tolerância que é sua motivação), a organização da sanga não deveria estar centrada em valores ligados ao ativismo.10O objetivo da sanga é praticar o darma para atingir a iluminação, não para consertar o samsara. Consertar o samsara não é possível. É até possível melhorar o samsara, mas se isso for prioridade, perde-se o budismo. A prioridade é a iluminação, não melhorar condições. O condicionado não garante nada.
Como a direita — e um pouco a esquerda — aqui no Brasil são histriônicas e esquizofrênicas, e a classe média alta é que pratica budismo, acaba havendo muitas pessoas que se consideram de direita (e usam, por exemplo, termos como “petralha”) e são atraídas pelo darma. Isso simplesmente não acontece noutros lugares, porque seria um pouco parecido com neonazista brasileiro de cor parda — o latino-americano se associando com valores do colonizador, achando que seria aceito num campo de golf como algo mais do que um caddy. Ser budista é, na maior parte do mundo educado, e na visão geral e principalmente da própria direita, equivalente a ser de esquerda.11E não estou dizendo que seja. Meu texto não diz que budistas precisam ser esquerdistas. Apenas que não podem, pace ignorância e autocontradição, subscrever à direita. Se a pessoa quer se identificar ou não com temas de esquerda, é com ela. Mas que ela vai ser rotulada como tal pela maior parte do mundo, vai. E ela pode ser de esquerda e budista, se assim quiser, sem dúvida — além da opinião dos outros. Então esses ensinamentos que visam corrigir defeitos da esquerda sonhadora e hippie dos EUA e Europa ficam um tanto deslocados no âmbito brasileiro — e só se aplicam a aquelas pessoas focadas no ativismo como prioridade, que também existem por aqui.
Algumas tentativas comuns de refutação:
1) O budismo é não dual, caminho do meio, não se envolve em política, não toma lados ou partidos, budistas são “além de extremos direita e esquerda”, “direita e esquerda” são conceitos irrelevantes para o budismo, afirmar coisas é “jogo do ego”, argumentar por lógica é violência e autocentramento, etc.
Nagarjuna disse que aqueles que entendem mal a vacuidade são incorrigíveis. O budismo não preconiza indiferença, nem mesmo perante ideias. Visões errôneas devem ser combatidas. O que são visões errôneas? Por exemplo, a ideia de que incentivar a competição é algo positivo.
É claro que direita e esquerda são rótulos bastante abusados e incertos. No entanto, de forma alguma o budista deve evitar dialogar com o mundo atual, e esses termos são usados. Como são usados, o budista deve se relacionar com eles, e deve formular suas posições de acordo com a visão, meditação e ação. Apenas evitar certos assuntos porque são muito complexos e aparentemente pouco espirituais é apenas a atitude de um esnobe espiritual – o que está em desacordo em particular com o mahayana.
É óbvio que o texto é polêmico. O budismo tem uma longa história de debates polêmicos, e ele se envolveu com todo tipo de ideia produzida – pelo menos o Budismo que fundou a Universidade de Nalanda, e que tradicionalmente dialogava abertamente com outras tradições e conhecimentos seculares.
Em outras palavras, a ideia de que budistas não podem argumentar sobre certas coisas, porque elas são complexas, modernas ou não parecem espirituais, é simplesmente covardia e complexo de suposta santidade antisséptica. Adicionar a isso palavras como não dualidade ou vacuidade, ou dizer que o argumento racional é “coisa do ego” ou “certeza egoica” é simplesmente equivalente a jogar o Buda pela privada e puxar a descarga.
É óbvio que o Buda considerava certas ideias contraproducentes, inábeis e erradas. É nosso dever enquanto budistas examinar nossa própria mente e discernir o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado — particularmente em termos éticos. Caminho do meio significa várias coisas, mas os extremos normalmente se referem a visões como o eternalismo e o niilismo, não a, por exemplo, não ser nem correto nem errado eticamente. É óbvio que os budistas não são “caminho do meio” no sentido de evitar tomar partido contra visões errôneas — eles não são isentões com a desvirtude e a visão errônea. Meu texto é sobre isso, e por acaso os rótulos “direita” e “esquerda”se aplicam em alguns desses casos, no seu uso corrente, bem como em suas definições técnicas e ampliadas.
É também óbvio que, no contexto de ensinamentos, em épocas de exaltação tais como eleições — considerando que a maioria das pessoas não sabe abrir a boca sem falar bobagem, ou debater com um mínimo de cordialidade e lógica — é compreensível que alguns professores budistas cortem o assunto “política” dos encontros sociais. Vi um professor uma vez falar que “o melhor era não se meter em política”, e as pessoas entenderam que se tratava de algo como esse texto, ou mesmo política partidária — mas ele, naquele caso, entendo pelo contexto de uma crise que a instituição dele estava passando naquele momento, estava se referindo aos problemas internos do budismo, de uns professores com os outros, e questões de sectarismo e assim por diante. Então, em algumas circunstâncias, e em alguns sentidos do termo “política”, de fato não é um assunto aceitável no âmbito da sanga, especialmente porque pode tirar o tempo de ensinamentos e criar atrito desnecessário. Por outro lado, no diálogo com a cultura, é essencial lidar com o que está na mente das pessoas — e em particular quando há arrazoamento, e esse arrazoamento é suficientemente abstrato (não é sobre o que está no jornal hoje), pode ser um assunto essencial para a integração da prática da pessoa.
Quanto ao atrito que esse texto produz, minha posição na sanga (isto é, nenhuma) me possibilita isso. Se eu fosse uma autoridade, criar atrito poderia levar algumas pessoas a abandonar o darma. Como não sou, é bem mais esperado que a pessoa abandone a mim. Mas, é claro, ela é sempre convidada a usar sua cabeça e ver se eu tenho razão ou não. Como aliás, a pessoa deve fazer, igualzinho, mesmo que fosse um Buda carimbado e rotulado escrevendo.
Uma pessoa me acusou de estar causando cisão na sanga, uma desvirtude gravíssima. No entanto, cisão na sanga ocorre quando os budistas se desentendem e uns vão embora e criam um “novo budismo”. No meu caso aqui estou apenas cuidando para que o budismo não seja distorcido. Se a pessoa tem uma identidade política e isso a impede de ser budista, não sou eu que estou causando cisão, é apenas a pessoa que não consegue ser budista. Isso vale igualmente para esquerdistas que porventura tenham visões incompatíveis com o darma.
Outra pessoa argumentou que se o Buda aceitou até mesmo alguém como Angulimala (um assassino serial), porque não aceitaria uma pessoa de direita. O argumento absurdo é o de que esse texto estaria promovendo “preconceito contra pessoas com uma posição política” — ora, peguemos qualquer posição política extremista, tal como o nazismo. Caso eu esteja chamando uma pessoa que se autoidentifica como “nazista” de nazista, e usando o termo pejorativamente, estou sendo preconceituoso? Digamos que essa pessoa não se identifique ou não se reconheça como nazista, ainda assim eu estaria sendo preconceituoso, no caso dela defender ideias nazistas parcialmente ou na totalidade? Eliminemos a visão extrema, e falemos apenas nos pontos refutados: dizer que alguém é fajuto quando ele não entende e não pratica a doutrina que supostamente segue é preconceito?
Sinceramente, todas as pessoas que me vieram com esse argumento estão evidentemente tomando refúgio em suas posições políticas, e não no darma do Buda. Os “professores de darma” que levantaram essa bandeira, são todos conhecidos empresários coxinhas e defensores de Von Mises. Não vi ninguém apolítico, de esquerda, ou neutro de qualquer tipo preocupado com “preconceito”, ora, senão justamente os maiores filhos do privilégio afetados. É como quando hoje, nos EUA, quando se faz uma manifestação ao estilo “todas as vidas negras importam” a direita acusa as pessoas de racismo contra os brancos. Ora pensam ser necessário frisar “todas as vidas importam”, quando o que ocorre é o fato de muitas pessoas, simplesmente por serem negras, serem assassinadas por policiais.
E usar o nome do Buda para fazer esse tipo de argumento? Esses supostos “professores”, com isso, degradam a si mesmos, apenas isso.
Evidentemente que Angulimala abandonou a visão e a ação errônea ao tomar refúgio no Buda. Da mesma forma, uma pessoa que se considere de direita, mas acredite, por exemplo, na virtude da competição, assegura o seu voto de refúgio (deixa de ser fajuto) ao abandonar essa visão errônea. As pessoas não são inerentemente de direita, e é claro que uma pessoa que um dia foi de direita pode abandonar esse conjunto de visões errôneas, senão nem haveria porque escrever um texto como esse, não é mesmo? Então, o Buda dá boas-vindas a todos os "Angulimalas capitalistas" que abandonam o incentivo à competição, etc. Mas ele certamente não está de acordo com um Angulimala que não deixe de matar (e de manter a visão errônea de que matar é uma virtude).
2) Existe uma forma de direita que não cai em algum dos itens.
Algumas pessoas afirmaram isso, mas não apresentaram evidências. Muitas falaram na ênfase em “liberdade individual”, mas sem complementar que essa liberdade implica liberdade de competir para aumentar a eficiência de produção. De fato, a liberdade é vendida como um ideal por todo lado, até em propaganda de cigarros “Fumar ou não fumar, uma questão de ser Free.” – mas é preciso examinar as implicações do tipo de “liberdade” sendo vendido.
Ademais, é equivocado dizer que uma característica da esquerda é ser contra a liberdade individual. Em particular, a esquerda sempre lutou pelo direito do empregado discutir com o patrão, e fazer greve, por exemplo.
Ser a favor da liberdade, assim como ser contra a corrupção, é algo que todo mundo diz. Os estados totalitários têm “democracia” em seus nomes. É preciso examinar que tipo de liberdade é essa: liberdade de explorar animais, ambiente e pessoas? Jogar toxinas no ambiente? Liberdade de escolher entre 40 marcas de dentifrícios? Liberdade de pegar um jatinho particular, caso você tenha dinheiro para isso? A liberdade é só para quem tem as fichas? Liberdade de protesto, que em supostas democracias capitalistas como o Brasil e os EUA, não é bem assim? Ninguém é contra a liberdade, mas é preciso ver se não é apenas um pacote com cocô escrito “liberdade” em cima.
Outras pessoas falaram que o texto usa um argumento de espantalho ou “escocês verdadeiro”. O espantalho é fácil verificar — você se assegura se a descrição da direita é como eu coloquei, mas sem esquecer que eu não disse que toda forma de direita tem todos os itens. Ou, você pode destrinchar um item e dizer porque ele não tem a ver com o budismo. Apenas afirmar que é um espantalho, no entanto, é apenas “falácia falácia”. Da mesma forma, o “escocês verdadeiro” seria aqui a tese, não a premissa, e portanto um “falso escocês verdadeiro”, se é que me permitem um jogo de palavras. Ou seja, o que se está definindo — por exclusão, o que é um pouco mais complicado logicamente, mas é o que foi feito — é o que é um budista, no que ele acredita. Não se está dizendo que a direita é ruim porque o budismo não é compatível com ela — o que aí sim poderia levar a um “escocês verdadeiro”, caso o argumento para a “boa direita” fosse o fato de haverem budistas que se dizem de direita. Tampouco é feito um argumento de que a esquerda é boa, ou que o budismo precisa subscrever a ela, apenas porque em alguns casos há compatibilidade com o darma.
Há várias estratégias de refutar um texto como esses, mas é trabalhoso, especialmente pelo fato de que são vários itens que precisam ser refutados um a um. Uma refutação adequada precisaria ser, calculo, um texto de cinco ou seis vezes o tamanho deste — porém, a maioria das pessoas o “refuta” dizendo que o “acharam bobo”ou que eu sou um religioso, e que portanto não sei do que estou falando (sim, li isso — até fiquei lisonjeado de alguém me achar mesmo mais um religioso do que um polemista ou sabichão de muitas coisas, que é como normalmente as pessoas me conhecem). Se você não tem tempo para desfazer o argumento todo, você pode de fato contrariar um ponto ou outro. Para mim seria ótimo que mais gente fizesse isso, porque assim posso até melhorar o texto, acomodando exceções e diminuindo mal-entendidos.
No entanto — não creio ser esta uma característica própria dos direitistas, mas da cultura em português mesmo — não há quase nenhuma capacidade argumentativa sendo efetivamente exercida nas muitas expressões (efetivamente prognosticadas!) de mau humor contra o texto.
3) Existe alguma forma genuína de budismo que permite algum dos itens.
Essa outra estratégia também foi tentada (mas levou uma semana depois da publicação do texto), mas aqui estamos falando de conceitos bastante gerais, e de acordo com coisas como o Cânone Pali, que todas as formas de budismo autênticas aceitam.
Uma objeção foi levantada quanto ao fato do Buda ter patronos prósperos. A prosperidade não é identificada no budismo como tendo sua fonte verdadeira nas perspectivas supracitadas, mas pela geração de bom carma, por exemplo, através da generosidade. Mérito, para o budismo, não é ser mais esperto do que os outros e derrotá-los no mercado — e nem mesmo produzir algo que todo mundo quer (ou nem sabia que queria). Mérito é beneficiar os outros, e essa é considerada a raiz da prosperidade no budismo — não fazer esforço para se autobeneficiar.
Ademais, a prosperidade não é uma característica da direita, ou uma característica que o budismo condene: caso não seja prioridade, não há problema em ter riquezas — particularmente se o patrocínio da comunidade budista é uma das ações da pessoa próspera.
Outra noção é a de que o Buda acolhe todos os seres em sua compaixão, inclusive pessoas de direita, e de fato ele faz isso. O que não quer dizer coadunar com suas visões errôneas. Pelo contrário, o Buda e seus alunos se ocupavam muito da transmissão correta do darma, o que incluía refutar publicamente visões errôneas. O benefício, nesse caso, é a ação irada do Buda em dizer que eles estão profundamente errrados. Esse é seu acolhimento.
Se, por outro lado, o Buda debatia, isso não era com um viés de competição — mas para demonstrar o erro que inevitavelmente leva ao sofrimento.
4) A esquerda invadiu o Tibete, matou não sei quantos, roubou o doce e comeu a criancinha.
O texto não é uma defesa da esquerda. Leia de novo.
Por outro lado, é bom sempre lembrar que o Dalai Lama se descreveu como marxista.
5) Pessoas com problemas de interpretação de texto ou que não estudaram teoria de conjuntos no primário.
Quando alguém diz “todos”, “apenas um”, “nenhum” – é preciso raciocinar de acordo com o que é dito — mesmo para refutar. Não funciona simplesmente assumir que cada afirmação é uma generalização. Li pelo menos 300 comentários a este texto que falhavam em interpretação e lógica de ensino fundamental. E eu não considero esse um texto muito mais difícil do que o que se encontra em periódicos populares.
Além disso, abundam tentativas de usar o que é algumas vezes chamado de falácia da “falsa equivalência” ou falácia do “exagero do equilíbrio”, implicando que, se existem duas posições opostas, elas necessariamente possuem pesos semelhantes em termos de justificativa. Isto é, se alguém diz que a terra é chata, ele mereceria o mesmo espaço de argumentação, e a mesma defesa ardente e uso de “fatos”, de alguém que diz que a terra é redonda. Direita e esquerda podem não estar no mesmo patamar de assimetria, mas existe uma assimetria vasta na justificação ideológica de vários dos pontos (por exemplo, mudança climática antropogênica) — de forma que apresentar fatos e argumentos cogentes que defendem um lado não é ser parcial — justamente o contrário. Há também muito “pombo enxadrista”, seja porque a pessoa acredita que os dois lados são igualmente ruins, uma vez que o espectro político em si não faz mais sentido, seja porque ela acredita que “para o darma” seria assim — sem se envolver com os argumentos muito claros que estão no início do texto.
6) E com relação ao aborto? Ele não é incompatível com o budismo? E toda a esquerda não aceita o aborto?
Nem toda esquerda aceita o aborto. E a questão do aborto é dupla: a questão moral do aborto e a questão da legalização do aborto. Há esquerdistas que consideram imoral o aborto, mas que acham interessante a legalização, por motivos de redução de danos e outros. E também há esquerdistas que não são a favor da legalização do aborto.
Da mesma forma, para a maioria dos budistas o álcool é imoral, mas eu não conheço absolutamente nenhum budista que busque a ilegalidade do álcool. Pode ser que haja budistas que considerem interessante legalizar o aborto, ainda que o aborto seja imoral na visão budista. De todo modo, você não precisa aceitar a legalidade do aborto, muito menos sua moralidade, para ser de esquerda. E embora você precise entender a imoralidade do aborto, como ação pessoal, em boa parte das circunstâncias, para estar de acordo com o budismo, não é certo que aceitar a legalidade do aborto seja incompatível com o budismo. Há quatro fatores e doze possibilidades aí — sem contar as questoes não especificadas —, não é um pensamento “preto no branco”.
Não é uma questão que define espectro político, embora, de modo geral, é verdade que a defesa da legalização do aborto — como uma liberdade individual da mulher! Perante um estadão controlador! Olha só, direita! Não era você que colocava a liberdade acima de tudo? — está do lado da esquerda. Como eu digo no texto, o budismo não concorda nem precisa concordar com tudo que a esquerda promove. Desde que algo crucial ao pensamento de esquerda não seja contraditório ao budismo (como ocorre com a direita), o argumento se sustenta. O aborto é uma questão popular, mas não definidora, para a esquerda.
1. ^ O problema aqui não é a competição em casos singulares, mas a competição como um valor ou paradigma.
2. ^ O materialismo filosófico, a crença de que tudo que existe é material ou físico, e o “materialismo histórico”, que é focado em classes e economia e “realidade social”, são mais característicos da esquerda, e também não coadunam com o budismo.
3. ^ Como os outros itens, essa não é uma característica necessária da direita. No entanto, ela certamente não é uma característica do pensamento de esquerda. Embora pessoas de direita ou esquerda possam ser igualmente racistas (ou não), o racismo é diretamente associado com certas formas de direita — que constroi outras camadas ideológicas sobre o racismo. Por outro lado, não é associado a absolutamente nenhuma forma articulada (intelectual) de esquerda, sendo extremamente raro (institucionalmente) mesmo em implementações esquerdistas extremamente mal pensadas. (Mal pensadas, mas que ainda assim se concretizaram, isto é regimes totalitários de esquerda, etc.)
4. ^ E neste texto acreditar na bobagem efetiva e lavada que é o trickle-down (ou “aumentar o bolo para então dividir”, ou “quando o bolo é grande, sempre sobram umas migalhas”) não é o ponto, nem uma discussão sobre a realidade ou razão cármica da desigualdade: apenas que a desigualdade aumentou agudamente nos últimos 40 anos, e por questões ideológicas — e acreditar que o aumento de desigualdade não é intrinsecamente negativo é uma falha moral.
5. ^ Ideia de que não somos presas de automatismos explorados por uma indústria bilionária, o que desconsidera totalmente a noção de treinamento da mente, e o fato da mente ser maleável e o foco central do ensinamento budista. Em outras palavras, assumir que publicidade é algo bom, e dizer que não afeta negativamente as pessoas — que supostamente são livres para agirem racionalmente. Se elas realmente fossem assim, o Buda não precisaria ter ensinado!
6. ^ Várias formas de falácia naturalista, isto é, acreditar que algo, apenas porque é observado na natureza, seja moralmente correto, deva ser encorajado, implementado ou amplificado nas sociedades e relações humanas.
7. ^ Um leitor fez uma tentativa exaustiva de coadunar um pensador da escola austríaca com a direita e com nenhum dos itens acima. Estado menor e eficiência como um valor neutro foram argumentados. No entanto, tanto eficiência quanto estado menor são objetivados para justamente maior competição, e tornam necessários justamente os dois primeiros valores, mais o último, e provavelmente também o materialismo e a questão da publicidade. Em particular, tentar apresentar uma visão ideológica como se fosse constituída de “fatos” é prerrogativa tanto da direita quanto de parte da esquerda. Porém, aqui a direita enquanto ideologia precisa ser reconhecida (caso contrário não há argumento), e estes aspectos precisam ser demonstrados como não consequência lógica direta, inexoravelmente ligados a valores como “estado menor” e uma suposta eficiência “neutra”. Caso contrário o argumento se torna “como a direita pode não ser de direita”.
8. ^ Os totalitarismos de esquerda e direita acabam por abafar a compaixão, mas essa é uma questão própria do totalitarismo. Ela pode surgir com qualquer ideologia, independente do tipo.
9. ^ E “cristã”nominalmente, porque os valores cristãos também são socialistas, como muitas vezes é apontado por críticos da direita.
10. ^ O objetivo da sanga é praticar o darma para atingir a iluminação, não para consertar o samsara. Consertar o samsara não é possível. É até possível melhorar o samsara, mas se isso for prioridade, perde-se o budismo. A prioridade é a iluminação, não melhorar condições. O condicionado não garante nada.
11. ^ E não estou dizendo que seja. Meu texto não diz que budistas precisam ser esquerdistas. Apenas que não podem, pace ignorância e autocontradição, subscrever à direita. Se a pessoa quer se identificar ou não com temas de esquerda, é com ela. Mas que ela vai ser rotulada como tal pela maior parte do mundo, vai. E ela pode ser de esquerda e budista, se assim quiser, sem dúvida — além da opinião dos outros.
A propaganda da liberdade
Incontinência/acrasia e a questão da ênfase de nossa sociedade na suposta “liberdade” individual.
A beleza da futura Dalai Lama: budismo e feminismo
Embora o budismo tenha ao longo de sua história muitas vezes corroborado visões machistas , há também motivos para regozijar com a presença do feminino na tradição.
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