30. Kambala
O iogue do cobertor negro
A vasta extensão e profundidade do oceano está carregada de tesouros;
Quão maravilhosa é a riqueza usufruída pelos reis naga!
Desde o início, toda luz e som é o dharmakaya;
Quão incrivelmente sublime é o deleite dos adeptos realizados!
Na terra de Kankarama, havia um rei que governava cerca de 8.400.000 cidades. Ele tinha dois filhos. Quando este rei morreu, o filho mais velho, que tinha um caráter virtuoso, foi consagrado como rei pelos súditos. Devido às virtudes do rei, os habitantes prosperaram; acabaram tão ricos que comiam em pratos de ouro.
Após se tornar rei, o príncipe, que não via sua mãe há muitos meses, perguntou: “Onde está minha mãe? Por que ela não vem mais me ver?” “Ela está de luto pelo seu pai”, foi a resposta.
Depois de um ano, a mãe apareceu chorando. “Por que está chorando, mãe?” ele perguntou.
“Estou chorando porque não estou feliz que você esteja sentado num trono adornado de joias, envolvido na atividade miserável de governar.”
Então o príncipe disse à mãe: “E se eu colocasse meu irmão mais novo para governar o reino e ingressasse na ordem monástica? Minha mãe ficaria feliz com isso?”
“Isso seria bom”", disse ela.
Ele então fez o que disse, entregou o reino ao irmão mais novo, ingressou na ordem monástica, e permaneceu em um vihara com o que acabou sendo um séquito de trezentos monges. Novamente, a mãe apareceu chorando.
Ele se prostrou a ela e disse: “Mãe, por que está chorando?”
“Ainda não estou feliz”, disse ela. “Embora você pareça um monge, ainda o vejo como um rei cercado de uma corte.”
“O que devo fazer, então?” perguntou o príncipe. “Abandone este mosteiro cheio de distrações. Vá para um local isolado e rústico”, respondeu.
Ele então se sentou ao pé de uma árvore em um lugar isolado, obtendo sustento a partir de esmolas, que devido a reverberação de sua generosidade passada na generosidade presente dos aldeões locais, era bem farto. Novamente a mãe chegou chorando, e mais uma vez ele perguntou a causa de sua tristeza.
“Que necessidade tem um homem santo dessas roupas e desses implementos?”
Então ele descartou as vestes e a tigela monásticas (que eram de fato um tanto requintadas) e adotou os costumes de um iogue. Ele vagou por doze anos por vários campos de cremação, onde dormia nas cinzas dos mortos. Em determinado ponto ele atingiu o siddhi do mahamudra, e se tornou capaz de voar. Voando, ele encontrou a mãe e seu séquito de dakinis. A reconhecendo como uma dakini, ele recebeu dela a iniciação de Chakrasamvara e os ensinamentos correspondentes.
Ela então advertiu: “De que serve ficar tão emocionado por ser capaz de caminhar no céu, se você não trabalha pelo benefício dos seres sencientes? Onde quer que seja possível, trabalhe incessantempara o bem dos seres.”
Então o mestre parou de ficar voando e com intenção altruísta partiu para o oeste, na direção de Malapura, em Uddiyana, uma cidade com 250.000 famílias. Na área de Karabir, ele encontrou a isolada Falésia de Banava, e se assentou em uma caverna chamada “Abertura no Topo das Palmeiras”.
As dakinis mundanas feiticeiras locais notaram a presença de um professor do darma em seu território. As bruxas conspiraram com sua rainha, Padmadevi, para criar obstáculos a sua prática.
O mestre, vestindo um cobertor de lã preta, foi pedir esmolas na cidade. No caminho, ele encontrou um grupo de jovens bruxas que o abordaram.
“O convidamos a nossa casa para oferecer uma refeição especialmente preparada para você. Venha, por favor.” “Eu não aceito a comida de nenhuma casa em particular, eu só como o que esmolo aleatoriamente.” Antes de partir, porque elas insistiram, ele confiou o cobertor de lã a Padmadevi, e seguiu caminho nu.
As bruxas então chegaram a uma conclusão: “As posses de um siddha têm poder, se comermos este cobertor, roubaremos seu poder.” Elas então o fracionaram e comeram alguns pedaços, jogando o resto ao fogo.
Quando o mestre voltou, ele disse às bruxas: “Devolvam o cobertor que confiei a vocês.” Mas as bruxas lhe deram outro em vez do seu. “Eu quero meu próprio manto”, disse o mestre. Elas ofereceram algum ouro como compensação, sem sucesso.
Ele ficou zangado e recorrer ao rei em protesto.
“Se você é o rei, por que não me protege contra ladrões?” “Que ladrões?” perguntou o rei. “Suas bruxas pegaram meu cobertor!", respondeu o mestre.
O rei então convocou as bruxas e ordenou que devolvessem o cobertor ao iogue. Mas elas alegaram que já não estavam em posse do cobertor, e que não poderiam devolver.
O mestre voltou para a caverna, ainda nu, e seguiu praticando. Ele ofereceu torma à consorte do Heruka, e quando uma bruxa fez secar a fonte de água da caverna, ele ordenou à deusa da terra que trouxesse água, o que ela obedeceu imediatamente, fazendo com que a fonte voltasse a ter água em quantidade.
Surgiu então uma oportunidade de controlar as bruxas, quando houve uma convenção enorme de dakinis maléficas no Monte Meru em Oddiyapa. Elas vieram dos quatro continentes para se reunirem ali. Num único instante, o siddha as transformou a todas, inclusive a rainha, em ovelhas. Padmadevi, pega de surpresa, implorou ao mestre para que a transformasse de volta a sua forma original. Ele concordou, mas antes disso tosquiou a lã de todas as ovelhas, e quando elas voltaram a sua forma original, estavam carecas.
As deusas do Desejo ainda tentaram atirar uma sobre ele — mas o mestre apontou o dedo indicador para cima, e a rocha voltou para o céu e ficou por lá.
Cortar seus cabelos teve pouco efeito, pois foi então, na Caverna do Topo da Palmeira, que as deusas da sensualidade tentaram assassiná-lo rolando uma enorme rocha sobre sua cabeça. Ele levantou a mão em um gesto de ameaça, e a rocha foi interrompida. Ela permanece lá, precariamente equilibrada até hoje.
Finalmente, o rei decidiu intervir, e aconselhou as bruxas: “Qual é o problema de vocês? Tantas bruxas não conseguem controlá-lo! Vocês deveriam se submeter ao siddha. Não há uma entre vocês que não tenha prejudicado alguém em algum momento. Vocês devem pedir perdão e jurar seguir o caminho da virtude.”
Impenitentes, as bruxas se recusaram a ouvir o rei.
O guru então atou as bruxas todas, e lhes disse: “Vocês, dakinis mundanas, vão ser controladas. Se vocês se recusarem a seguir minhas instruções e se recusarem no compromisso de proteger o darma, eu as enviarei para Yama Dharmaraja, o Rei do Darma e Senhor da Morte; e se vocês quebrarem o juramento de se abster do mal, eu as transformarei em éguas.” Temendo o poder do mestre, as bruxas tomaram refúgio e permaneceram fiéis ao compromisso.
As bruxas então regurgitaram cada um dos pedaços do cobertor que haviam comido. Após recompor os pedaços, o mestre descobriu que o cobertou ficara apenas um pouco menor do que era antes.
Este grande iogue ficou famoso com o nome Kambala ou Luabapa, Mestre do Cobertor, e também como Sri Prabhata. Após servir incontáveis seres por um tempo enorme, em seu próprio corpo foi para o Paraíso das Dakinis.
Traduzido por Padma Dorje em 2024, a partir de Masters of Mahamudra e Legends of the Mahasiddhas: Lives of the Tantric Masters, de Keith Dowman, Buddha's Lions: The Lives of the Eighty-Four Siddhas, de Abhayadatta, traduzido por James B. Robinson, Empowered Masters, de Ulrich Von Schroeder e Seeing the Sacred in Samsara: An Illustrated Guide to the Eighty-Four Mahasiddhas, de Donald S. Lopez, Jr. Por favor envie sugestões e correções para padma.dorje@gmail.com. 23/09/24
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