Uma Definição de Budismo
Não é corriqueiro definir o budismo. Ele é um conjunto de práticas, tradições e ideias muito vasto, que inclui aspectos do que costumamos chamar de religioso, mas também algo do que costumamos chamar de filosofia, ciência e arte. Cada comunidade budista pode enfatizar um aspecto diferente, e as civilizações que se desenvolveram sob os auspícios do budismo apresentam todos esses aspectos, portanto é difícil caracterizar o budismo de uma forma muito determinada no que diz respeito aos termos ciência, filosofia e religião. Em outras palavras, ele não é como as religiões que normalmente conhecemos, embora com certeza possua algo de comum com elas, e por outro lado o rigor empírico e a investigação de primeira pessoa com certeza lembram a ciência, e algo de suas discussões abstratas, céticas e intrincadas lembram a filosofia.
O budismo surgiu como um dos ensinamentos do turbilhão cultural hindu, isto é, o fundador da tradição budista foi criado sob os auspícios da cultura tradicional da Índia, e dessa forma, uma série de conceitos e terminologia são em até certo ponto comuns (carma, skanda, nirvana), ainda que ganhem, com certeza outro espectro semântico. Sidarta foi um príncipe de um reino que existia no que hoje é Índia, fronteira com Nepal, o reino dos Sakyas, cerca de 500 AC. Ao nascer foi profetizado como futuro líder espiritual ou grande rei. Seu pai, o rei dos Shakyas, toma então precauções para que o futuro político se concretizasse — isto é, com esse objetivo, acaba escondendo do jovem Sidarta todas as realidades da vida que poderiam fazê-lo perceber a existência de forma mais profunda. No entanto a história se mostra irônica no que essas próprias precauções parecem exatamente sensibilizar ainda mais o jovem. A visão religiosa do despertar do Buda começa com 500 vidas passadas nas quais ele havia praticado virtude e desenvolvido sabedoria, para só então nascer nessas condição preciosa em que a realidade pode então ser reconhecida como de fato é. O renascimento no budismo
A palavra “Buda” vem da raiz “Bodh”, que significa acordar. O jovem príncipe começa a despertar para a natureza da realidade ao ver uma flor murcha no palácio. Ele pergunta a um criado o que era aquilo, e recebe a surpreendente resposta de que normalmente as coisas todas decaem. Obcecado com isto, ele desafia o pai e, em quatro excursões pelas cercanias do palácio, ele obtém as visões de um velho, um doente, e um cadáver. A quarta visão é a de um praticante da tradição espiritual hindu, já ali com vários milênios, e uma diversidade de práticas vastíssima. O que era aquele homem de manto? Era alguém que havia reconhecido a insatisfatoriedade das coisas que decaem, e havia partido em busca de algo definitivo, real e satisfatório. Dessa forma o jovem Buda, se sentindo enganado com todas aquelas facilidades e prazeres da vida real, que de fato eram como que uma prisão artificial criada pelo seu pai, ele decide abandonar toda aquela situação e dedicar-se com afinco a encontrar algo de valor em verdadeiro para sua vida.
Com a educação hindu que recebeu, mesmo ainda no palácio ele era versado na religiosidade tradicional do reino dos Shakyas, bem como em práticas meditativas. Ele procura então uma série de professores, e com seus ensinamentos, atinge uma série de resultados religiosos impressionantes. Porém, ainda nada disso lhe parecia ser capaz de vencer a decrepitude, a doença e a morte. Embora essas práticas fossem benéficas, num sentido profundo elas eram apenas uma nova forma de engano, e então ele decide praticar por si só uma forma muito intensa de ascetismo. Do extremo de prazeres e facilidades, ele parte para a dificuldade, vivendo ao ar livre, alimentando-se de forma exígua, e permanecendo em prática intensa, praticamente imóvel, por cerca de seis anos. À beira da morte ele percebe que também essa prática não produziria o resultado almejado. Ele então aceita uma refeição um pouco mais substancial e decide permanecer em meditação até reconhecer a realidade além de decrepitude, doença e morte. Ele assim vivencia uma série de obstáculos internos até que enfim realiza a natureza real, absolutamente livre da insatisfatoriedade e dos extremos.
O primeiro pensamento de Buda após essa experiência, que chamamos de ”iluminação”, é o de que essa conquista não poderia ser compartilhada. Nesse ponto diz-se que ele recebe louvores do próprio Brahma, divindade máxima de algumas formas de hinduísmo, que humildemente requisita que ele ensine o que aprendeu, porque alguns seres poderiam eventualmente reconhecer o que ele reconheceu. Dessa forma o Buda ensina por mais de 40 anos.
O primeiro ensinamento do Buda condensa seu caminho e resultado nas chamadas Quatro Nobres Verdades. Em primeiro lugar, reconhecemos a realidade da insatisfatoriedade de tudo que é composto. Isto é, não buscamos felicidade em fontes enganosas , que não vão produzir felicidade. Esse primeiro ponto foi muitas vezes distorcido no ocidente, onde pareceu por um longo tempo que o budismo possuía uma visão pessimista da realidade. Mas reconhecer a realidade do sofrimento só é útil porque podemos vir a perceber a segunda Nobre Verdade, a de que essa insatisfatoriedade é criada, artificial, e possui uma causa — não é o estado natural dos seres. O estado natural dos seres é exatamente como o de Buda, explicitado na terceira Nobre Verdade: quando as causas da insatisfatoriedade são eliminadas, quando removemos os obstáculos artificiais, o que é natural se revela, e esse é o estado desperto de um Buda, dotado de todas as qualidades de sabedoria e compaixão.
A quarta nobre verdade é normalmente descrita como um Nobre Caminho de Oito Passos, isto é, um método apresentado para o Buda para que alguém que o aplicasse viesse a reconhecer as coisas como elas são e desfrutar da liberdade do estado desperto. Mas o ponto é que, a partir do escopo das primeiras três verdades, o Buda ensinou por quarenta anos, métodos diversos adequados às necessidades das pessoas que surgiam diante dele. Como um médico habilidoso, ele receitava para cada doença um remédio, e assim surge uma pletora de métodos, normalmente designados como 84.000 ensinamentos.
Para pessoas de menor coragem e compaixão, ele ensinou um método que estava de acordo com uma busca pessoal por autoaperfeiçoamento. Dessa forma estas pessoas poderiam obter um resultado extraordinário, a liberdade perante o sofrimento, porém não desfrutavam das qualidades e da vastidão da sabedoria de um Buda, sendo de benefício limitado para os outros.
Para aqueles de grande coragem e compaixão, ele ensinava métodos diferenciados, que partiam do princípio altruísta de colocar a iluminação dos todos como responsabilidade essencial do treinamento.
Historicamente, após o parinirvana (falecimento e realização final) do Buda, aos 82 anos de idade, os ensinamentos que centenas de seus alunos receberam foram passados de forma oral por muitos anos, até que alguns alunos se reuniram e compilaram os primeiros textos. Nessa altura, cerca de 250 AC, já havia várias formas de budismo existindo ao mesmo tempo.
Essas formas de budismo dizem respeito ao estilo de vida dos praticantes, monges ou leigos, aos treinamentos e ensinamentos que enfatizam, bem como uma série de fatores que pertencem ao âmbito da cultura. Assim, há o que se descreve como “escolas” budistas, onde o que as diferencia é que tipo de posições filosóficas elas sustentam ou não sustentam em torno das Verdades Nobres. Exemplos de escolas são “madhyamaka” ou “vaibhasika”. Também há o que se descreve como “tradição” budista, isto é, a forma cultural que determinado budismo assumiu, por exemplo “nyingma”, “soto zen” ou “theravada”. Algumas vezes o que uma tradição hoje considera uma escola, já foi uma tradição que desapareceu, e da qual só restaram os textos. Há também mais de um código de conduta monástico, o que dá origem a “ordens”, hoje em dia há basicamente duas ordens monásticas “Dharmaguptaka” e “Mulasarvastivada”. Algumas tradições também diferenciam “veículos”, isto é, dividem seus ensinamentos e os do budismo em geral em categorias que dizem respeito a métodos, resultados e eficácia, daí “mahayana”, “hinayana”, “vajrayana” etc. Além disso, é possível explicitar diferenças num âmbito cultural mais amplo, como “budismo tibetano”, “budismo antigo”, “budismo do sul da Ásia” etc.
Todas as tradições possuem em comum as verdades nobres, e portanto a ideia de que a prática budista envolve visão, método e resultado. Por visão se quer dizer a perspectiva que diz respeito a reconhecer a insatisfatoriedade e uma possivelmente uma série de pontos filosóficos que dizem respeito a como as coisas de fato são, de um ponto de vista intelectual. Com relação ao método, em geral ele é chamado de meditação, e diz respeito a transformar a visão em algo funcional, operante em todos os aspectos da vida, e não apenas ideias que se tem e que se pode perder. O resultado é o despertar de um Buda. Todas as tradições concordam que todos os seres podem acordar e reconhecerem-se Budas, e todas concordam que há vários métodos, e que não é preciso aplicar todos — apenas aquele que é mais adequado. Algumas escolas acham viável atingir isso muito rápido, “nesta mesma vida”, outras acham isso muito difícil ou improvável, mas não impossível.
De toda forma, mesmo sem o resultado final também há os benefícios temporários da prática budista, que são longevidade, boa saúde, boa fortuna, bons amigos e boas condições em geral, assim por diante. Todas essas coisas são resultados naturais da prática virtuosa em qualquer tradição genuína, e só se tornam problemas quando passam a ser prioridade em detrimento do resultado definitivo.
Assim é preciso explicitar as peculiaridades do budismo: é uma religião sem necessariamente a noção de um criador, na qual a palavra do fundador não é revelada, mas sim explicitada como um método a ser testado (como o método científico), mas que não abre mão de noções de fé ou devoção. O Buda foi abraçado pelo hinduísmo como mais um de seus deuses, porém o budismo é uma escola não ortodoxa do ponto de vista hindu, no sentido de que não se ocupa das escrituras reveladas dessa tradição, e possui pontos filosóficos distintos.
A vasta diversidade de formas de budismo se deve não apenas a eventuais discordâncias e disputa sectária, mas da própria natureza do ensinamento do Buda, com um ensinamento sobre medida para cada necessidade.
O objetivo do budismo, enfim, é despertar para a natureza definitiva além da insatisfatoriedade e repleta de todas as qualidades de sabedoria e compaixão, e o método é esforçar-se em trazer benefício aos outros e a si mesmo através de criar as causas e condições para a felicidade temporária e definitiva de todos os seres, bem como “treinar” a própria mente, isto é, desenvolver hábitos conducentes a essas causas e condições, e eliminar os hábitos não conducentes a elas. Nem tudo que tem essas características é necessariamente budismo, mas o budismo com certeza tem essas características.
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