12. Shantipa
O missionário acomodado
Tal como uma criança nutrida pela mãe,
crescendo até a plenitude da vida adulta,
A mente imatura, quando metodicamente guiada
pelos preceitos do guru, progride no mahayana.
E da mesma forma que doenças da fleuma, ventos e bílis,
são curadas com a receita prescrita por um bom médico,
A enfermidade da crença no eu
é curada instantaneamente pelos preceitos do guru.
Na época em que o Rei Devapala reinava sobre as cidades de Magadha, havia um grande bhikshu e professor da casta brâmane na academia monástica de Vikramashila chamado Ratnakarashanti. Ele havia dominado os cinco campos de conhecimeno e assim se tornara um grande erudito altamente respeitado. Assim sua fama se disseminara pelas cinco direções.
Naquela mesma época havia também um Rei no Sri Lanka, de nome Kabina, uma pessoa a quem, devido a seu mérito e virtude, não faltava nada que desejasse. Embora os ensinamentos do Buda ainda não fossem conhecidos no Sri Lanka, pessoas vindas da Índia haviam lhe falado boas coisas sobre o Darma do Buda. Como até aquele momento não havia encontrado ninguém capaz de ensinar o darma, ao ouvido falar da existência desse grande mestre, Shantipa, um professor de Magadha, o Rei Kabina e o povo do Sri Lanka resolveram enviar um mensageiro para convidar o mestre para uma visita a seu país.
Quando o mensageiro chegou em Vikramashila, ele se curvou diante de Shantipa e prestou homenagem em nome do Rei do Sri Lanka. Fez-lhe então oferendas de ouro, prata, pérolas e seda, e terminou dizendo “Somos um povo de um país que não é central ao Darma. Temos estado obscurecidos pela escuridão da ignorância; temos sido consumidos pelos fogos da luxúria e da cobiça; temos estado ameaçados pelas armas da raiva e do ódio. A visão do conhecimento tem permanecido coberta pelas máculas das visões errôneas. Tende piedade de nós e venha disseminar o caminho liberador, o Darma do Grande Veículo do Mahayana, entre nós. Caso tenha alguma compaixão por nós, considere bem vinda para a terra de Sinhala, seria muito importante para nós. Peço isso pelo bem de todos os seres sencientes.”
O mestre, refletindo sobre essas colocações, aceitou o convite e anunciou que de fato iria. E assim Shantipa, juntamente com uma assembleia de dois mil monges, se colocaram em viagem, com os cavalos e bois carregados do Tripitaka, os “Três Cestos” de escrituras sagradas do budismo. Passando pelas cidades de Nalanda, Odantapuri, Rajagrha, Bodhgaya, e muitas outras cidades, e finalmente chegaram à costa do Oceano de Sinhala. Ali enviaram um mensageiro num barco mais rápido para avisar de sua chegada, e seguiram, mestre e séquito, em outro barco em direção ao Sri Lanka.
Quando o mensageiro chegou ao Sri Lanka e anunciou que Shantipa estava a caminho, o Rei Kabina, seus ministros e todo o povo ficaram felizes como se houvessem atingido o primeiro bhumi do caminho de dez estágios do bodisatva. Assim, abandonaram as atividades mundanas, e reunidos voltaram seu anseio às águas do oceano. Depois de sete dias, eles avistaram os bois e parasóis no horizonte, e ficaram imensamente felizes. Quando os convidados desembarcaram, enquanto prostravam, eles cobriam o chão de seda para a passagem do professor. O Rei Kabina e o povo honraram o mestre com vastas quantidades de flores, incenso, bandeiras e vários outros implementos de homenagem e tudo que preenchesse as necessidades dos convidados.
Ao longo de três anos, em aposentos confortáveis e com todos os agrados, de um elevado trono, o mestre ensinou muitas doutrinas e técnicas contidas no Tripitaka.
Então Shantipa e seus alunos se prepararam para retornar à Índia Central. O Rei Kabina e todo o povo lhe ofereceram cavalos e elefantes, ouro, prata e pérolas, em incomensuráveis quantidades. O grupo então se colocou numa rota mais longa em retorno à Vikramasila, que passava pelo reino de Rameshvaram, onde o que Rei Ramanapolaka havia construído um grande templo para Mahadeva, depois de resgatar sua esposa de Lankapuri no Sri Lanka.
O mestre pediu ao grupo que tomassem as provisões necessárias para uma semana, pois precisariam viajar por um trecho de estrada em que não veriam nenhum ser humano por sete dias. Foi nessa estrada que, após quatro dias, eles encontraram o afortunado Kotalipa (Togcepa), cuja história de iniciação é contada noutro lugar.
Depois de Shantipa e séquito retornarem a Vikramasila, o mestre envelheceu e ficou cego, perdendo toda firmeza no corpo. Os discípulos o nutriram com iogurte e mel, já que ele não tinha mais dentes. Quando ele completou 100 anos de idade, ele começou um retiro de 12 anos.
Durante estes doze anos, o camponês Kotalipa também fizera retiro. Mas enquanto Shantipa praticava a contemplação através de conceitos, Kotalipa permaneceu repousando na natureza não elaborada da realidade, uma meditação não conceitual que o levou ao sidi do mahamudra.
Enquanto, ao sair de retiro, Shantipa recebia a ajuda respeitosa de seus alunos, Kotalipa recebeu a oferenda respeitosa de muitas dakinis que vieram com Indra e seu séquito e deitaram néctar em sua “porta pura” no topo da cabeça, produzindo um contentamento indizível. “Ele é o próprio Vajrasattva” declararam todas as dakinis, enquanto as bênçãos de Kotalipa lhes concediam todas as felicidades divinas. Kotalipa exclamou: “Antes de receber as instruções do Guru, eu minerei apenas a montanha externa. Depois que eu as obtive, eu minerei a montanha da mente e obtive o sidi.”
Indra e os deuses dos trinta e três então oconvidaram para seus paraísos divinos, mas Kotalipa os recusou, dizendo, “É crucial que eu preste reverência ao professor, uma vez que o guru é ainda mais bondoso que o próprio Buda”. Completou “Nas escrituras está dito que ‘o guru é o Buda, o guru é o Darma, e que o Guru é a Sanga.’ Eu tomo refúgio no guru que corporifica as três joias, e eu rogo por suas sagradas bênçãos!”
Com seu olho de sabedoria, Kotalipa viu que a viagem até Vikramasila levaria seis meses a pé, então ele se transportou para lá em seu corpo mental num só instante. Prostrou-se perante o guru e séquito e os circumambulou, até que percebeu que eles não eram capazes de ver seu corpo mental. Ele então materializou seu corpo físico e novamente ofereceu incontáveis prostrações.
Quando Kotalipa colocou a cabeça sob os pés do mestre, Shantipa perguntou, “Quem é você?”
“Sou um aluno seu,” respondeu Kotalipa.
“Tenho muitos alunos, infelizmente não lembro de você”.
“Sou Kotalipa, o camponês que você encontrou cavando buracos na montanha”, foi a resposta, e os dois mestres se reconheceram alegremente e começaram a conversar.
Shantipa perguntou ao aluno, “Que capacidades e qualidades você obteve na sua prática?”
Kotalipa respondeu, “Tendo levado a cabo suas instruções, eu efetivamente obtive o mais excelente resultado do mahamudra, a união de consciência prístina com a vacuidade — o darmakaya.”
O guru Shantipa então disse, “Eu priorizei demais conceder ensinamentos, e acabei não praticando tanto, e assim não encontrei o sentido definitivo da realidade perfeita de que falo. Já você, focando na sadhana e sem ensinar, encontrou o sentido último diretamente. Eu esqueci as instruções que lhe dei, então por favor demonstre os resultados de sua meditação e repita as instruções para mim.”
Kotalipa levou Shantipa a um local silencioso e revelou as várias do darmakaya a seu guru, devolvendo exatamente o que havia recebido. Shantipa passou mais doze anos meditando antes de atingir o sidi mais elevado do Mahamudra. Ele então ofereceu serviço aos seres e seguiu para o reino dos dakinis.
Traduzido por Padma Dorje em 2021, a partir de Masters of Mahamudra e Legends of the Mahasiddhas: Lives of the Tantric Masters, de Keith Dowman, Buddha's Lions: The Lives of the Eighty-Four Siddhas, de Abhayadatta, traduzido por James B. Robinson e Empowered Masters, de Ulrich Von Schroeder. Por favor envie sugestões e correções para padma.dorje@gmail.com. 02/07/24
Mahasiddha Kanhapa
O de Pele Negra // Assim como não é possível conduzir uma carroça sem rodas, A prática de generosidade e conduta moral — sem um guru — não leva ao siddhi supremo.
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