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Budismo, engajamento político e direitos humanos

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Representação budista do inferno

Representação budista do inferno. Sem um deus criador, quem constroi as paredes do inferno e quem paga os torturadores?

Se você pratica o darma, você o pratica para a iluminação. Não em busca de direitos, liberdade, justiça, saúde, ou para melhorar de uma forma mundana. Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche

Recentemente alguns professores budistas no âmbito internacional manifestaram certas restrições ou críticas quanto à noção de direitos humanos. Embora estas críticas procedam, e sejam adequadas numa visão decolonial e sob uma perspectiva geopolítica, bem como sob uma abordagem estritamente ligada à prática pessoal, o risco de elas serem mal interpretadas na esfera brasileira é imenso. Este texto também é conectado a um vídeo que recentemente fiz para o YouTube sobre o mesmo assunto.

Isto é assim porque temos um histórico de abusos específicos quanto aos quais os direitos humanos supõem proteger, ou que de fato tiveram em vista quando foram concebidos — começando com a compra e venda de seres humanos, mas em especial durante o período da ditadura militar mais recente, e continuando depois dela, incontáveis injustiças e sanguinolência quase cotidianas. Se por um lado a noção de direitos humanos não parece nos proteger efetivamente destes abusos, por outro lado, a crítica aos direitos humanos por aqui sempre se dá sob o auspício a um retorno a esses “tempos dourados”, em que não se precisava pagar direitos trabalhistas a domésticas, e se achava bonito bater em negro petulante ou universitário que lesse Karl Marx. Também a ideia de “Direitos humanos para humanos direitos”, o clamor, popular na classe média, por punições “cruéis e incomuns” para criminosos.

E não só temos esses espectros assombrando, como temos em operação uma ideologia memética de extrema-direita, virulentamente influenciando em particular a sempre frágil mentalidade de classe-média. Classe média que é a herdeira principal de certa subserviência aos valores da elite — com que se identifica, na que acredita pertencer ao empregar domésticas e maltratar garçons. Uma elite que a classe-média reconhece como parceira, ou pelo menos como uma aspiração. Sua visão de si mesmos é a de “milionários passando um perrengue momentâneo”, como disse Steinbeck. Afinal, como viver sem manter pelo menos um quinhão de potencial de exploração? Ou uma aparência de superioridade? Tudo isto sob a égide cotidiana da banalidade do mal — a hipócrita mescla da caridade para com os caídos com a própria bota que os mantém no chão.

Esta mesma classe-média muitas vezes enxerga as incipientes tentativas de integração da população parda, marrom e miscigenada na sociedade, na educação e no consumo, como leniência à criminalidade. Uma vez que, óbvio, o recurso à criminalidade se concentra entre aqueles que efetivamente são excluídos — ou pelo menos o recurso à violência que não envolva atropelamento por carros luxuosos ou assassinatos políticos, e, é bom lembrar, não envolva os pervasivos crimes de colarinho branco.

Mais diretamente, isto parece implicar para esta classe média brasileira, efetivamente arrochada — mas por outros motivos, independentes dos mais oprimidos — uma espécie de perda da própria posição social. A classe média sente perder seus títulos e privilégios, e algumas vezes o próprio espaço físico e mental que parece seguir intocado numa segregação efetiva, que aqui nunca foi ostensiva, mas que segue produzindo bolhas de sensação de superioridade — tais como os ambientes dos aeroportos ou da universidade. Aqui posso prestar o exemplo anedótico de minha própria família, em que a maioria dos membros está no limite da vulnerabilidade alimentar, e ainda assim muitas vezes acredita-se pertencer à elite, nem que seja com relação aos vizinhos e às diaristas.

Em outras palavras, dentro do manual da direita classe-média comezinha, a “lei e ordem” implica um delírio vigilantista nada diferente ao do senhor escravocrata que usava o capitão do mato para punir e usar de exemplo o escravo desobediente ou fujão. Esse delírio muitas vezes incluiu o próprio presidente da república, se aprendeu a falar português correto apenas depois de velho, ou se por acaso nasceu mulher e foi torturada pela ditadura. Totalmente inaceitável essa gentalha: a nossa gentalha, aí... aceitável.

A mão supostamente compassiva que clama a defesa das pessoas perante a arbitrariedade dos outros termina na ânsia pelo exato mesmo poder de arbitrariedade. Lei de Talião, vendetta, “bandido bom é bandido morto” — nada disso com qualquer grau de compatibilidade com os ensinamentos do Buda.


Budismo e política

Algumas visões que identificamos como políticas são realmente incompatíveis com a prática do darma. Por exemplo, quando a política separa um grupo (tal como judeus, ou mesmo a “elite” ou a classe média que se acredita superior, como, é verdade, já usei neste texto) e produz um viés no qual demoniza de forma irrevogável qualquer pessoa ou grupo de pessoas, isso impede a compaixão incondicional e ampla do mahayana ou a visão pura do vajrayana, caso seja este seja seu lance.

Certas agendas políticas trabalham exclusivamente com a demonização dos oponentes, ou pela redução de pessoas complexas a meros detentores de ideologias, por vezes mesmo despreocupadas se porventura os detentores destas não sejam igualmente suas vítimas. Isto dentro da comunidade budista pode ser extremamente destrutivo, uma vez que é de nossa natureza rotular pessoas e se envolver em discriminação, particularmente quando elas mesmas defendem vários tipos de violências e discriminações.

“Não permitiremos intolerância com a tolerância”, ou vice-versa, são afirmações um tanto complexas ou contraditórias. O ponto crucial aqui é identificar de forma neutra a raiz ideológica que é incompatível com o darma, e a partir disso seguir o exemplo de Chandrakirti, “se por acaso eu destruí as ideias de alguém ao expor meus raciocínios, nunca foi minha intenção fazer isto”.1Paráfrase de Madhyamakavatara VI, 118: “As análises deste tratado não são oferecidas por amor ao debate. Não é nossa culpa se, ao expor este ensinamento, outros sistemas filosóficos são destruídos.”

Mas os raciocínios estão ali claros e reluzentes: se a pessoa que se sente mal não é um mero autômato replicador de fake news, ela entende o darma como no mínimo algo que necessariamente desafia nossas tendências. Ela sabe que o darma é algo para com o que precisamos constantemente nos abrir, e permitindo sempre cada vez mais a influência dele sobre nossa mente. Sabemos que quem tem fixações ao ponto de não ser capaz de mudar o que pensa não é um recipiente possível ou adequado aos ensinamentos.

Dentro disto, quando dizemos que o darma não tem um viés ou lado político, ou não se envolve em política, isto em si é uma posição política. Quando a isenção política do darma começou a ser proclamada no Japão, os templos budistas se dispuseram imediatamente a colaborar no esforço de guerra, do lado dos nacionalistas, aliados dos nazistas. A política, em seu ideal, que é a tentativa de viver a ética em comunidade, é inescapável — pelo menos para quem não vive isolado (como um eremita mesmo, porque monges geralmente convivem uns com os outros). A verdade é que essa acusação de isolamento já é corriqueira com relação ao budista. Este é um dos estereótipos com que preconceitos nos são alvejados: alguém desconectado do mundo, vivendo em uma montanha, apolítico, “nem esquerda, nem direita, à frente”. A realização como o ápice do não comprometimento: o grande isentão, o Buda.

O filósofo iluminista Hegel ao se deparar com uma representação do Buda, na empáfia de seu racismo, imediatamente concluiu que os asiáticos glorificavam um deficiente mental, ou como se dizia, um alienado.

As pessoas que dizem que o darma é apolítico acenam perigosamente para aceder a estes estereótipos.

E de fato, o Buda pode ser isento de proclividades, mas não é isento de compaixão para com os seres. Apesar do estereótipo desavisado, ele nunca se desconecta. Ele esmola alimento — para encorajar a generosidade, e para assinalar que a pessoa não precisa ser príncipe para se iluminar —, ele dá ensinamentos, ele aceita o espaço fornecido pelas elites, ele anda pelas ruas e florestas e ensina sem discriminar pobres e ricos, pessoas de outras religiões ou filosofias, ou seres “bons” ou “ruins”. Não só ele mesmo faz assim, mas também age desse modo toda a comunidade que ele lidera, para a qual fez regras, e na qual estabeleceu um sistema de sucessão. O Buda nunca se isentou de trabalhar incessantemente pelo benefício dos outros, sem qualquer tipo de discriminação — ensinou pessoas estúpidas, inteligentes, pelo menos um assassino serial, professores falsos, inimigos invejosos, reis e pessoas sem casta. Ele ensinou a todos estes, e nunca em nenhum momento fez apologia ao uso de armas, ou alardeou tratamentos médicos ineficazes durante epidemias, ou fomentou a desconfiança com relação a tratamentos eficazes. Pelo contrário, ele desencorajou a caça, a pesca, o uso de substâncias intoxicantes e ensinou coisas que melhoram a saúde mental e física das pessoas. Ele nunca ensinou nada que viesse a prejudicar os seres, pelo contrário.


Motivação correta

Mas e quando uma figura de grandeza incontestável como Dzongsar Khyentse Rinpoche explicita que a prática do darma não é buscar “direitos, liberdade, justiça, saúde”, como entendemos isto?

Comecemos pela questão da saúde, já que entendemos que com a impermanência das coisas compostas nenhuma saúde pode ser sustentada — e, portanto, buscar a saúde não pode estar realmente dentro do alvo budista por excelência. A saúde também é o melhor começo porque direitos, liberdade e justiça são conceitos muito mais abstratos e autocontraditórios do que ela.

É sabido que em certos ensinamentos elevados do budismo tibetano, aqueles praticados por quase-budas, em que a vida e a morte se revelam meras ondulações de uma vastidão luminosa sem limites, pode haver a recomendação de não tentar medicar nada. Se nem mesmo a meditação (ou ausência de meditação) eles realmente tentam produzir ou corrigir, porque eles tomariam uma aspirina, ou fariam quimioterapia? Neste nível de realização, todas as dores de um câncer no pâncreas são apenas a bênção cheia de êxtase do guru. Não estou sendo irônico ou sarcástico de nenhuma forma. Como praticante do budismo, aceito que isto é assim, e que existem de fato pessoas assim, e que elas devem ver assim e agir assim.

Do mesmo modo, entendo que claramente não estou neste nível, e se tenho uma crise de asma, faço uso de anti-histamínicos. Ora, se está quente demais, eu ligo o ar-condicionado! Entendo perfeitamente que isto pode ou não estar integrado a minha prática do darma, e que com certeza não é um elemento essencial dela, ainda assim, esse movimento existe e até se pode dizer, faz sentido (como também faria sentido me abster de ar-condicionado por algum ativismo ambiental). Ademais, já vi um professor budista pular algumas linhas de um texto que recomendava não tomar remédios, dizendo “neste país, isto é ilegal, portanto, não ensinarei isto aqui” — mesmo falando para um grupo íntimo e pequeno, de pessoas extremamente devotas a ele.

Da mesma forma, acredito que nenhum professor do budismo, pelo menos do mahayana, se recusaria a rezar pelo bem-estar de qualquer um, particularmente um aluno ou conhecido de um aluno que esteja com dificuldades de saúde. Ou pela longa vida de seus próprios professores e outras pessoas, o que também implica o uso de certa prática semelhante ao darma — vamos ser pouco controversos — para um objetivo mundano. É possível dar um passo adiante: uma das características essenciais do tantra não seria de fato a integração de objetivos mundanos ou temporários sem contradição e em total união com o objetivo último?

Até aqui entendemos. Se a pessoa tiver uma motivação não budista, tal como resolver seus problemas ou os problemas do mundo, sua prática obviamente não será budista. No entanto se, em meio a sua motivação maior, compassiva e tendendo à sabedoria, ela também aspirar benefícios temporários para si própria e para os outros, é óbvio que não há problema.

E aqui entra um aspecto difícil. Os esforços causais, como cuidar da forma física, ganhar dinheiro, sustentar a família, fazer ativismo político, terapia, ou trocar ou óleo do carro, aparentemente podem tomar todos os nossos recursos, principalmente o tempo. Então cadê a prática do darma, aquela mais com cara de prática do darma? Sinceramente, o que acontece com a maioria de nós é que não acreditamos muito em “não esforços não causais”. Procuramos cada vez mais esforços claramente causais, o mais senso comum possíveis, e apenas isto. E esta mentalidade limitada acaba preenchendo absolutamente toda nossa vida e tempo. Em outras palavras, passamos a vida inteira construindo coisas para esta vida, ou nos programando para o próximo fim de semana, e com isso ocupamos absolutamente todo o tempo e energia disponíveis. Sem sobrar nada para oferecer ao Buda. Isto é algo que no budismo descrevemos como uma espécie de demônio que impede a prática do darma.

A princípio, com a confiança no darma, não nos falta nada, e se nos falta, temos recursos para encarar esta falta com certa graça e talvez desenvoltura. Por outro lado, tudo que apareça e consigamos integrar ao darma, por mais temporário e aparentemente mundano que seja, se torna um ornamento da realização. E se isto vale para saúde, futebol, arte, isto também vale para visões e ações políticas.


Proliferações conceituais

Mas aí temos uma categoria mais abstrata. Justiça, liberdade, direitos. Aqui a porca torce o rabo.

O problema é que estas coisas são o que Walter Bryce Gallie chamou de “conceitos inerentemente contestáveis”.2Essentially contested concept, na wikipedia em inglês.

Por exemplo, você adora sua liberdade individual, mas então surge uma corporação do ramo da mineração de carvão, que diz que também é uma pessoa. Como pessoa, ela também tem direitos a liberdade individual exatamente como você. Por acaso essa liberdade parece ser a de ter sua operação acontecendo ao lado da sua casa, onde você vive com sua família humana e com seus animais de estimação.

Como a corporação não é nada mais do que a soma das intenções de um grupo de pessoas firmadas em contrato, se definimos uma pessoa como algo como o conjunto de suas intenções, logicamente não há diferença alguma entre você e esse conjunto de regras, vontades, máquinas e operações. Uma soma de vontades de pessoas é uma pessoa, não é não?

Bom, pelo menos foi o que a Suprema Corte nos EUA decidiu que é fato: uma corporação tem, igual a você, por exemplo, direito à liberdade de expressão — mesmo que ela não tenha consciência ou pulmões, e não exatamente o tipo de vontade e necessidade consideradas saudáveis entre os seres humanos não psicopatas. Para a suprema corte, conceitos como “pessoa” ou “liberdade” são bem definidos — que essa definição ocorra em benefício de certos interesses, bom, esta é a contradição.

Como o próprio dinheiro, para a mesma Suprema Corte, também é considerado uma “forma de expressão”, então as corporações podem fazer doações de campanha e usar seu poder desmoderado não apenas na esfera econômica para determinar políticas que a beneficiem e fomentem seus direitos. Eles podem dizer, por exemplo, que no embate entre a sua liberdade de respirar e a liberdade de todas aquelas vontades contratuais de ganhar dinheiro, talvez você precise ser mais libertário, e não fazer tentativas de tolher a liberdade dos outros. Você quer respirar em detrimento desse seu igual engajado na honesta atividade de ganha-pão? Seu ditador canalha, a sua liberdade não está acima da dos outros!

E nem entremos no lado de relações públicas da coisa toda. Aí a corporação utiliza o poder de muitos humanos extremamente inteligentes para desenhar ideologias que justificam e promovem suas atividades. É claro, o carvão é um recurso muito necessário, a energia limpa não é suficiente, e nem pense em não fazer crescer a economia e o consumo de energia.

E isto é plenamente legal. A diferença entre você e a Apple parece ser só em termos de alguns detalhes irrisórios: você ser alguns reais mais pobre, talvez um pouco menos influente, consumir um pouco menos de recursos... Você precisa coisas como comida, água e ar não tóxicos, um teto sob a cabeça e um tratamento de saúde digno e se não gratuito, razoavelmente precificado. Já a Apple — além de toneladas de recursos físicos de extração extremamente poluente — parece que precisa dos seus batimentos cardíacos, reconhecimento facial, saber onde você clica e quanto tempo hesita entre os cliques, e acesso a todo seu campo visual, para então lotear sua mente pelo preço mais baixo a inúmeros parceiros totalmente desprovidos de pulmões, coração e consciência. E também com vários humanos extremamente capazes trabalhando organizadamente e em conjunto muito intensamente para explorar cada vez mais e melhor cada um de seus segundos de consciência. Feudalismo tecnológico, agora você paga para franquear a própria mente.

Isto sem falar nas obrigações que você paga diretamente ao Senhor: 16 Pro, com mais um elemento ótico na câmera e 20hz a mais na taxa de atualização da tela. Se fosse uma Igreja, oferecendo algum tipo de satisfação emocional ilusória, você reclamava como bom iluminista libertário que pensa que é, não é mesmo? Porém, quando você vai para o X pedir por mais liberdade de expressão, efetivamente o que você está fazendo é trabalhar para a ação cada vez mais livre e desmedida destes buracos negros colossais do capitalismo.

Ainda que se presuma que os políticos tenham o dever de criar mecanismos regulatórios e garantir que as liberdades dessas corporações não causem perdas de liberdade para os seres dotados de consciência e pulmões, certas necessidades como água não contaminada ou ar razoavelmente limpo, “temperaturas de operação” em que nossos corpos adaptados para o período anterior ao antropoceno funcionem, etc. já não parecem realmente garantidas a longo prazo. O que estou dizendo? O ar aqui mesmo, as temperaturas, as queimadas, as enchentes, as quedas de eletricidade: as coisas não estão garantidas agora mesmo! E tem gente, que supostamente tem pulmão, contra regulações, em princípio! Lavagem cerebral!

Ora, algumas vezes, se você é de uma certa cor de pele ou caso seus antepassados não tenham explorado, roubado e matado o suficiente, estas coisas já não são garantidas nem nos EUA de hoje, para talvez a maioria das pessoas. Este que já foi chamado de “primeiro mundo”, não tinha boa parte da população morando em barracas, envenenados pela indústria farmacêutica, arrastados de lá para cá por fogos ou furacões, precarizados pelo trabalho incessante em gigs para algoritmos. O “primeiro mundo” agora é a bolha do camarim VIP do 1%, e olhe lá — até eles precisam se deparar com alguma miséria e sofrimento humano da era da informação em seus doomscrolls, de outra forma quase cheios de gente bonita e gatos.

Então você pensa, como budista compassivo, “lutar pela liberdade é essencial”, mas a liberdade é uma série contraditória de coisas. Enquanto você luta por liberdade de expressão, os resultados dessa luta são apropriados por contratos poderosos que mecânica e inexoravelmente lutam para lucrar progressivamente mais, independentemente das externalidades que causem. Ninguém é contra liberdade de expressão, pelo menos ninguém que se expressa. Por outro lado, tudo que se entende e conhece como o conceito pode ser abusado por gente que quer mentir, difamar, falar rudemente e falar inutilmente. E isto tudo para vender mais carros, vapes ou smartphones. Para queimar o mundo e saturá-lo de agrotóxico. E não só isso, por gente que quer ter liberdade irrestrita para usar o próprio dinheiro para desenhar como as visões de mundo e intenções dos outros.

Mas este conceito de liberdade sendo abusado é lugar comum. O que o budismo em especial tem a ver com isso?

O problema é que quando nos envolvemos em política nesse âmbito abstrato, já não é como quando buscamos saúde para nós mesmo e para os outros — uma motivação limitada e imperfeita, mas ainda bastante boa. Quando nos envolvemos em conceitos inerentemente contestados, abrimos a porta para a proliferação conceitual improdutiva, em nossas mentes e nas mentes dos outros.

Em outras palavras, perdemos grande tempo lutando por liberdade, apenas para a liberdade, se conquistada, ser usada para nos aprisionar cada vez mais a algoritmos. E nem pense em tente lutar contra a liberdade.

O budismo talvez não tivesse um nome específico para esse fenômeno, de as palavras e ideologias serem usadas para nos confundir e aprisionar cada vez mais no que realmente não importa, porém sempre soubemos que os conceitos podem nos aprisionar.


O prático e o teórico

Então a pessoa pensa, “política é agir, política não é só combater memes ou vírus mentais conspiratórios nas redes sociais, ou em mesas de bar. Política é ir para as ruas e se engajar na mudança diretamente”.

Aqui vai realmente depender da clareza que a pessoa tem com relação ao darma.

Shantideva disse que é melhor botar calçados do que cobrir o mundo inteiro de couro. Então a atividade compassiva, e a mais política, é transformar a própria mente. Isto é, diminuir as aflições mentais, e em particular os preconceitos, bem como reconhecer quando estamos rodopiando numa rodinha de hamster de conceitos inerentemente contestados. A partir disso, um exemplo é dado, e possivelmente nosso poder de expressão melhora, e somos mais levados a sério.

Em outras palavras, o discurso anticapitalista e anti-pessoalidade-corporativa na sessão anterior pode até ser em algum nível compatível com o budismo e com a motivação de que as pessoas encontrem valores maiores do que depredar o mundo em busca de lucro. Porém, enquanto a discutimos estas coisas, nossa mente parece apenas ficar mais certa das próprias ideias. Sem de fato convencer ninguém que já não estivesse convencido, no máximo exultamos outros a infindavelmente repetir os mesmos mantras causais. Certamente não deixa essas mentes abertas para a prática do darma, que efetivamente poderia libertar até mesmo da mente de consumidor, implantada pelo vírus corporativo-feudal, e até mesmo a mente paranoica das pessoas que rodopiam em teorias da conspiração. Só o darma é o remédio para aquela mente que persegue os mesmos cinco ou seis temas, só aumentando a revolta com tudo e todos — que neste mundo de hoje tanta gente e tantos robôs alimentam, na direita, e sinto dizer, na esquerda também.

Aqui em minha região (Porto Alegre) recentemente houve uma enchente de proporções maiores do que a enchente do furacão Katrina. Como nos EUA, boa parte do problema envolveu (falta de) vontade política da presente administração, e de algumas administrações passadas. Alguns budistas podem dizer que o que aconteceu foi apenas carma, e quem sofreu, efetivamente sofreu por carma. Embora verdade, isto em certo âmbito que não seja a prática pessoal de alguém, não ajuda muito. Não ajuda os outros, e não nos ajuda a manter o foco necessário para evitar tragédias futuras. Porém, em contraposição a refletir sobre carma, alguns budistas também deviam se compadecer da espécie humana, tão envolvida no consumo desenfreado de tantas coisas. No meu estado, em particular o consumo desmedido de carne, automóveis e agrotóxicos.

Se a ideologia é a responsável por acharmos acima de tudo que temos liberdade e direito de consumir, cada um de nossos atos de consumo é responsabilidade toda nossa. Mas sabemos que culpar as pessoas por buscarem felicidade no lugar errado não adianta nada, então talvez seja melhor culpar as grandes empresas, ou a motivação política desajustada, que criou, permitiu, ampliou ou pelo menos catalisou essa situação. Talvez, em certo nível, isso faça sentido até para um praticante do darma. Pelo menos podemos lembrar que liberdade é algo autocontraditório.

Porém, é preciso repetir e ser claro: nada disso é efetivamente praticar o darma. No melhor dos casos, não impede a prática do darma, ou não toma muito tempo dela. É este tipo de pensamento causal que nos mantém no ciclo de existências condicionadas. E dentro deste ciclo, num sentido definitivo, não há nenhuma solução verdadeira para nenhum problema. De fato, quanto mais verdadeiro o problema, menos solucionável ele é.

As pessoas que ficam um pouco chateadas ao ouvir isto devem lembrar do burn out muito verdadeiro que sofrem, porque no processo democrático cada um de nós é ou deve se sentir responsável por tudo que acontece. A democracia é responsabilidade de cada pessoa que participa dela, voluntariamente ou não. Que sorte a nossa que este processo seja profundamente imperfeito e que nossas ações sejam tão irrisórias! Imagine se cada um de nós tivesse mesmo a responsabilidade não alienada e completa pela situação total das coisas? Já está cheio de gente levando o mundo nos ombros, e o que isso tem feito por nós?

Quando chegamos ao tema do capitalismo, a verdade é que nos falta autocompaixão: o capitalismo transforma tudo num negócio, e passamos até mesmo a usar eficiência máxima no exame da própria mente. Nos tornamos o chefe, e exploramos o funcionário. A mesma pessoa é a vítima e o vitimizador, pelo bem da eficiência.

Até o revolucionário, no capitalismo, precisa revolucionar mais e melhor do que os outros.

Algumas pessoas dizem que capitalismo e democracia são, efetivamente, incompatíveis. Mas o que certamente podemos dizer é que são a gasolina e o fósforo que queimam a vida examinada, ou qualquer possibilidade de prática. A todo momento precisamos defender nossos próprios interesses, e incessantemente impedir que todos os outros os interesses arbitrários ganhem precedência. Sísifo não trocaria sua tarefa por esta, nem mesmo se pagassem mais.

O que causa o burn out é que sabemos que fracassamos a cada momento. A cada compra não perfeita (nenhuma delas é perfeita), a cada vez que não retrucamos o motorista do Uber com suas ignorâncias de direita, a cada vez que temos que ouvir alguém defender o Elon Musk, a cada vez que não conseguimos conviver com nossa família porque eles simplesmente não são razoáveis. Em todos estes momentos, o mundo parece nossa responsabilidade. Este tipo de engajamento, promovido por progressistas, bem como por quem está preocupado com o uso de banheiros públicos para transexuais, é sempre alardeado como necessário. Aqui fica o desafio de Shantideva: 1% da energia aplicada nestas preocupações infinitas e insolucionáveis certamente produziria a iluminação, caso aplicada ao darma.

E, definitivamente, o budismo pode não ser apolítico, mas nele o mundo inteiro não é nossa responsabilidade. Pelo menos não nesse sentido.


Samsara não tem solução

Isso não implica deixar de agir. O que o bodisatva abandona, ao assumir uma responsabilidade universal e irrestrita é, efetivamente o burn out. Isto parece contraintuitivo, mas vamos examinar.

O fato é que as coisas condicionadas são inerentemente insatisfatórias, e não há nada mais condicionado do que as relações sociais, econômicas e políticas. Ora, até uma pessoa relativamente ignorante no darma vai saber que o seu candidato, se for eleito, vai fazer várias coisas que você não gosta. Que dizer o outro candidato.

O termo “política” em si implica trabalhar com o imperfeito — com o que é possível no contexto do que se quer. Portanto, necessariamente envolve renunciar à integridade ideológica por pragmática. Quem diz que não faz isto, está mentindo, talvez também por pragmática. Além da corrupção óbvia, de usar indevidamente o poder em benefício próprio, há essa corrupção inerente ao político, com a qual precisamos ser mais lenientes. Espere aí, não me linche por dizer isto! Essa igualdade entre pragmática e algum grau de corrupção é inerente as relações sociais, ora, porque as coisas são compostas, e, portanto, inerentemente insatisfatórias.

A pessoa que não cede ao que ela mesma pensa para que as coisas andem não está necessariamente agindo em autointeresse — que no darma seria o sinal de que a motivação, e portanto a ética, foi para o beleléu. De fato, podemos dizer que há alguma corrupção em fincar o pé dos próprios valores e não ser capaz de lidar com a imperfeição do mundo. Esta confusão entre pureza ideológica e a “mão na massa” é o cerne do que torna a política algo superficialmente tão nojento que nem os budistas, tão preocupados em não fazer distinções entre o puro e o impuro, conseguem aceitar facilmente.

O nojo pela política vem do não reconhecimento da natureza do samsara. Ainda achamos que samsara tenha solução em algum sentido ou em algum lugar e tempo. Ainda acreditamos no político “bom”, que agiria de acordo com o que fala ou com crenças e princípios que lhe atribuímos, e não a partir de maquinações e complexos de interesses duvidosos. E isso acontece porque não entendemos o que é o samsara.

Ora, ele já seria bom “o suficiente” se pelo menos não foca exclusivamente em se manter ou se autobeneficiar. Precisamos ser realistas, o idealismo mais elevado e possível na política é o mínimo denominador comum.

Não podemos ter uma coisa pública numa sociedade em que mesmo as pessoas mais públicas não se deparam com grande punição por desvios éticos. E o vigiar e punir, como dito acima, é uma carga cognitiva elevada demais para qualquer um, então isso nunca vai mudar. Assim, a modernidade, nem que por densidade cognitiva e populacional, opera no padrão da desconfiança — e vai ser difícil não ser assim. A confiança, e a política da confiança, só é possível em comunidades coesas e bastante pequenas. Mas isso é bem conhecido desde o iluminismo, ou mesmo antes.

Consigo ver os puristas morais da classe média brasileira virando o rosto perante minhas afirmações. Curiosamente, é essa a atitude quando o candidato deles não está no poder. A maioria das pessoas têm um vínculo emocional com o ciclo de notícias e com os candidatos, e com as interpretações sempre pouco razoáveis dos fatos da semana. Esse tipo de engajamento, é fácil dizer, não se coaduna com o darma. Dificilmente, sob qualquer hipótese. Isso é parecido com fofoca, difamação e fala rude. É, por natureza, fala que cria cisão. Quando não é mentira, porque as pessoas brigam deslavadamente apenas porque gostam de brigar, e para defender a própria posição e se sentir certas, fazem exatamente como os políticos hipermodernos: falam qualquer coisa, quanto mais ultrajante melhor. Quanto menos próximo dos fatos, melhor. O importante é falar mais alto e chamar mais atenção. O que você quer ganhar não é a discussão, em termos de debate racional, o que você quer ganhar é o domínio do ciclo de notícias — espaço na mente do oponente — pelo maior tempo possível. Como um youtuber, o que você quer é lacrar o algoritmo — quando atenção suficiente for depositada em você, aí talvez você se alie aos interesses pragmáticos que a que as atenções se enxameiam.

Está cheio disso por todo lado, o melhor é fugir. Não se engajar. Ahimsa. Deixa as palavras vazias do outro se mostrarem ocas por si mesmas, deixe-os se fazerem de bobos por si próprios.

O engajamento contra todas essas distorções não é darma, não adianta espernear. Não entender que samsara não tem solução, e que as soluções são temporárias, pragmáticas, imperfeitas — e que elas merecem ser cuidadas, mesmo no âmbito político, mesmo que talvez não principalmente no âmbito político — isso sim pode se coadunar com o darma.

Em certo sentido existe essa semelhança entre política e a prática do bodisatva. Ambas as coisas são inerentemente pragmáticas. O bodisatva, para penetrar no mundo e beneficiar os seres, se compromete. Ou aparentemente se compromete, já que a flexibilidade incessante da mente nunca efetivamente acredita na narrativa da ignorância — a ignorância que não entende que não há solução nos jogos causais do mundo, dentro das regras causais do mundo. O bodisatva é então o político que não se compromete (não cede, não transige, não chega a um consenso, não tem meio-termo) com a natureza real das coisas e o fim último do benefício dos seres. Com todo resto, com o que não realmente importa, ele pode ser mais escorregadio e promíscuo do que o pior político. O Buda dá até mesmo a credencial de dois zeros ao espião calculista, trabalhando contra os inimigos da Rainha da Sabedoria, no império do desembaraço final. (Ou vocês me digam o que não entendi do Sutra de Vimalakirti.)


Direitos

Vamos ignorar justiça, deixemos isto para o carma — impessoal e incompreensível. O outro conceito autocontraditório é o e “direitos”. Nem no Direito Romano, e tampouco na Common Law temos um conceito de “direitos” no abstrato. Temos sim conceitos de deveres e do que é direito, devido ou correto.

Claro, quando se está falando em um âmbito mera e exclusivamente legalista, um direito faz parte de um contrato. Aí ele é especificado, e se violado, assim como com um dever, isso pode produzir algum tipo de punição, tal como multa ou rescisão. Qualquer pessoa que já alugou algo ou teve que brigar com uma Telecom ou seguradora entende estes aspectos.

Mesmo nestes casos a gente sabe que, para fazer vingar o teor do contrato em nosso favor, algumas vezes isso demanda esforço, trabalho, recursos. E muitas vezes estamos numa relação de franca assimetria com o outro contratante. Até para isso serve o fato de que contratos comuns tenham legislações específicas, prevendo assimetrias e tentando limitá-las. Mas mesmo neste âmbito, em que os direitos são relativamente claros, efetivos, e muitas vezes estão providos de recursos simplificados de apelo, a gente sabe que lidar com direitos e deveres é um estresse, uma complicação, um pepino. Algumas vezes você prefere trocar você mesmo a torneira do que acionar a imobiliária para movimentar um conserto. Algumas vezes é mais fácil trocar de operadora do que exigir um serviço razoável. E por aí vai.

E então, dentro desse conceito chato, mas realista e prático, de direitos, temos essa abstração maior que seria o “contrato social”, e dentro disso, surgem esses direitos inalienáveis, os direitos que você teria sem assinar nada, sem aparentemente dar nada em contrapartida. Direitos que você recebe da ONU ou algo parecido, só por ter nascido nesse planeta. Que joia, muito bom. Não sou um reles sem nada, alguém lá no iluminismo pensou em mim e agora a minha água pode estar cheia de chumbo — mas pelo menos segundo esse ou aquele europeu bonzinho do esclarecimento, em princípio eu teria direito a água potável! É um consolo.

Fiquei doente, é errado eu não ter acesso a um tratamento adequado, ainda que, por contingências várias, aqueles que seriam responsáveis por prover este tratamento estejam ocupados com outras prioridades, reais e éticas, ou inventadas e corruptas. Quem pode saber? Melhor que nada isto ser considerado um pouco ou muito errado, não é mesmo?

Com o progresso natural das coisas, para meus filhos e gerações sucessivas, pode ser que melhore. Daqui três ou quatro anos eu posso evitar votar em um entre dois candidatos, evitando o que porventura pareça não querer considerar o tema que me aflige, ainda que o benefício de alguma mudança possível nesse nível não seja viável para o meu caso pessoal, mas, em tempo, para casos semelhantes futuros. Pelo menos é alguma coisa, essa grande promessa do Aufklärung.

O problema parece ser que, ao se colocar os direitos positivamente, como entitlements, tudo o que se faz é algo como o que a direita chama de “sinalizar virtude” enquanto se joga a obrigação de responder ou saciar esses direitos em qualquer lugar que não seja conosco. É um passo de mágica, um tirar algo da cartola, que faz mais para a autopromoção de quem diz que está do lado de tais direitos, do que para seu devido e efetivo cumprimento.


Teísmo sistêmico

O problema central dos entitlements se resume a uma expressão comum em português. “É muito cacique para pouco indígena.” O sentido geral dessa expressão seria o de que tem muita gente que se acha com muito poder ou direitos, e então o poder não é efetivo ou não faz sentido. Também que tem muita gente sem responsabilidade pela execução querendo coisas executadas, e muitas coisas precisando ser executadas sem quem as execute.

Vamos fazer uma correção nisto. O problema com os direitos humanos não é que haja exatamente falta de vontade ou de poder para executá-los. Não pense nesta analogia nos caciques como as pessoas poderosas ou importantes, mas sim como as pessoas que têm sido enganosamente empoderadas por sua divindade inata, e agora são supostos possuidores de direitos inalienáveis. E as pessoas poderosas seriam os indígenas, os realmente responsáveis por ter esses direitos garantidos. É justamente esta a enganosa transubstanciação que está ocorrendo com a questão dos direitos.

A Magna Carta é a origem, pelo menos no ocidente, desta noção de que os súditos tenham certas prerrogativas que o rei não deveria ter o direito de violar. Uma pequena garantia medieval quanto a líderes insanos. Trata-se, é claro, de uma limitação dos direitos do rei, muito mais do que uma concessão de direitos aos súditos. Quando o Esclarecimento pairou sobre a Europa, a noção da origem divina de um rei foi revolucionariamente destronada e decapitada, e como o roubo do fogo divino, finalmente entregue aos plebeus um par de séculos depois, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Todos estes reis-plebeus ou plebeus-reis parecem estar nus, e há muito tempo. Mas não façamos pouco de uma tentativa honesta de responder ao genocídio enquanto este era bombado pelo racionalismo da revolução industrial e da linha de montagem ao genocídio. Os direitos humanos surgem, como necessidade desesperada, no reconhecimento das atrocidades empoderadas justamente pelos mesmos brinquedos espertos criados pela Europa “Esclarecida”. O belo espírito do tempo expresso em Zyklon B e napalm, e em ogivas termonucleares capazes de destruir tudo e todos no espaço de dias.

A transvaloração é completa, os plebeus são reis no papel, mas continuam efetivamente cada vez mais plebeus. Os reis são plebeus no papel, mas continuam efetivamente cada vez mais reis, deliberadamente sustentando os mecanismos de concentração de renda e poder que os mantém onde estão desde sempre. Ninguém mais nominalmente acredita na origem divina do privilégio — mas todos acreditam na origem divina dos oprimidos, com seus direitos mágicos. E quem mais acredita na história de origem divina dos oprimidos são principalmente aqueles que os oprimem mais contundentemente, já que sempre existe muito ressentimento de todo lado, por qualquer motivo.

É como no episódio do vergalho, em Memórias Póstumas de Brás Cubas. O escravo alforriado é flagrado pelo antigo mestre enquanto castiga o próprio escravo, com os mesmos termos e o mesmo método de tortura. O antigo mestre, o próprio Brás Cubas, acha tudo muito irônico. A classe-média brasileira, desde sempre, vê a opressão como privilégio próprio seu. É como uma antibodichita, que deseja enterrar o outro num samsara ainda pior que o seu. Foi para responder a essa mesquinharia sem fim que tiraram os tais “direitos humanos” do chapéu. O desafio budista é demonstrar que assim, com essas prerrogativas, nunca vai funcionar.

São muitos deuses a quem prestar oferendas — podemos, como privilegiados em certa medida, seguir ignorando multidões, quanto mais garantirmos que cada um deles possa se ver como uma deidade merecedora de tudo que se possa oferecer. E você segue fazendo o que você quiser: ninguém vai perder os direitos inalienáveis, principalmente se eles nunca serão respeitados. Smoke and mirrors.

Quando se fala em liberdade, você acredita que está defendendo a própria liberdade, ou a dos oprimidos, mas acaba pelo menos em igual medida defendendo a liberdade das corporações destruírem o mundo. Quando se fala em direitos, você acredita que pessoas que precisam ser protegidas serão protegidas, mas você está apenas jogando essa responsabilidade para a impessoalidade, atemporalidade e abstração do estado. Enquanto isto, o governo nunca está ocupado com as próprias violações, mas adora recriminar as violações dos países adversários.

Se George Orwell avisou, é porque isto já estava ocorrendo nos anos 1930. 1984 é um grande panfleto da Declaração Universal de direitos Humanos, proclamada seis meses antes da publicação do romance. Até essas perspectivas modernas se tornam relíquias obsoletas no hiperrealismo da pós-verdade: as temperaturas são as maiores já atingidas, metade da terra arde em fogo enquanto a outra está se afogando em excremento, e a discussão é se um personagem desenhado para vender os confeitos M&M está sendo desenhado menos sexy por causa do “vírus da mente woke”!

Para o budismo, como em muitas outras áreas em que o darma é acima de tudo mais removedor de obstáculos do que criador ou intensificador de qualidades — essa segunda sendo um meio hábil, e a primeira a forma efetiva de revelar nossa própria natureza — a noção de um deus criador cria todo tipo de problemas. Um desses problemas é a noção de direitos inatos, mesmo que entendamos a motivação de responder às atrocidades do séc. XX.


Esclarecimento não é iluminação

Quanto mais próximo da verdade definitiva o contrato, isto é, quanto mais abstrato e abrangente, menos ele pode ser positivo. Isso é pura lógica. Quem faz a deidade é a linhagem e o praticante, não vice-versa. O que significa dizer que o contrato é negativo? É apenas dizer que um contrato verdadeiramente não teísta e igualitário precisa focar em deveres acima de direitos. Isto não quer dizer que as pessoas todas apenas precisem assumir responsabilidade, ou não assumir. Isto quer dizer que para cada coisa boa que se quer ver no mundo, precisa haver atores claramente designados e não abstratos. Nenhuma mão invisível, deus tribal de algum povo escolhido, IA hipostasiada, ou ciência a ser feita pode ser confiada como resposta a nossas orações ou concessora de bênçãos.

Sem soluções globais como impostos sobre grandes fortunas que não dependam de fronteiras, ninguém vai ter nenhum tipo de discussão válida sobre direitos humanos de nenhum tipo: as entidades a serem responsabilizadas são intrinsecamente transnacionais. Nenhuma ONU faz sentido com oligarcas que podem fugir para paraísos fiscais.

Em outras palavras, num Esclarecimento que realmente quisesse ir além da religião, para uma visão não teísta, e estabelecer uma bonança secular, a noção de direitos inatos (como se vê na constituição dos EUA, e por todos os lados — também na noção de direitos humanos) precisaria ser totalmente abandonada. Se alguém quiser manter algum inatismo, podemos falar em deveres inatos. Deveres inatos sob responsabilidade transnacional. De quem? Dos verdadeiros caciques, e não dos indígenas. Esta é a consequência lógica da responsabilidade universal.

Por exemplo, cada ser humano nesse planeta precisa reconhecer em si o dever inato de preservar a saúde do mundo. Quando vemos pessoas mitologizando bilionários que enriqueceram às custas do bem-estar dos seres agora e no futuro, precisamos sentirmo-nos livres para manifestar asco.

Isso não significa violar os princípios budistas da compaixão equânime ou da visão da pureza inata em todos os seres, mas significa não coadunar com visões errôneas, que prejudicam os seres. O detentor da visão errônea é, de fato, o melhor e maior objeto de compaixão. No hiperrealismo, temos nojo ou endeusamos, nunca consideramos a compaixão, e assim o ciclo de notícias e renascimentos segue.


Prisões reais e conceituais

Os direitos humanos são uma noção antropocêntrica e eurocêntrica, embasada em ideias de individualidade, autodeterminação ou arbítrio estabelecida pelo secularismo moderno e por suas bases históricas nas religiões abraâmicas. Em resumo, esta é a crítica budista à noção.

Ainda assim, dentre todos os povos e civilizações do mundo, os budistas sempre tiveram, por exemplo, um bom histórico — ou pelo menos acima da média — no que diz respeito ao tratamento de prisioneiros. Nagarjuna já aconselhava um rei, no séc II, a não maltratar criminosos e prisioneiros de guerra.

Nisto temos o exemplo claro da diferença de uma perspectiva centrada em direitos (criacionista, teísta, inatista) com a perspectiva centrada no que poderíamos chamar de “cultivo de virtudes”. O foco budista não é que prisioneiros tenham direitos inatos, mas sim que o rei — ou na democracia cada um dos responsáveis pelo estado de coisas, isto é, a princípio, cada um de nós — precisa ser compassivo e treinar em virtude. Isso inclui compaixão especialmente por aqueles que cometem maldades, porque na visão do carma, que budistas subscrevem, esses são os que naturalmente vão sofrer mais. Isso não significa não tomar medidas restritivas, e nem mesmo nunca punir — mas certamente significa não centrar a visão na ideia de punição. Que dizer então, de punição “extraordinária e cruel”? (Para usar o fraseado da Declaração de Direitos Inglesa de 1689).

Essa é uma mensagem clara a aqueles conhecidos supostamente budistas, que tendenciam a essa direita mais extremista, que elogia a tortura ou anseia que criminosos encontrem punições desumanas. Eu peço desculpas a qualquer um que leia isso e se surpreenda, e eu sem dúvida tenho vergonha. Tem gente na minha religião que não entende o mínimo suficiente para reconhecer os princípios éticos e o treinamento em virtude. Se eles pudessem assistir a um estuprador sendo estuprado, eles, que se dizem budistas, regozijariam.3Recentemente postei um vídeo no YouTube sobre o mesmo assunto, e uma pessoa comentou “Você vai sofrer tudo que os criminosos que você defende inflingiram a outros”. Minha defesa no vídeo foi a de que criminosos não devem ser arbitrariamente condenados ou torturados, não era nada kumbaya, mundo cor-de-rosa ou esquerda cirandeira. Era bem moderado. O problema é que a classe média brasileira é mesmo muito sanguinolenta. Fui verificar se era uma pessoa que se considerava budista, e ele era o seguidor devoto de um outro rinpoche autêntico, de uma linhagem diferente das as que estou conectado. Pelo menos ele não era um irmão vajra. Assim, eles apenas se tornam cúmplices de todo esse carma, e isto é extremamente infeliz.

Esta foi a motivação de escrever esse texto, porque eu até entendo o que os lamas estão dizendo quando dizem que há um problema em direitos humanos, mas vejo um desencontro desse discurso e o discurso de parcela do budismo classe média no Brasil, que acha maravilhoso e lindo ver um vulnerável ser atropelado — desde que ele tenha por acaso roubado um celular. Talvez eu exija demais de pessoas que usam o rótulo “budista” para referir-se a si próprias. Talvez seja só isso.

Porém, quando policiais brasileiros escrevem “direitos humanos” em seus cacetetes e armas, é preciso entender que não é só a hipocrisia estadunidense ou britânica com que se está lidando ao falar no assunto. Tem gente pronta a torturar e matar, e justificada porque “direitos humanos” são sonho de progressistas ingênuos, não a realidade das ruas. A mentalidade Dirty Harry e Desejo de Matar, é pervasiva em toda a classe média brasileira — “tá defendendo bandido, é?” é o grito de indignação que qualquer um que enseje um julgamento justo e mínima dignidade prisional com certeza já ouviu por aqui. E os policiais são muitas vezes justamente como aquele escravo de Machado de Assis, exercendo livre e impunemente o privilégio ressentido da tortura e da morte.

Qualquer um que critique os direitos humanos deve lembrar que, em certo sentido, está também endossando, mesmo que inadvertidamente, as visões errôneas de agentes do estado, que torturam e matam—principalmente gente de pele marrom—, no mundo todo, mas certamente no Brasil.


O ó do borogodó

Quando os EUA de George Floyd, que ignora as violações da Arábia Saudita e ativamente é cúmplice com a atividade genocida de Israel, reclama dos direitos humanos na China ou das eleições fraudadas na Venezuela, isso é uma hipocrisia sem fim, sem dúvida. É preciso entender que direitos humanos são uma arma geopolítica, acima de tudo.

Porém, pelo menos aqui no Brasil, se alguém em algum nível reclama de direitos humanos, é porque essa pessoa quer ver outros, especialmente os mais oprimidos, de pele escura, sem educação ou possibilidades, sendo torturados e pisoteados.

Que algumas dessas pessoas se digam budistas, isto realmente deveria ser surpreendente. Essas mesmas pessoas algumas vezes não se importam com massacres de indígenas, o assassinato de Marielle Franco, o porcentual enorme de pessoas que teriam sobrevivido a COVID caso não houvesse desinformação médica perpetrada por aqueles com o voto e a obrigação de proteger a população, e colocando o mundo em chamas pela competição desenfreada, “ganância é algo bom”, e outros valores do capitalismo hegemônico. Muitas vezes tudo isso se combina na mesma pessoa, e a cereja em cima, o rótulo: “budista”. Se por acaso faltar alguma coisa para se sentir consternação por este mundo, isto seria bem mais que o suficiente.

Que algumas pessoas que gostam da ideia de direitos humanos sejam um pouco tolas e idealistas, em vista disso, é o de menos. Discutir a imperfeição dos ideais iluministas, aqui no Brasil, é como querer ensinar elefantes a pintar porcelana. Isto inclui a discussão em termos da abstração de direitos humanos, e os outros problemas de que tratei neste texto.

Peço desculpas por sermos tão atrasados, mas infelizmente o resto do mundo não está tão melhor. Como disse Chandrakirti, sobre não ter a intenção de pisar nos calos dos outros, tenho certeza que o objetivo de budistas criticarem os direitos humanos não é fomentar vigilantismo, campos de concentração, linchamentos ou o retorno da tortura política no Brasil. Talvez até, no argumento mais refinado, haja espaço para dizer que direitos humanos não são e não têm sido suficientes para nos proteger da arbitrariedade das pessoas ressentidas.

Eu efetivamente não tenho nenhuma reserva a nada que eu tenha ouvido ou lido que tenha vindo de Dzongsar Khyentse Rinpoche. Podem me chamar de sicofanta e dizer que eu abano o rabo para o Darma do Buda, eu não me importo de parecer assim aos outros. Eu orgulhosamente aspiro pertencer a uma longa linhagem de sicofantas que passaram por lavagem-cerebral.

A visão secular acha repelente a ideia de depositar fé numa pessoa, num guru — o que é a coisa comum no budismo. Mas num conjunto de princípios, as pessoas seculares modernas ainda adoram depositar confiança — e talvez não desconfiem que isto vem de uma ideia de que o logos do criador ou algo assim — um princípio ordenado e lógico, ou mesmo ilógico e misterioso, mas perfeito, por trás do que seria a criação por um ser imaculado — seja o sentido final das coisas.

Quando os cientistas se fundamentam em matemática, eles querem encontrar a mente de Deus no exame da criação. Eles querem ou, pelo menos até Popper e a modernidade, queriam — uma fórmula final, um definitivo postulável: uma luz que se fez verbo. Agora, ao que parece, em vez de encontrar Deus, eles se contentam na aproximação infinitesimal pelo aperfeiçoamento do entendimento da fórmula divina supostamente escrita nas coisas.

No budismo nada disso é bem assim. As coisas, se vieram de algum lugar, e caso se apresentem como confusas, vieram da confusão. Tudo que é composto não é confiável, e nada em termos de linguagem é não composto. Então nem as coisas, nem as fórmulas são confiáveis.

E em que sentido um guru não seria composto? Ele não é composto com a própria natureza da sua mente, que é o que enfim permite e expressa o guru aparentemente externo.

Rinpoche nunca me deixa confuso. Eu fico aflito porque sei que conhecidos meus podem interpretá-lo errado.4No final das contas, embora haja budistas sanguinolentos e vingativos no Brazil, devo confessar que algumas vezes fui motivado por medo de passar certa vergonha em meio a amigos de esquerda. Quando alguém que respeito como meu professor (embora eu não seja conhecido do Rinpoche, e não tenha sido formalmente aceito como aluno) levanta críticas — percebidas como bem razoáveis e válidas — contra a ideia de direitos humaos, mesmo a mais sutil tentativa de usar a expressão de uma forma não totalmente respeitável me traz tortura, sangue e morte à mente. É bom frisar, no entanto, que este pânico parece justificado considerando a sociedade brasileira. Essa é a minha neurose e a fonte dessas palavras, compostas, inerentemente insatisfatórias.


Referências

◦ Rinpoche já falou algumas vezes sobre direitos humanos, mas especialmente nesta publicação do Facebook:

“Alguém pode explicar como se define direitos humanos?

Se um governo falha em liderar de forma responsável durante uma epidemia ou dá informações imprecisas sobre uma doença, custando assim dezenas de milhares de vidas — isso constitui uma violação dos direitos humanos?

Se líderes têm tempo, conhecimento e meios suficientes para se preparar e prevenir desastres, mas falham em fazê-lo, causando sofrimento humano incalculável — isso constitui uma violação dos direitos humanos?

Se nações e empresas ricas acumulam vacinas que salvam vidas, conhecimento e equipamentos médicos, sabendo que isso causará enormes perdas de vidas em países que não têm as instalações, informações e recursos para proteger seu povo — isso também constitui uma violação dos direitos humanos?

Se os principais fabricantes de armas do mundo, liderados pelos EUA, Rússia, França e Alemanha, exportam suas armas para zonas de guerra, sabendo que elas não serão usadas contra vírus, mas para matar outros seres humanos — isso é uma violação dos direitos humanos?

Se os 10% mais ricos da população emitem metade do carbono mundial e exploram a maior parte da água, madeira e outros recursos, sabendo que isso empobrece e ameaça a vida de milhões de pessoas e de futuras gerações — isso é considerado uma violação dos direitos humanos?

Os direitos humanos são direitos dados por Deus, ou são inventados e definidos pelas pessoas para atender seus próprios interesses e atacar seus inimigos?

Sei que alguns leitores considerarão essas perguntas sarcásticas, mas asseguro que elas são completamente genuínas.”


◦ Rinpoche recomendou o texto de um lama erudito butanês, Drubgyud Tenzin, É hora de examinar melhor os valores humanos universais.

Rinpoche escreveu a respeito: “Num momento em que o budismo tem sido tão diluído, customizado, plagiado, e transformado em diversão spiritual, e quando aqueles que o fazem dizem que as ideias que divulgam são suas próprias revelações, sem a decência de creditar o Buda, que originou muitas delas, o texto de Drubgyud Tenzin é muito bem-vindo.”


◦ Rinpoche também recomendou o livro Manufacturing Consent, de Noam Chomsky.

Rinpoche escreveu um blurb: “Quem fala alto sobre direitos humanos, liberdade, jornalismo, etc. etc. precisa ler isto. Não entendo porque este livro não é ensinado nas escolas.”


◦ Num post de Facebook, Rinpoche também escreveu estes parágrafos:

“Isso não é teórico, mas muito prático. Os ocidentais assumem que seus valores mais preciosos, celebrados e zelosa e firmemente defendidos, tais como os ‘direitos humanos’, por exemplo, são universais por natureza e, portanto, podem ser impostos com retidão às culturas asiáticas e outras culturas não-ocidentais. No entanto, uma análise mais profunda mostra que esses ‘direitos’ são altamente individualistas e profundamente enraizados na ética cristã, como reconhecem estudiosos respeitados: “As raízes profundas dos ideais de direitos humanos estão fincadas em nenhum outro lugar senão na tradição bíblica.” (Veja, por exemplo: Christianity and Human Rights e Religious Human Rights in Global Perspective).

E assim, hoje em dia, termos básicos como ‘bom’, ‘mau’ e ‘feliz’ são definidos — por desde os ateus seculares mais convictos do Ocidente até pelos budistas asiáticos — em termos ocidentais, profundamente enraizados na ética cristã. E quando esses conceitos são aplicados a noções como ‘bom carma’ e ‘carma ruim’, a visão budista da causa e efeito cármico, que fundamentalmente não se trata de moralidade e ética, é sutil, mas perigosamente distorcida.”


◦ Rinpoche também tem algumas palavras sobre democracia que podem envolver as mesmas questões, se consideramos a classe média brasileira e seu histórico.


◦ Este texto também é conectado a um vídeo que recentemente fiz para o YouTube sobre o mesmo assunto.


The Just King, livro sobre política no budismo por Mipam Rinpoche, em amazon.com.br


Bodisatva Petralha, Nagarjuna sobre o tratamento de prisioneiros no budismo, no séc II., texto em tzal.org

Budismo, Religião sem Deus, vídeo no canal Tendrel


Buddhism and Human Rights, livro em amazon.com.br

Livros e links de Dzongsar Khyentse Rinpoche, artigo em tzal.org



1. ^ Paráfrase de Madhyamakavatara VI, 118: “As análises deste tratado não são oferecidas por amor ao debate. Não é nossa culpa se, ao expor este ensinamento, outros sistemas filosóficos são destruídos.”

2. ^ Essentially contested concept, na wikipedia em inglês.

3. ^ Recentemente postei um vídeo no YouTube sobre o mesmo assunto, e uma pessoa comentou “Você vai sofrer tudo que os criminosos que você defende inflingiram a outros”. Minha defesa no vídeo foi a de que criminosos não devem ser arbitrariamente condenados ou torturados, não era nada kumbaya, mundo cor-de-rosa ou esquerda cirandeira. Era bem moderado. O problema é que a classe média brasileira é mesmo muito sanguinolenta. Fui verificar se era uma pessoa que se considerava budista, e ele era o seguidor devoto de um outro rinpoche autêntico, de uma linhagem diferente das as que estou conectado. Pelo menos ele não era um irmão vajra.

4. ^ No final das contas, embora haja budistas sanguinolentos e vingativos no Brazil, devo confessar que algumas vezes fui motivado por medo de passar certa vergonha em meio a amigos de esquerda. Quando alguém que respeito como meu professor (embora eu não seja conhecido do Rinpoche, e não tenha sido formalmente aceito como aluno) levanta críticas — percebidas como bem razoáveis e válidas — contra a ideia de direitos humaos, mesmo a mais sutil tentativa de usar a expressão de uma forma não totalmente respeitável me traz tortura, sangue e morte à mente. É bom frisar, no entanto, que este pânico parece justificado considerando a sociedade brasileira.

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