Documentários e filmes sobre seitas e gurus falsos
O Guru de Ordjen (provavelmente hoje Paquistão), Padmasambhava profetizou que em nossos tempos uma em cada 20 pessoas se diria portadora de grande sabedoria e experiência de vida, afirmaria ser efetivamente capaz de ensinar e ajudar os outros, e que assim falsos gurus seriam muito comuns.
Com certeza também devido a isso nossa cultura veio a se mostrar tão cínica com o termo “guru”, que significa algo como “professor”. Quase não conseguimos pensar o termo sem antever enganação.
No livro Feet of Clay (“Pés de Barro”, "[Santinho] do pau-ôco", implicando o ditado em inglês que os ídolos têm pé de barro, isto é, no fundo, não se sustentam, são falsos) Anthony Storr — psiquiatra mais conhecido como biógrafo de Carl Jung — examina as características psicológicas que levam ao extremo carisma combinado com comportamento narcisista, psicopata ou criminoso de vários líderes (especialmente religiosos, mas não só), começando com os que causaram suicídio coletivo e atos de violência, passando pelo abuso financeiro e sexual e o mero charlatanismo desbragado, e terminando com alguns exemplos, senão perfeitos ou bons, bastante mais brandos, como os próprios Freud e Jung. Alguns dos focos dos documentários abaixo são capítulos deste livro (Osho, Jim Jones, David Koresh).
Storr associa ao líder carismático, em particular os mais funestos, à característica deles nunca terem conseguido, desde crianças, encarar os outros como iguais.
Alguns estudiosos da sociologia (Foucault, por exemplo) diriam que essa é uma impossibilidade, porém, todos nós que não nos tornamos líderes carismáticos, sabemos em certa medida lidar com algumas pessoas em pé de igualdade.
O mais impressionante talvez não seja que algumas pessoas sejam incapazes de qualquer nível de sentimento de igualdade, mas que essa assimetria se torne fascinante para os seguidores. Isto é explicado pela natureza da relação com os pais, já que, em geral, o guru (e alguns diriam a religião de forma geral) é um substituto deles ou uma superestrutura que segue nos fornecendo ao longo da vida, um eixo “melhor” do que nossa família, quando ela se mostra imperfeita.
Nada de necessariamente errado com isso, mas e quando os novos pais abusam de seus filhos?
Alguns dos documentários mais interessantes que já assisti tratam dessas figuras. Posso facilmente perceber o fascínio dos seguidores, o rompimento radical com a sociedade normótica para a criação de uma “sociedade alternativa”, e os muitos valores positivos que invariavelmente estão presentes, pelo menos nos seguidores e no início, ainda que acabem tristemente corrompidos.
Há um elemento de nostalgia e extremo pathos nas imagens de gente jovem sendo ludibriada, e há algo a respeito dos anos 60 ao início dos 80 — período em que a maioria desses documentários se passa — que também acho fascinante.
Além disso, um dos meus professores (um, ora, guru) no budismo recomendou o livro de Storr publicamente, e assim acho que esses documentários são também bons no mesmo sentido de aviso — isto é, não quero jamais implicar que todo o guru seja um farsante, e que toda a relação hierárquica, desigual e assimétrica seja um problema (a maioria não é, a começar pela relação entre pais e filhos) —, mas é sempre, em todos os casos, bom abrir os olhos e não se deixar enganar.
O mais impactante e impressionante de todos os documentários que recomendarei é esse aqui:
Jonestown: The Life and Death of Peoples Temple (2006)
Na minha infância o programa do Chico Anísio parodiava um pastor falcatrua de TV com o nome de Tim Tones, que é uma brincadeira — em retrospecto percebo, um bocado macabra — com o nome de Jim Jones, que foi responsável pelo suicídio de mais de 900 pessoas na Guiana (Inglesa, aqui na América do Sul, embora a maioria das pessoas envolvidas fosse estadunidense e afrodescendente).
Paranoico pelo abuso de drogas e possivelmente outros problemas psiquiátricos, Jim Jones se sentia perseguido pelo governo estadunidense, e promoveu o suicídio coletivo como uma forma de já “irem direto para o céu e evitar aquela complicação toda”.
Primeiro os pais deram ki-suco com veneno para as crianças e, enquanto estas gritavam de dor, eles mesmos o tomavam.
O documentário entrevista vários sobreviventes e mostra um pouco da história da igreja de Jim Jones, explicando por que aquela figura era tão carismática e que tipo de poder que ele tinha sobre as pessoas.
Mas o que faz desse um documentário de gelar o sangue nas veias é que ele foi feito exatamente quando o som e as imagens do suicídio coletivo — tudo havia sido filmado, fotografado e gravado — tiveram o sigilo legal prescrevido. Portanto, o documentário é extremamente gráfico e desesperador. Ele pode ser baixado em torrent (se consegue legendas em português) ou assistido no Internet Archive.
Um dos documentos antropológicos e psicológicos mais importantes para o entendimento de seitas e dos extremos a que elas podem levar.
Outros documentários sobre o mesmo incidente são Jonestown: Terror in the Jungle (2018), uma série documental bem mais recente e com seis horas de duração, Jonestown: The Women Behind the Massacre (2018), Guyana: Cult of the Damned (1979), também chamado de Guyana: Crime of the Century, uma dramatização mexicana feita poucos meses após o evento, com vários erros, mas muito interessante, embora difícil de achar, Guyana Tragedy (1980), The Jonestown Massacre: Paradise Lost (2007), um docudrama, The Final Report: The Jonestown Tragedy (2006), Jonestown Cult Suicides (2007). Também há um filme com uma trama ficcional que alude ao incidente em Jonestown, The Sacrament (2013). Além disso, você pode assistir as imagens de arquivo da NBC no youtube, NBC Archive Footage of Jonestown.
Wild Wild Country (2018)
Documentário muito bem feito e sem dúvida surpreendente sobre a comuna de Osho/Rajneesh no Oregon, a primeira organização a perpetrar um ataque biológico dentro dos EUA1Ou pelo menos da república nos EUA, se contamos o uso proposital de cobertores contaminados com varíola pelos colonizadores para dizimar os nativos.
Tudo soa bem até atrito com o mundo exterior — exatamente como ocorreu em Jonestown, mas menos grave — gerar paranóia e violência. Quando os “justos” começam a acreditar que estão além da ética, é aí que temos uma seita perigosa. A parede de negabilidade legal oferecida pela interface do líder com sua chefe executiva também é um elemento interessante dessa série, isto é, o líder se exume da participação nas decisões ilegais, ainda que ele as incite em privado. E daí no fim, os seguidores sempre podem dizer que a culpada foi a aluna, que teria desvirtuado os ensinamentos do mestre. Há um documentário só sobre ela, Searching for Sheela (2021), embora ela não diga nada novo ou de substância sobre ela mesma ou sobre o Osho.
Krishnas: Gurus. Karma. Murder. (2023)
O movimento Hare Krishna parece tão simpático, e na verdade, em sua maior parte, creio que é mesmo.2Eu, como budista, já ouvi agressões sectárias por parte dos donos de um restaurante Hare Krishna aqui em Porto Alegre. Nunca mais fui ao lugar. É importante entender que se trata de um movimento de neo-hinduísmo, isto é, é uma seita hindu criada no pós-guerra, para atender uma demanda global por um hinduísmo praticável fora da etnia. Não parece haver nada de muito errado com o fundador, Swami Prabhupada. Porém, na hora de morrer e transferir o poder de guru para alguns alunos, talvez tenha dado problema. Já dava para ver que Swami Kirtanananda, um dos sucessores estabelecidos nos EUA, tinha umas questões meio esquisitas. Mesmo assim, conseguiu ascender ao trono mais elevado nos EUA, e de lá mandou matar duas pessoas, além de cometer abuso financeiro e as coisas usuais de seitas que fazem de tudo entre espionagem, chantagem e tortura para não deixar pessoas saírem. Também tem abuso de crianças — especificamente pelo Swami, e também uma cultura que permitia abuso de mulheres e crianças —, se já não era o suficiente.
The Vow
Celebridades, anorexia forçada, marcas a ferro perto da virilha: tudo isso em meio a um processo de desenvolvimento pessoal ao estilo corporativo, quase AMWAY, e um falso guru que engana até o Dalai Lama. Os documentários saíram enquanto o processo corria na justiça. Além do maior deles, o The Vow linkado acima, também temos outra perspectiva em Seduced: Inside the NXIVM cult, e um documentário de menor qualidade (mas bem mais rápido), Branded and Brainwashed.
Outra seita que, seguindo o mesmo padrão de imitar empresa de tecnologia na abordagem e empreendedorismo, se volta a explorar o amor romântico, e com gente mais mal vestida e classe média, já rendeu duas séries documentais Escaping Twin Flames (2023) e Desperately Seeking Soulmate: Escaping Twin Flames Universe (2023), e parece ainda estar em atividade.
Holy Hell (2016)
A seita “Campo de Budas”, Buddhafield foi liderada por um dançarino loiro de sunga e com delineador nos olhos que exige extrema disciplina, e muito dinheiro, de seus seguidores. Após Waco, Jaime Gomez (também conhecido como Michel, Andreas, O Professor ou Reyji) ficou muito paranoico, passou a fazer mais cirurgias plásticas e recomendá-las aos seguidores. Não ajudou muito ele ter criado um sistema de delação mútua entre os seguidores.
As maiores acusações são referentes a abuso dos seguidores masculinos, cujas denúncias ele impediria com chantangem obtidas em entrevistas gravadas sob hipnose.
Outras seita similar é The Way Down (2021), voltada para aparência e emagrecimento.
Love Has Won: The Cult of the Mother God (2023), é outra seita com alguns conceitos semelhantes a Twin Flames, e que também usou e abusou das redes sociais. Porém é uma seita diferente no que sua guru foi talvez a pessoa mais prejudicada pela cena que criou. Em certos sentidos é a coisa mais próxima de Charles Manson, em que se tratam de pessoas espezinhadas pela sociedade que se reúnem numa família improvisada, e em meio a drogas, entram num delírio coletivo. Por sorte, pelo menos até agora, as crenças absurdas da seita só redundaram em uma única morte.
Heaven's Gate: The Cult of Cults (2020)
Na década de 1940, Carl Jung disse que as pessoas substituiriam o imaginário religioso tradicional por extraterrestres, mas ele nunca imaginou suicídio coletivo como modo de viver em outro planeta. Não fosse Jonestown, esta seria a seita por excelência, o arquétipo das seitas. Há vários documentários sobre a estranha vida dessas pessoas, e sobre seu final trágico. Um deles é The Cult: Heaven's Gate Story (2002).
The Enlightenment Fraud of Zen Master Rama (2023)
Atrocity Guide é um canal que lida com assuntos anômalos, especialmente da própria internet, mas também em geral. A qualidade de produção é muito boa, e o conteúdo é bastante único. Recomendo entusiasticamente.
Outros conteúdos pertinentes a seitas do Atrocity Guide são The Strange World of Bretharianism, It's embarassing to die: the immortalist story, The Dolphin House e The Cult of Andrew “ThanFiction” Blake.
Children of God: Lost and Found (2007)
Feito pela HBO, o filme mostra um pouco da história da Família Internacional, anteriormente chamada “Filhos de Deus” (ou “Meninos de Deus”, segundo a Wikipédia em português), daí o título do documentário.
O falso guru David Berg fundou essa organização meio hippie, meio cristã, onde todo tipo de esquisitice começa a ocorrer. Ele mesmo é acusado de pedofilia e antissemitismo. O que é certo acima de tudo é que um dos modos de angariar seguidores que ele estabeleceu foi a “prostituição sagrada”, chamada por Berg de Flirty Fishing, ou “pescaria com flerte” — pescaria, é claro, num sentido bíblico, de Jesus e certos discípulos —, que eram pescadores e daí Jesus faz aquela metáfora de que agora iriam pescar pessoas, algo assim, desculpem, minha catequese vai mal. Para este fim, entre a publicidade e os manuais de “fisgação”, havia inclusive histórias em quadrinhos.
Os atores River e Joaquin Phoenix, bem como Rose McGowan, passaram parte da infância nesta seita. Muitas das pessoas em posição de proeminência cometeram suicídio nos anos após a morte de David Berg, enquanto surgiam revelações sobre a promoção de abuso sexual de crianças em meio aos seguidores.
A reação ao movimento acabou criando a primeira organização antisseita, a FREECOG, que infelizmente acabou sendo comprada pela Igreja da Cientologia.
Sim, a Cientologia comprou uma organização antisseita.
Going Clear: Scientology & the Prison of Belief (2015)
My Scientology Movie (2015), Louis Theroux documenta sua investigação sobre o que ocorre nos confins da cientologia.
Leah Remini: Scientology and the Aftermath
The Secrets of Scientology (2010) e Scientology and Me (2007)
Falando em Cientologia, esses dois documentários para o programa Panorama da BBC, e preparados por John Sweeney não são exatamente satisfatórios. Sweeney tenta expor algumas das grandes desconfianças em torno da cientologia — lavagem cerebral, espionagem, chantagem — e consegue alguns depoimentos impressionantes.
Mas a impressão que se tem é que antes de algum escândalo muito grande acontecer, o poder da Cientologia ainda é forte demais para que se entenda o que realmente acontece nos “níveis mais altos” da organização.
Um documentário realmente impactante e interessante com relação a Cientologia só vai ser possível quando isto ocorrer.
Se eu estivesse escrevendo isto em inglês, eu me preocuparia em ser processado por meramente tratar a Cientologia como seita, veja só.
Manson (1973)
Há muitos filmes e documentários sobre Charles Manson e os crimes perpetrados por sua “família”, mas esse é interessante por ser um documento de época, com cenas dentro do rancho onde eles viviam, e entrevista com vários membros ainda jovens e ainda fascinados por Manson.
O julgamento de Charles Manson foi a primeira jurisprudência de “lavagem cerebral” como argumento para o mandante de um crime. Na época, nenhum dos acusados quis entregar o líder, que teria indicado ou dado a ordem de matar a jovem e linda Sharon Tate, então esposa e grávida de Roman Polanski, e mais uma meia dúzia de pessoas.
Com requintes de crueldade.
Manson, filho de uma prostituta de 16 anos, passou a maior parte da juventude em reformatórios por crimes pequenos. Em meio a drogas e papos apocalípticos, convenceu alguns jovens a morar no rancho cedido por um senhor cego em troca de favores sexuais das meninas.
Alimentavam-se de restos de lixo do supermercado, enquanto Manson, fascinado pelos Beatles e outros músicos, tentava brilhar como uma celebridade do mundo da música. Quando se sentiu prejudicado em alguma promessa de promoção musical, e também por motivos evidentemente irracionais, tornou-se cada vez mais violento e convenceu os jovens a matar.
Muitos dos seguidores de Manson foram presos, alguns com longas penas ou prisão perpétua. Até pouco tempo antes de morrer, Manson, em uma prisão de segurança máxima, casou com uma moça jovem, frequentemente aparecia em vídeo, e ainda sustentava uma aura de fascínio macabro a seu redor.
O documentário Manson tem um estilo datado, com boa parte da narração pelo próprio promotor público que conseguiu a condenação de Manson. É uma pedra em cima do caixão do sonho hippie, já que a associação era inescapável, e o tom é “vocês viram o que acontece quando a cultura começa a louquear?”
Também assistíveis The Six Degrees of Helter Skelter, de 2009, e enfim a série Helter Skelter: An American Myth, de 2020.
Em termos de ficção, sobre Charles Manson, o melhor filme é Helter Skelter (1976) — se você não conseguir esse, o Helter Skelter (2004) é bem assistível também, bem como Charlie Says (2018). The Manson Family (2003) não é tão legal, e não vale tanto a pena. Claro que temos também o Once Upon a Time in Hollywood (2019), que vale por certas caracterizações, pelos atores escolhidos, mas que no fundo mais frustra do que qualquer coisa.
The Source Family (2012)
Se Manson era o pior cenário da onda hippie, The Source Family é o melhor. E também não é exatamente bonito de se ver.
James Baker, o Father Yod, era um sujeito bonitão e milionário, mestre em artes marciais com algumas mortes nas costas, que passou por uma crise/revelação “espiritual” e começou a agremiar jovens ao redor. O restaurante que dá nome a família, o “The Source”, foi um dos primeiros restaurantes naturebas da Califórnia, e aparece, por exemplo, no filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa de Woody Allen, e foi motivo de chacota pelo Saturday Night Live em suas primeiras temporadas.
Os jovens que trabalhavam nesse restaurante moravam em comunidade na casa do Papai Yod, onde passavam os dias “meditando”, se amando, fumando maconha e tocando rock'n'roll. Até aí, mais ou menos tudo bem.
Mas tem sempre aquelas esquisitices e dificuldades de qualquer seita: grana confiscada, menores e crianças nascendo em meio a uma... criação um tanto diferente, o líder começa com uma regra de um homem e uma mulher e, de uma hora para a outra, muda para um homem e muitas mulheres — para ele pelo menos — e assim vai.
Perto das outras seitas descritas acima, são quase santos, mas não é bem assim. Entre os sobreviventes há uma diversidade de relatos, alguns muito arrependidos, outros nem tanto, e pelo menos um ou dois ainda seguidores.
O documentário, de toda forma, é muito interessante. E se você, como eu, tem certo fascínio (ambivalente, meio jocoso, que seja) pelos hippies, vai adorar.
É um documento antropológico.
Heaven and Hell, The Centrepoint story (2021)
Centrepoint era uma comunidade na Nova Zelândia fundada por Bert Potter e 36 outras pessoas. Ela foi formada nos moldes de grupos de encontros terapêuticos estabelecidos na Califórnia nos anos 1960. Ela chegou a ter 200 pessoas.
Eles fabricavam MDMA (êxtase) e vários dos líderes abusavam de crianças.
Outro documentário sobre a mesma comunidade é Angie (2018).
The Family (2016)
Esta é uma seita australiana em que uma mulher, além de abusar financeiramente da comunidade que formou, e ensinar algumas das coisas mais comuns entre seitas new age, sequestrava crianças para então tingir os cabelos de loiro platina e dar um penteado específico, e então os colocava para trabalhar incessantemente e sem diversão, e, para a cereja no bolo, de vez em quando os submeter a sessões de tortura psicológica com LSD. Não confundir com as Families do David Berg, James Baker ou Charles Manson, nem com a The Family ficional evangélica.
Um documentário australiano sobre eles é The Cult of the Family (2019). A série dramática The Clearing (2023) é claramente baseada no mesmo movimento, mas tem vários elementos ficcionais adicionados.
Jesus Camp (2006)
Que tal treinar sua criança para se tornar um pastor evangélico? Mas não um assim, básico. Um tele-evangelista de monta! Essa é a premissa do acampamento de que trata o documentário. Há uma série sobre a influência da bancada evangélica nos EUA The Family (2019), bem como, é claro, a comédia Righteous Gemstones (2019).
Deliver us From Evil (2006)
Um jeito cínico de falar de religião, é que seita seria apenas uma religião sem poder político. No caso do Catolicismo, nós temos aparentemente um problema sistêmico com abuso de crianças.
Enquanto aguardamos um bom documentário sobre o abuso de nativos no Canadá (e por muitos outros lugares), ficamos com estes conteúdos: The Magdalene Sisters (2002) e The Keepers (2017).
Prophet's Prey (2015)
A Igreja dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecidos como movimento Mórmon, apesar de uma forma de cristianismo extremamente bizarra, alvo dos humoristas do South Park, teve um candidato viável a presidência estadunidense nos últimos anos (Mitt Romney), e conseguiu se adaptar em certa medida e ser basicamente respeitada como um movimento religioso aceitável. Porém, há esqueletos no baú, e algumas vezes eles ainda se mexem.
Entre as muitas bizarrices do movimento (que tem batismo após a morte, cuecas sagradas e Jesus interplanetário), o ponto crucial é a prática de poligamia, com esposas bem jovens, algumas vezes crianças. Claro que isto é coisa do passado, só quando não é! E volta e meia se descobre um grupinho praticando “o verdadeiro mormonismo”, que não envolve exatamente um poliamor igualitário, o que poderíamos até justificar no mundo multicultural de hoje, mas o que se configura mais exatamente como pedofilia serial com trabalho escravo.
Embora a situação apresentada no Prophet's Prey seja a mais intensa e ampla em tempos recentes, outros conteúdos documentais são Three Wives, One Husband (2014), Escaping Polygamy (2014) e Sons of Perdition (2010). Entre os conteúdos de ficção baseados no tema estão Big Love (2006) e Under the Banner of Heaven (2022).
Waco: The Rules of Engagement (1997)
Esse documentário é mais difícil, porque a maior parte dele se passa dentro de audiências no congresso dos EUA, tentando esmiuçar o que exatamente deu errado quando a polícia (principalmente) matou um bocado de gente da Seita do Ramo Davidiano, emboscados numa casa em Waco, no Texas.
Todos hoje parecem concordar que foi um erro do FBI, ainda que David Koresh casasse com crianças de quatorze anos — mais de uma — e estivesse acumulando um arsenal para o fim do mundo (que ele, é claro, como qualquer um faria, confundiu com o cerco policial).
Em meio a essa audiência, são mostrados depoimentos dos membros da seita, gravados horas antes de serem mortos, como uma tentativa de convencer o público e a polícia de que não estavam fazendo nada de errado.
As séries Waco (2019) e Waco: The Aftermath são muito boas, e vale muito a pena assistir as duas. Há também um filme para TV chamado Ambush in Waco: In the Line of Duty (1993), mas não é muito bom.
Unorthodox (2020)
Drama surpreendente sobre uma moça que deseja se desvencilhar de sua criação como judia ortodoxa, e as claras dificuldades em se fazer isto. Como um contraponto do mundo árabe, temos Caliphate (2020).
Outros filmes e séries relacionados
Sobre os efeitos das seitas sobre as vidas e psiques das pessoas, Martha Marcy May Marlene (2011) é um bom filme.
Holy Smoke (1999) explora o mesmo tema e tem atores interessantes: Harvey Keitel e Kate Winslet.
Keitel é um especialista em “desprogramação”, isto é, um cara que faz a lavagem cerebral para a “normalidade” depois que você passou pela lavagem cerebral da seita. E Winslet é a vítima da seita, que não está nem um pouco interessada em ser desprogramada, mas que é sequestrada por Keitel a mando da própria família.
Outro bom filme sobre desprogramação é Faults (2014).
The Master (2012) é um filme muito bom e com boas atuações, mas que prefere o caminho da ambiguidade moral porque, é claro, o Paul Thomas Anderson é um sujeito sofisticado, e então ele não toma partido. O guru é extremamente semelhante a L. Ron Hubbard, fundador da Cientologia e, portanto, o filme poderia ter seguido na direção de uma boa crítica dela. Mas não, o filme acaba quando a organização está começando a virar um mega empreendimento, na Inglaterra.
E a relação é totalmente indireta, só feita por quem conhece bem a vida do fundador e alguns críticos de cinema. Você sai do filme com a sensação de ter visto algo impressionante — as atuações são fantásticas — mas também com um grande “e daí?”.
O que é uma sensação interessante, mas seria legal um filme mais maniqueísta sobre o L. Ron Hubbard: talvez eles nem consigam fazer, com toda a malha de pressão da Cientologia sobre Hollywood hoje.
Savage Messiah é um filme canadense que mostra uma história real sobre um falso guru de pequena monta e seu controle abusivo sobre várias mulheres e os filhos. Uma agente social começa a investigar a situação, e passa por vários percalços usuais em sua tentativa de evidenciar o sofrimento da comunidade.
Ticket to Heaven (1981) é um dos primeiros filmes que trata da questão de seita e desprogramação, e sendo pioneiro, tem seus defeitos. No entanto, a trama é sólida e o filme mantém o interesse até o final. O problema é que a qualidade em que se encontra para assistir fica muito a desejar — só se consegue em qualidade de VHS.
Mais recentemente, começaram a aparecer comédias com a temática das seitas. Apesar do sensacionalismo e o tom sarcástico, How to Become a Cult Leader (2023) é rápido e divertido em contar os principais detalhes sórdidos de cada seita. O desenho animado Praise Petey (2023) usa uma seita fictícia como base. E, é claro, Unbreakable Kimmy Schmidt (2015) fez a mesma coisa antes, a diferença é que este trata de uma vítima, o desenho, por outro lado, tem como protagonista a filha do falso guru, descobrindo aos poucos se quer desfazer ou continuar a seita. Righteous Gemstones (2019) também precisa ser mencionada neste contexto.
Evitei mencionar filmes com seitas macabras que são meras vilãs na trama, no sentido do protagonista as ver com estranhamento/não se envolver, ou de serem muito sobrenaturais, ou sem realismo. Também evitei mencionar o péssimo Kumare (2011), que é um documentário-pegadinha desonesto e de ética duvidosa — se você tem a edição do seu lado, e você quer fazer os outros de idiota, isso não é difícil em nenhum contexto. Também, por motivos óbvios para quem assistiu, deixei de lado o filme Sound of my Voice.
The Path (2016) também não achei relevante ou particularmente profundo com relação a mentalidade de seita, embora a série tenha acabado na terceira temporada, e se tivesse continuado poderia ter ficado interessante.
Vale lembrar que agora existem alguns programas seriais sobre seitas, tais como Deadly Cults (2019) e People's Magazine Investigates Cults (2018).
Ao pesquisar para este artigo, me deparei com alguns títulos que ainda vou assistir, como Marjoe (1972), The Cult at the End of the World (2007), God Willing (2010), American Commune (2013), Join Us (2007) (baixável em torrent como Leaving the Cult), A (1998), Red State (2011), Save Me (2017), Blinded by the Light (1980), Sacred Lies (2018), Them that Follow (2019), Apostle (2018), The Endless (2017), The Invitation (2022), Son (2021) e Split Image (1982).
Este artigo foi comissionado para outro site em 2013, passou por alterações grandes quando eu o trouxe de volta para tzal.org em 2019, e uma nova alteração grande em 2023.
1. ^ Ou pelo menos da república nos EUA, se contamos o uso proposital de cobertores contaminados com varíola pelos colonizadores para dizimar os nativos
2. ^ Eu, como budista, já ouvi agressões sectárias por parte dos donos de um restaurante Hare Krishna aqui em Porto Alegre. Nunca mais fui ao lugar.
O Bate-Papo do Caroço de ir Além do Cair-a-Ficha
Xaribão-Sangue-Bão intima Tô-Ligado-nos-Gemido-do-Mundo pra dar umas reais. Texto de 1996, em Memórias do Neto de Dacum o Aborígene (outrora intitulado “c1ber%amanism0”), e não me digam que não me esforço para popularizar o darma!
Robô significa escravo: o humano na senzala algorítmica
Muito se fala de tecnologias disruptivas, particularmente desde os anos 2010. Entre todas elas – até mais do que bioengenharia e nanotecnologia, duas coisas com óbvio potencial de por si só virar tudo de cabeça para baixo – a inteligência artificial é a queridinha do momento. Não que o alarme não tenha soado, com figuras como Stephen Hawking, Dzongsar Khyentse Rinpoche e Elon Musk fazendo advertências bem públicas quanto a seus perigos. No entanto, o grande problema da inteligência artificial já pode ter cerca de 200 anos, e não tem tanto a ver com computadores – como é isso?
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