Louis C. K. — Visceral, Emocional, Digital
Para Aristóteles, rimos de individuos inferiores ou feios porque sentimos alegria ao nos reconhecermos superiores a eles1Poética, 1449a, p. 34-35.. Considerando isto cogente, Louis C. K. e outros grandes comediantes modernos conseguiriam se colocar numa posição grotescamente inferior, e nós ficaríamos felizes com nossos pequenos defeitos, comparativamente falando.
Porém, desde a grécia antiga, alguns loops de ironia mais tarde, e perspectivas mais evolucionistas2Evolucionistas porque alguns teóricos veem o humor como uma das marcas de promessa de inteligência para a prole, porque empatia, ao contrário de cegueira mental (a incapacidade de reconhecer a teoria mental do outro, como Simon Baron-Cohen identificou nos autistas, por exemplo) é também contraproducente evolucionariamente, e porque o humor que ri do outro enquanto burro, fraco, ridículo, embaraçoso e assim por diante, é o humor que agrada o inferior, e é tido como low-brow, e não sobrevive como arte. e menos fixas e sublunares do afeto e das relações entre as pessoas, podemos ver o comediante como aquele que usa a própria fraqueza como alívio para o outro. E assim rimos porque vemos uma liberação de nossas fraquezas, não porque nos achamos superiores.
O caso paradigmático de Louie é assombroso. Três elementos centrais na sua comédia são 1) o autorridículo; 2) a autenticidade; 3) habilidade sobre-humana.
Quanto ao autorridículo, é ele mesmo que surge envolto numa empatia tão vasta que não deixa entrever qualquer tipo de julgamento. Rir de Louie é aceitar um ser humano se reconhecendo em suas falhas e diligentemente mesmo assim tentando fazer o melhor. Rir de Louie não é passar vergonha alheia, e rir nervoso do constrangimento, como um conhecido tentou me justificar. Longe disso, nós rimos porque não há vergonha, porque a vergonha é liberada.
Ademais, Louie é, como ele mesmo sempre enfatiza, por baixo de toda aquela masturbação, feiura, gula e flatulência, essencialmente um pai provedor. Ele diz “eu sou um bom pai”, e ele não perde oportunidade para o agridoce, o terno, o triste — o mais delicado e elusivo tipo de comédia: o elemento central através do qual palhaços como Chaplin e Woody Allen vingaram como gênios (e a única coisa que falta a um Larry David3Não me entenda mal, adoro Curb Your Enthusiasm, e a soma total da obra é impressionante, mas o humor judeu de Larry é pálido perante o negrume (Chris Rock concorda) de Louis C. K., que tem tudo, menos a conexão emocional).
Agora, o barato final da comédia não é nem o visceral nem o emocional, mas a prestidigitação cerebral — Louie, nas palavras de Jerry Seinfeld4Em Talking Funny, onde Chris Rock e Ricky Gervais se reunem com Louis e Seinfeld. (que é um escultor do humor, mas pasteurizado demais), é um acrobata. Numa sequência rápida de piadas sobre estupro, que faria Rafinha Bastos corar por mais de uma razão, ele chega vez após vez no limiar de nos ofender profundamente, só para engatar ainda mais uma punch-line. Nosso cérebro fica como a cabeça de um gato atrás de um inseto voador — “mas o que esse cara tá falando é aceitável?” — não chega a dar tempo de concluir esse pensamento. E, como Seinfeld aponta, ele dança no meio dos lasers de nossa reprovação, sem fazer soar nenhum alarme.5É importante também lembrar da capacidade técnica de Louis, que se ocupa com detalhes como lentes e iluminação e faz a edição do próprio material em seu computador pessoal.
O mesmo ele faz com a figura das filhas: um radialista pergunta “hey, você não está levando essas meninas para o psiquiatra no futuro?” — se referindo ao uso de histórias embaraçosas do cotidiano deles tanto no stand-up quanto nas duas sitcons produzidas por ele. Essa é uma linha delicada para muito artista, e particularmente no mundo das câmeras de celular e dos reality shows de hoje, mas a verdade é que Louis não fala nada de grande consequência sobre elas.
É nesse sentido também que Aristóteles está errado. O comediante, em especial o de stand-up, é um entertainer cuja performace maravilha, também, pela perícia. É um cara na corda bamba. Isso fica ainda mais claro com hecklers, ou quando o comediante mostra sua estabilidade emocional após errar duas ou três piadas consecutivas.
No caso de Louis C. K., Marc Hirsh6em How Louis C.K. Is Reinventing The Sitcom By Being More Like Donald Duck levanta ainda a questão da fragmentação da narração no seriado Louie. O que a princípio surge como uma edição preguiçosa (Louis é faz tudo, e provavelmente mete a mão na edição também) se revela uma maestria de timing e fluidez pós-moderna.
Louie é simplesmente o melhor da comédia na TV hoje, e a TV, no que ela faz de melhor, está significativamente mais relevante (mais bem escrita também) que o cinema já há algum tempo.
Publicado em dezembro de 2011.
1. ^ Poética, 1449a, p. 34-35.
2. ^ Evolucionistas porque alguns teóricos veem o humor como uma das marcas de promessa de inteligência para a prole, porque empatia, ao contrário de cegueira mental (a incapacidade de reconhecer a teoria mental do outro, como Simon Baron-Cohen identificou nos autistas, por exemplo) é também contraproducente evolucionariamente, e porque o humor que ri do outro enquanto burro, fraco, ridículo, embaraçoso e assim por diante, é o humor que agrada o inferior, e é tido como low-brow, e não sobrevive como arte.
3. ^ Não me entenda mal, adoro Curb Your Enthusiasm, e a soma total da obra é impressionante, mas o humor judeu de Larry é pálido perante o negrume (Chris Rock concorda) de Louis C. K.
4. ^ Em Talking Funny, onde Chris Rock e Ricky Gervais se reunem com Louis e Seinfeld.
5. ^ É importante também lembrar da capacidade técnica de Louis, que se ocupa com detalhes como lentes e iluminação e faz a edição do próprio material em seu computador pessoal.
6. ^ em How Louis C.K. Is Reinventing The Sitcom By Being More Like Donald Duck
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