Slavoj Žižek: Velhacaria Hipster
Vamos começar repetindo o ad hominem do título: Slavoj não é muito mais do que um entertainer. Como filósofo, não passa de um aldrabão.
Porém a confluência de fatores que o levaram a fama envolvem não só seu carisma e prestidigitação emocional de plateias, mas uma permissividade generalizada no campo geral do que preferimos chamar “ciências humanas”, e que o escândalo Sokal bem revelou.
Lacan disse que seus “escritos” não deveriam ser entendidos racionalmente, mas sim lidos como se para produzir um efeito de iluminação semelhante a textos místicos. A estratégia obscurantista é, portanto, a da constante epifania através de apofenia e constante apresentação de dissonâncias cognitivas tentando produzir um simulacro de experiência religiosa.
O vazio existencial e expectativa espiritual do ouvinte são assim preenchidos de tagarelice infindável e circular sobre uma terminologia crepuscular (um duplofalar que muitas vezes busca significar exatamente o oposto do que explicitamente significa) e referências íntimas e próximas ao ouvinte: no passado o jargão da psicanálise ou da própria filosofia, a partir dos anos 90, da cultura pop.
O efeito é uma mistura de piada interna com nonsense ou falta de base epistemológica que, a princípio, parece liberador. O obscurantismo é essencialmente uma falsificação do que seria profundo – e isso explica tanto seu fascínio quanto sua tragédia.
O espírito divino e o malte dos deuses/a boca da sarjeta e a violência doméstica
O abuso da linguagem por Žižek e seus comparsas é como um “se-por-uísque” (onde você não deixa claro se está defendendo ou atacando uma tese) somado a linguagem carregada e que poderíamos apropriadamente chamar de sensacionalismo filosófico.
A isso podemos adicionar aquela adorável mania pós-moderna, abusada por Camile Paglia em Personas Sexuais e David Foster Wallace em muitos de seus escritos (e que talvez tenha começado com Roland Barthes), e que felizmente foi tão usada que já está saindo de moda, já que afinal os anos 90 acabaram faz tempo, de apresentar cultura erudita no meio da mais rasa cultura pop, com um efeitinho geek supostamente divetido. É o 9gag em meio ao Jstor.
Os defensores de Žižek dizem que ele, como o profeta Lacan, não tem uma tese ou filosofia, mas quase que apenas um modo de ser e pensar em voz alta e em público. Isso justifica um pouco mais o ad hominem, nãoé mesmo? Criticar as ideias de Žižek é fazer o que ele mesmo sempre faz com elas: as deixa tão “livres” de qualquer lastro que o horror da violência étnica se torna o sagrado, e vice-versa – se choca, tá valendo.
Žižek brinca, numa palestra que ouvi, de comissário de um regime totalitário:
“Aquelas duas pessoas que saíram no meio da palestra, anote o nome delas, depois vamos interrogá-las, etc.”
E o maior regozijo que encontra é exatamente na quase sádica incerteza epistêmica que representa: ah, que irônico, mas será que … não, ele está brincando, mas brincando de brincar de estar brincando, no fundo, é só, como se diz em inglês smoke and mirrors – não tem nada ali senão o efeito de “cócega mental” que ele produz na plateia imatura.
Isso me dá um tique-tique nervoso
A maior parte das pessoas envolvidas com filosofia que conheci tem o que na medicina tibetana se costuma chamar “distúrbio de lung”, “ventos” internos desregulados. Aqui, uma questão de ovo e galinha: será que as pessoas se fascinam pela masturbação conceitual porque tem distúrbio de lung ou vice-versa? Na verdade as duas coisas se complementam e se reforçam.
Quando estudei filosofia um dos professores tinha moscas volantes que frequentemente confundia com moscas reais: então ele começava a dar aula e logo se encontrava espantando moscas com as mãos – daí lembrava, em voz alta:
“Ah, é mesmo, eu tenho essas moscas volantes no olho, sempre esqueço delas”
Isso numa aula de epistemologia te leva a pensar se ele não está fazendo um teatrinho para ilustrar um ponto: mas após acontecer uma dezena de vezes, você começa a ver que é simplesmente lung desordenado mesmo. Reagia automaticamente aos pontos, e levava alguns segundos para lembrar-se da própria condição médica! Žižek não fica um instante sem coçar o nariz, ou a orelha, ou limpar o suor da testa, ou ajustar a camisa: põe tique nervoso nisso.
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2 minutos. Infinitos tiques e toques e tuques
Não sei que medicamentos ele toma, mas com aquelas olheiras profundas e esses tiques, ele devia repensar sua atividade filosófica. Não está fazendo bem para ele.
Menciono a medicina tibetana e a conexão entre a aparência física e maneirismos dele com sua “atividade filosófica” porque ele abriu a porta para isso, ao se meter com o budismo. De fato, eu o ignoraria completamente se eu mesmo não tivesse essa conexão e vez que outra me vendo tendo que lidar com pessoas que me perguntam “ei, e a crítica do Slavoj Žižek ao budismo, hein? Como vocês respondem?”.
Da mesma forma, não sou especialista em Lacan ou outros obscurantistas, porque – a maior parte da filosofia é assim, mas em particular isso é verdade com os mais obscurantistas, isto é, aqueles que não fazem nenhum esforço de falar claramente e ter teses claras, etc. – é como areia movediça: quando mais você se mexe ali dentro, mais impossível escapar.
Não existe propriamente um critério que possa ser usado para avaliar a… dá para usar várias palavras: validade, utilidade, coerência, aplicabilidade, funcionalidade, praticalidade, mas enfim “pra quê essa merda” é a ideia, por trás de toda a pataquada.
Aliás, toda essa alucinação verbal parece servir exatamente para evitar que a pessoa avalie tudo isso, e cada vez mais se volte ao discurso, ao texto, como um fim em si só. Daí inclusive ser tão comum chamar esse tipo de coisa de “masturbação”.
O Charlie Sheen da filosofia
O que é preciso que se diga é que, na civilização budista (não vou usar religião, filosofia ou ciência para me referir a esse fenômeno cultural), uma expressão pessoal como a de Žižek não seria respeitada. Você simplesmente não iria querer contratar um mendigo para fazer consultoria para sua vida financeira, não é mesmo? Então você, da mesma forma, não ouviria um balão de vento convulsivo sobre viver bem ou entender o mundo, que é o que se considera válido como expressão verbal no millieu budista.
Mesmo um charlatão, no escopo budista, consegue se portar elegantemente e suavemente – convincentemente nesse âmbito – não há lugar para um Charlie Sheen em pleno surto. Aliás, esse é um exemplo bom: porque há um fascínio na figura trágica de Sheen no seu momento mais público, e da mesma forma surge o fascínio pelo surto žižequiano. Há nos dois o fascínio pelo over the top, e pelo velho safado, bem como da decadência pela decadência.
Ademais, especificamente, entendo um pouco de budismo, e assim posso avaliar bastante precisamente o charlatanismo de Žižek com relação ao assunto. Muitas vezes, ao expressar uma ou outra ideia sobre a tradição, já começa se defendendo “eu ouvi isso de gente que sabe, gente que debateu comigo”.
Não tenho ideia de quão errado ele possa estar sobre seu mestre Lacan, ou sobre o marxismo ou sobre Gangnam Style, o filme “Projeto X – Uma Festa Fora de Controle” ou Justin Bieber — alguns de seus assuntos possíveis, e que já ocorreram em suas palestras, sempre precedidos por uma desculpa ao estilo “não estou só fazendo troça, não é o intelectual francês que vem aqui ridicularizar a cultura jeca norte-americana… não se trata disso” — mas, novamente, é e não é, simultaneamente e como melhor cair ao ouvido de quem ouve… “se por uísque…” Quanto a esses assuntos, não sei.
Porém tenho boa clareza sobre alguns erros específicos dele sobre o budismo, e mais do que isso, sobre uma ingenuidade geral com relação a vastidão e complexidade da tradição budista.
Budismo não é o que você pensa
O budismo é vasto (em quantidade de textos, tempo de existência e adaptação a culturas) e complexo, mas Žižek, pela falta de clareza, adiciona pelo menos uma outra dimensão de complexidade. Algumas das coisas que Žižek reprimenda no budismo (ou às vezes, sempre é bom reiterar, elogia com certa ironia sem determinação epistêmica: é uma ironia de um elogio que se torna um elogio maior porque é irônico ou trata-se efetivamente de um uso de sarcasmo, etc, ad infinitum: cócegas na plateia hipster) são, a bem da verdade,
1. Versões de entendimentos acadêmicos do budismo, com variáveis níveis de pertinência;
2. Versões populares de entendimentos do budismo, que o demonstram parcialmente em sua aplicação atual;
3. uma série de desentendimentos sobre o budismo, que são também comuns numa plateia de curiosos sobre o tema. Claro que as três coisas não são nem mesmo distinguidas, ele pode começar a frase com uma, e terminar com outra: e do que o budismo propriamente ensina, Žižek cala completamente em todos os casos.
Típico de Žižek: “o budismo antigo até tem seu valor, mas o mahayana… o mahayana é do mal”. Agora, lembre, caro leitor, que quando Žižek diz que algo é do mal, isso simultaneamente é um elogio e uma crítica, e ele se deleita em especificamente não deixar isso claro. Mas porque o budismo mahayana seria “do mal”? Por causa do ideal do bodisatva, alguém que abandona o ideal do nirvana para trabalhar pelo bem dos seres que não atingiram esse resultado.
E como Žižek interpreta isso? No viés psicanalítico dele, ele vê isso como uma espécie de “postergação” da recompensa, em detrimento de um idealismo romântico.
Porém o buraco do mahayana é bem mais embaixo, sr. Žižek.
Assim como o seu “do mal” pode ser uma glória do terror sagrado, nirvana não é um termo unívoco na tradição budista. Algumas escolas vão dizer que o nirvana é um objetivo de escolas inferiores, outras vão dizer que samsara (o sofrimento cíclico infindável a que os seres normalmente estão presos) e nirvana não são essencialmente diferentes. O nirvana que Žižek consegue entender, é fácil logo ver, é como uma heroína conceitual: é da mesma natureza das epifanias que gosta de criar e absorver, apenas talvez um pouco maior (ele se questiona se já não atingiu o nirvana, em determinado ponto de uma palestra).
Essa é uma visão popular comum do nirvana. Não há, por exemplo, um cuidado para examinar todas as miríades de coisas que as pessoas costumam confundir com nirvana e são descritas nos textos budistas. A explicação do nirvana é, comumente, uma via negativa, isto é, o que mais se faz é explicar o que ele não é. E ele não é um tipo de esclarecimento intelectual ou orgasmo diluído, como muitas vezes somos levados a pensar, até pelo uso corriqueiro do termo.
Querer sofrer é parte da definição de sofrimento
Mas quando Žižek fala do sofrimento, é aí que ele pisa mais feio na bola. Para os psicanalistas, em geral, há duas coisas muito problemáticas com o budismo: primeiro é o fato de que o Buda afirma a possibilidade de total libertação do sofrimento e da neurose. Mas tudo bem, digamos que essa seja uma visão de fé, uma perspectiva religiosa do budismo, essa crença no potencial máximo do ser humano ser a liberdade perante todas as formas de hábito aprisionante.
A segunda complicação que a psicanálise vê com o budismo é essa demonização do sofrimento: ora, Žižek afirma:
“Tem gente que gosta de sofrer”
E mais que isso, volta e meia surge um psicanalista dizendo “sem o sofrimento, como o artista x teria criado a obra y? Numa cultura budista, não teríamos a arte z!”. Porém, o que toda essa gente equivoca é o uso peculiar do termo sofrimento no budismo. Devido a traduções antigas e ao hábito formado pelo uso dessas traduções, muitas vezes segue-se usando “sofrimento” para falar de duhkha, porém em geral qualquer palestra introdutória de budismo vai começar explicando que sofrimento não é bem apenas dor, mágoa, angústia.
E não é, também, apenas o fato de que nada realmente nos conforta, embora isso também seja verdade. Duhkha é, antes de tudo, o fato de que nossas expectativas e perspectivas, nossa visão do mundo e das coisas, nos trai vez após vez. Existe dor, angústia e falta de conforto nisso, insatisfatoriedade: mas o ponto é que, se você não reconhece, não muda nada. Nossa própria aparente satisfação, ou nosso masoquismo, ou nossa justificação de que o sofrimento é bom e nos é útil, são todas parte de duhkha.
Assim, quando Žižek diz que nem todo mundo quer deixar de sofrer, ele precisa reconhecer que, sim, há masoquistas no mundo, o budismo os reconhece. Mas… como dizia Nelson Rodrigues, sádico mesmo é aquele que não bate no masoquista. Não querer deixar de sofrer é um sofrimento muito comum bem reconhecido pelo budismo. É só uma ignorância um pouco maior.
Ademais, a primeira reflexão que se faz no budismo é sobre o sofrimento, o que é samsara, e assim por diante: porque nossa tendência usual é não reconhecê-lo e continuar indo atrás dele! Se não fosse assim, toda a parafernália inicial do budismo, nos recomendando refletir sobre isso e chegar a uma conclusão vivencial sobre isso seria redundante.
Quando o Dalai Lama fala que todos os seres querem deixar de sofrer e encontrar a felicidade — de onde vem a acusação de Žižek de que não seria bem assim — ele não repara que Sua Santidade está sendo, na perspectiva budista, bastante contraintuitivo!
Essa afirmação é bastante incomum no budismo. Com essa afirmação o Dalai Lama está dizendo três coisas: que os seres são basicamente iguais, ou iguais no que diz respeito a isso; que os seres sofrem, são insatisfeitos, tem problemas; e que no fundo, muito no fundo, essa ânsia é espiritual. Mas ele diz isso de uma forma extremamente neutra: ninguém vai negar que busca um copo d’água quando está com sede (mesmo um asceta tem e busca certas felicidades).
E, como disse logo acima, se trata-se de um masoquista, é exatamente no sofrimento físico que ele busca felicidade, nada de tão estranho nisso.
Autores irrelevantes
A seguir, o senhor Žižek cita D. T. Suzuki, no seu argumento clássico militarista, em que as pessoas treinadas no budismo matam muito melhor. O meditador não vê um assassinato: vê uma lâmina afiada passando por um pescoço macio, é uma visão meramente estética, uma “vacuidade” desse tipo.
Duas coisas aqui: sim, é verdade que, particularmente no Japão, o budismo e os métodos budistas foram abusados para a guerra e para a matança. A meditação é um método anterior ao budismo, a pessoa pode meditar para jogar videogames melhor, se ela não tem a motivação correta: e ela vai fazer tudo melhor se meditar, inclusive atirar para matar com muito mais precisão e sangue de barata.
Mas isso não é o que o budismo ensina, isso é uma distorção do budismo, e um método que o budismo usa para um fim sendo usado para outros fins. A segunda coisa é que D. T. Suzuki é datado e ninguém no budismo o respeita! Porque ele está lendo D. T. Suzuki sobre budismo?
A vacuidade e o capitalismo bombado de esteróides
Ainda assim, a crítica de Žižek, neste caso, é boa. É boa porque apresenta uma verdade histórica sobre o budismo (o militarismo budista, a ética e estética do samurai como incluída no millieu budista, etc.) e uma reflexão sobre o que significa “vacuidade”.
Ele menciona que nesses tempos de algoritmos controlando a bolsa de valores, onde tudo é tão virtual, o budismo é de fato a ontologia (a não-ontologia, ele diria melhor) que melhor funciona na mente do corretor da bolsa e homem de negócios que tem que lidar com essa volatilidade toda. Isso surge como uma crítica marxista, mas vem junto com um elogio, como sempre. A menção de Steve Jobs (cuja ligação com o budismo e a filosofia oriental são nada mais que uma breve curiosidade) é relevante para o viés que a população tem do budismo.
A crítica original de Žižek é que o budismo substituiu o socialismo como foco de engajamento para a baixa intelectualidade ou a alta classe-média: e de fato, enquanto religião, o marxismo é, aparentemente, inferior ao budismo. Ainda assim, o Dalai Lama, exilado por maoístas e defensor de um povo estuprado (culturalmente, economicamente, fisicamente) pelo confúcio-marxismo chinês, se diz, ele mesmo, socialista!
A competitividade é um dos 5 principais venenos ou aflições da mente para o budismo, pode haver miríades de benesses no capitalismo, mas o budismo nunca vai poder coadunar com o cerne conservador da exploração e da competitividade desmedidas, muito menos com o centramento absoluto na eficiência (da sociedade, dos mercados, etc).
Agora, dizer que o budismo não coaduna não quer dizer que o budismo não penetre em todos os âmbitos, em particular aqueles em que há grande potencial de transformação. O praticante budista é o tempo todo confrontado com a ideia de que os grandes bodisatvas (exatamente aqueles que Žižek considera totalmente errados) penetrem em âmbitos degradados para ajudar os seres naquelas condições. Assim, pode haver “agendes secretos” em todos os níveis: cripto-animais (animais que são na verdade bodisatvas), cripto-prostitutas, cripto-corretores-da-bolsa.
Acho até que Žižek ia achar ironia nisso também, mas o fato é que, entre uma ação as poucas ações viáveis e uma ação perfeita, o praticante budista segue o que se chama “meios hábeis”: uma coisa meio McGyver, onde o chiclete e a bomba a ser desarmada são um ou dois venenos na sua mente, ou um leve benefício para alguém, e a sua mesa de trabalho, onde quer que ela fique.
Há engajamento político e revolucionário nisso na medida em que uma miríade de ações desse tipo em rede produz mudanças efetivas nos muitos mundos em que os seres operam.
Pontinha do iceberg
Há também o que Žižek, e o ocidente, desconhece sobre o budismo – e que é vasto. Temos menos de 5% das obras budistas traduzidas para línguas ocidentais: isso é muito generoso, alguns eruditos falam em menos de 1%. Entre algumas coisas que eu, que não leio em nenhuma língua asiática, percebo que Žižek perdeu completamente, é, por exemplo, algo como a tradição indiana dos mahasiddhas – cujos poderes mágicos não são o ponto mais interessante.
Žižek poderia ter visto um grande pluralismo nas diferentes apresentações sociais desses mestres budistas: um era gay, outro um rei, outro um monge, outro um pescador, etc. Até mesmo um filósofo de olheiras e tiques nervosos como Žižek poderia se identificar com algum deles. Porém, creio que pluralismo é uma noção que Žižek não particularmente defende: não dá ibope ou cócegas pós-modernas.
Também a questão da política e do budismo, bem como da linguagem e budismo, totalmente escapam a ele: consigo conceber inúmeros exemplos ótimos que ele poderia distorcer totalmente e fazer um discurso ainda mais cheio de entretenimento descuidado, mas que, felizmente, porque ele não fez o tema de casa, ele desconhece. O que ele pega para criticar são vacuidade e sofrimento muito mal compreendidos.
“O problema do mal” é incompatível com o “sistema operacional” budista
Curiosamente, ele fala muito do mal, que não é uma questão budista que se apresente: trata-se de uma neurose judaico-cristã: nunca vi budista tocando no assunto, senão para dizer que alguém que se comporte mal e prejudique os outros vai inevitavelmente e infelizmente sofrer também, e que faz isso como alguém que toma veneno sem olhar o rótulo.
O que nós chamamos de mal, coisas como o holocausto e outras tantas que não gostamos de trivializar, no fundo são apenas superestruturas coletivas construídas com base nas mesmas ignorâncias pessoais que nos levam as pequenas corrupções cotidianas de roubar material de escritório ou fazer um comentário irritado que magoa alguém.
Tente explicar a noção do mal para um professor budista pouco familiar com o ocidente. Verifique quantos dias você vai levar nessa empreitada: uma coisa que existe no mundo, na realidade, e externa a pessoa, e que pode até mesmo se tornar um bode-espiatório ou desculpa para as maiores atrocidades? Ou uma característica intrínseca da mente humana a que todos estamos sujeitos inevitavelmente?
Você vai passar dias tentando explicar essa noção, e, se você tiver muito conhecimento do assunto e muita paciência, é possível que os professores budistas tenham uma melhor ideia do grau de confusão filosófica da mente ocidental.
Uau, como ninguém tinha pensado nisso? Criticar o budismo, claro!
Žižek critica o budismo porque também isso, por si só, é inusitado. As relações públicas do budismo são excelentes: as únicas críticas que surgem são eventualmente estéticas (é meio massificado, é brega) ou com alguma ocorrência pontual (monges que caem na porrada uns com os outros).
Quando surge em conversa, e até isso é um pouco žižequiano, já todo mundo é um pouco assim, para manter conversa é preciso levantar uma oposiçãozinha, não é mesmo?
Como bom entertainer, ele vai exatamente atrás do que rende mais polêmica e é mais impensável.
(Este rant foi inspirado em parte pelo texto Zizek waxes on about Zionism, Sex, Gangnam Style, Justin Bieber, the Pope, and Buddhism)
Lógica modal e budismo
Uma resposta a seguinte colocação: “O conceito de mundo possível na lógica modal não refere-se a mundo no sentido físico. Dependendo da aplicação, um mundo possível pode ser uma situação, cenário, contexto, sistema, e por aí vai. É um conceito puramente abstrato. A teoria não requer que os mundos possíveis sejam algo criado por uma entidade superior, logo isso não é uma premissa da lógica. Além disso, penso que não tem muito sentido em falar de premissas da lógica, visto que premissas são objetos sujeitos à lógica e não o contrário.”
Conversa sobre saber causas específicas
Perguntas respondidas ao longo de dois emails com um interessado no darma que parece fascinado por obter conhecimentos sobre carmas específicos.
Caminho do meio: o grandioso e o menorzinho
O que significa “Grande Caminho do Meio”, e como ele se contrapõe a um “pequeno”? O Grande Caminho do Meio que é objeto de defesa e refutação, não é propriamente o grande. Grande significa, neste contexto, igual a realização da sabedoria que reconhece as coisas como elas realmente são, e que de fato, não é diferente da própria natureza das coisas.
Além dos conceitos: o intelecto visto como obstáculo
Nem toda forma de conceitualidade é ruim, nem toda forma de não conceitualidade é boa. As armadilhas dos estereótipos ligados ao pensamento asiático e ao budismo.
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