O materialismo não é falseável
A ciência necessariamente se fundamenta por evidências, no entanto o fisicalismo (o monismo materialista) é uma crença metafísica. Como é isso?
O problema do argumento a favor do materialismo é que ele é circular. Se houvesse evidência de algo espiritual, por definição, isso seria algo material. Se uma teoria não é falseável, não pode ser científica.
Se você não é possível desenhar um experimento que demonstre que algo não seja material, não é possível refutar o materialismo com evidências. Assim, o materialismo acaba não sendo conclusão embasada em evidências, mas pura metafísica. Sendo metafísica, é tão arbitrário quanto outras crenças metafísicas.
Existe até mesmo um contraexemplo de ciência não materialista, a Interpretação de Copenhagem, que calcula perfeitamente bem com base noutro substrato.
Para o fisicalismo não ser metafísico ele precisa poder ser falseado por um experimento. Não ser falseado, mas ter os critérios claros de como ele poderia ser falseado. É isso que falta ao materialismo para ele se constituir como conhecimento científico.
Se tudo que você encontra com suas evidências é necessariamente mais materialismo (ou mais idealismo, etc., dependendo de seu viés, como no caso da IC) isso não implica nenhum resultado embasado em evidência. Tanto é que, embora exista a IC, também existem modelos que calculam tão bem quanto que inventam coisas como variáveis ocultas e etc., apenas para manter uma determinada posição metafísica favorecida pela física.
Caso não se entenda que o materialismo não é falseável, ela não entenderá que é uma crença metafísica e arbitrária. E é na verdade muito fácil entender como o materialismo não é falseável: ora, tudo que é embasado em evidência, para quem sustenta o materialismo, se mostra material. Para quem sustenta outra forma de substância, se mostra outra forma de substância (IC). Metafísica, por definição, não é falseável, portanto, não é objeto de escrutínio científico, pelo menos segundo Karl Popper — e também, pelo menos segundo a definição que metafísica dá a si mesma.
Quando as pessoas afirmam que o materialismo é o que resta quando cremos apenas em evidências, elas precisam entender que esse passo precisa também poder ser falseável. De outra forma, eu posso ter qualquer outro critério não falseável — um absurdo como o do dualismo, por exemplo — e igualmente dizer “você pode pensar o que quiser sobre evidências, você tampouco tem evidências que falseiam meu modo de pensar, viva com isso”.
Claro, porque uma deidade totalmente separada de sua criação não pode ser encontrada na sua criação. Eu como budista posso achar ridículo isso, mas o seu materialismo não é nada diferente disso, enquanto proposição metafísica. Tudo que se pode achar com evidências, por essa definição, não é a deidade do dualista. Ela segue lá, porque ele a hipostasiou dessa forma em primeiro lugar, azar o seu — nenhuma evidência ou ausência de evidência tem qualquer coisa a ver com ela.
O problema em geral é não entender a diferença entre não ser falseável e não ter sido falseada. Alguém diz que o materialismo ainda não foi falseado, Navalha de Occam, é a tese mais possível, se sustenta. Mas ele não sendo falseável por nenhum escrutínio científico, sendo metafísica, a Navalha de Occam não se aplica às supostas “evidências”. Ele não foi falseado não porque depois de muitos experimentos ele ainda não caiu como teoria, mas simplesmente porque ele não é falseável! Como o dualismo!
Repetindo, se você só encontra evidência materialista, necessariamente, porque o que é evidência precisa ser material, já que afinal é evidência, e você definiu as coisas assim, você apenas demonstra que não tem um critério de falseabilidade. Não é questão de uma teoria nunca ter sido refutada por evidência, mas de uma crença metafísica não ser refutável, em nenhum mundo possível, por evidência.
Claramente esse é o caso com o materialismo (e o monismo, e o fisicalismo) — ora, qualquer dicionário de filosofia aí vai claramente revelar que esses são termos metafísicos. A confusão dos cientistas com sua petição de princípio não falseável chamada “materialismo” é puramente ideológica. Se você não desenhar um experimento que poderia demonstrar que o materialismo não é o caso, isso indica simplesmente que o materialismo não é uma teoria científica. Apenas porque até agora não surgiu uma evidência contrária (para quem é materialista, não pra IC), quando não há critério de falseabilidade (encontrar evidências de existência ou inexistência do que por definição não tem conexão com evidências?), apenas demonstra que o materialismo não é ciência, mas metafísica — o que para qualquer um, menos um adepto do cientismo, sempre foi óbvio. E se vamos usar as críticas gerais usadas contra princípios metafísicos, todos com argumentos incompletos, e todos relativamente aceitos por nichos que mantém diversas ideologias e autointeresses, podemos simplesmente dizer que a Navalha de Occam aqui é sociológica: os cientistas advogam o materialismo porque isso é bom para a ciência. Melhor até dizendo, bom para certa ciência e para a sustentação de sua própria visão hegemônica nesse formato e não em outro. Se isso é bom para os seres humanos, ou se pode ser estabelecido como correto, ou se há um critério possível para decidir sobre ele, essas são bem outras questões.
Usar a Navalha para cortar o que não tem evidência, sem reconhecer o salto metafísico nisso, é puro interesse ideológico de autossustentação num determinado modelo.
A característica ideológica e arbitrária da metafísica pode ser estabelecida pelos modelos metafísicos concorrentes em mecânica quântica, que calculam bem segundo o idealismo, segundo certo tipo de realismo materialista em que a mente não é um fator, mas uma “variável oculta”, e até mesmo segundo uma simples ausência de metafísica que é o instrumentalismo. A princípio parece ter a boa solução, mas como ele leva com ele qualquer carácter de explicação verdadeira, e então nos perguntamos se o instrumentalista é um cientista mesmo ou um mero engenheiro.
Pelo que você disse, me faz pensar que o materialismo tem uma péssima base metafísica pelo fato de consistir em negar-se enquanto metafísica...
Os problemas do materialismo vão muito além de metafísica. Eles estão ligados a vida boa, eudaimonia, e estados mentais. O materialismo, num sentido último, é a justificação para o suicídio, para a exploração da natureza, para a exploração do homem, da mulher, dos animais; para quase tudo que há de ruim no mundo, exceto parte da ciência, que é algo no fim, relativamente neutro.
Além disso, os problemas metafísicos do materialismo não são poucos, e não são apenas “negar-se enquanto metafísica”. Esse na verdade, não é nem um problema metafísico do materialismo, e ele os tem em grande número. Esse problema está ligado ao cientismo, e ao uso incorreto do pensamento científico — não à metafísica.
Se você vai ler sobre o materialismo como descrito por filósofos, você vai rapidamente encontrar todos os problemas realmente metafísicos dessa teoria. Estritamente falando, acho que todo mundo concorda que o materialismo tem menos problemas metafísicos do que o dualismo, mas ele não tem nem um pouco menos problemas que os de outras formas de monismo, e a distinção de formas de monismo em si é um problema metafísico bem difícil. Sorte que metafísica não tem jeito mesmo, de qualquer forma.
Essa parte do materialismo ser uma negação da metafísica é puro absoluto cientismo. Nenhum filósofo razoável nos últimos 500 anos cometeria um erro assim, tanto é que o materialismo é descrito em qualquer dicionário de filosofia como uma teoria metafísica. Só quem cai nessa do materialismo negar a metafísica são os adeptos do cientismo.
Daí, quando isso é clarificado, se pode discutir a questão da metafísica ser um problema em si, que, ao meu ver, só o budismo realmente até hoje entendeu e soube explicar, além de tentativas risíveis como as do cientismo e do positivismo lógico, etc.
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