13. Tantipa
O Velho Tecelão
Entrelaçando a trama e a urdidura
guiado pelos preceitos do guru,
teço padrões de experiência
com fio invisível das cinco consciências.
Com a laçadeira das instruções do guru
e o meu tear de discernimento perfeito da vacuidade,
eu teço o darmakaya
a partir do espaço infinito e do jogo de puro conhecimento.
Na cidade de Sandhonagara vivia um tecelão que tinha muitos filhos. Ele trabalhou muito, e com sua habilidade acabou amealhando imensa fortuna. Ele passou seus conhecimentos aos filhos, e assim os casou bem a todos com esposas de boa família. Seguiram morando todos juntos, e toda a família prosperou ainda mais.
Quando o tecelão tinha oitenta e nove anos de idade, sua esposa veio a falecer. E essa triste ocorrência acelerou muito seu envelhecimento. Ele se descobriu senil, decrépito e sem firmeza no corpo. Suas noras o alimentavam e ajudavam, mas também reclamavam a seu respeito e manifestavam descontentamente com relação a ele aos maridos.
Uma delas disse, “Ele fala bobagens o tempo todo e nos envergonha perante os clientes.”
Outra disse, “A cidade inteira faz troça dele — e também de nós. Ele está arruinando nossa reputação.”
Ainda mais uma afirmou, “Ele está gerando carma negativo para toda a família. Você quer que seus filhos e netos acavem pobres como ratos num descampado?”
Os filhos acabaram acedendo, “façam o que vocês quiserem com ele, não queremos saber”.
As noras se reuniram, e seus corações eram bons o suficiente para não apenas mandar o velho embora. Elas só queriam que ele saísse de vista. “Vamos construir uma cabana de palha nos jardins”, resolveram juntas, “e assim podemos lhe oferecer as refeições ali, num lugar bonito e fresco”. Todas concordaram com isso, e foi o que fizeram.
E assim o velho foi banido da casa, de seu lar e do convívio familiar. E embora suas noras continuassem o alimentando, ele ficou cada vez mais amargo e ressentido. Sozinho em sua cabana de palha, ele começou a conversar com o vento.
Um dia, alguns meses depois do velho ser banido, por acaso o Guru Jalandhara estava passando por aquela região e acabou esmolando comida na casa do filho mais velho do tecelão. Eles o convidaram a sentar para esperar, e quando a esposa deste filho concluiu suas preparações culinárias, ela o convidou para que entrasse na residência. O guru então partilhou do alimento oferecido. Quando estava se preparando para ir embora, a mulher o convidou a ficar e dormir ali mesmo. Mas ele respondeu que não era seu costume dormir em lugares confortáveis e sob um teto. Ao ouvir isso, a esposa convidou “então, por favor, durma em nosso jardim”. E o deixaram no jardim com uma lamparina.
Assim que Jalandara estava caíndo no sono, ele ouviu uma voz trêmula falando consigo mesma. “Oi?” ele exclamou.
O velho tecelão ouviu esse som, e após alguns momentos, confuso com relação a quem poderia ser, perguntou, “quem está fazendo esses sons?” “Sou um convidado, um praticante do darma renunciante”, respondeu o iogue. “E você, que é?” “Sou um tecelão”, foi a resposta, “o patriarca dessa família, esse é quem eu sou.”
Jalandara acendeu sua lamparina, e logo viu uma pequena cabana de palha, quase oculta por uma densa formação de jasmim selvagem, de cheiro muito doce. Ele entrou na cabana, e a convite do tecelão, sentou e ouviu o triste lamento do velho.
“Quando eu era jovem, eu era de fato o dono dessa propriedade. Agora não sirvo para nada, e todos os meus filhos e noras me ridicularizam, eles me mantém aqui como se eu fora algum tipo de monstruosidade. De fato, como são vazias e insubstanciais todas as promessas desse mundo!”
Então Jalandarapa pensou por um tempo, e então disse para o tecelão, “tudo que fazemos é só um passatempo temporáriario. Todas as coisas compostas são impermanentes. Tudo que passa a existir, passa a ser insatisfatório. Todas as coisas que existem são ilusões vazias, não possuem substância inerente. Apenas o nirvana é satisfatório, pacífico e feliz. Você gostaria de receber o darma que prepara para a morte?”
“Sim, gostaria.” respondeu o tecelão, com a voz firme e certa de si.
Jalandarapa então concedeu ao tecelão a iniciação na mandala de Hevajra, também ofereceu as instruções secretas e o ensinou como começar a meditar. Então o guru partiu para outro lugar.
Na manhã seguinte o guru foi embora, e a vida seguiu como sempre. O tecelão memorizou as instruções do guru, mas não contou a ninguém na família sobre essas instruções. Ninguém sonhava que o velho havia começado a praticar os passos de sua sadhana, embora eles tenham percebido que ele não reclamava mais do seu destino. De fato, ele nem mesmo falava mais.
Ele praticou por doze anos em silêncio e atingiu muitas qualidades de que ninguém se apercebeu. Isso até um dia, em que o filho mais velho havia acabado de tecer um brocado de seda muito requintado, e durante uma festa para celebrar o feito, todos esqueceram de prover comida para o pai. Em algum momento mais tarde naquela noite, a nora finalmente lembrou de seu sogro faminto e saiu sem ser vista pelo marido e pelos convidados para levar comida para aquele velho mudo e tonto.
Mas tão logo ela chegou perto do local, congelou de surpresa. Da cabana emanava uma luz fulgurante, e o prato caiu de suas mãos. O velho estava cercado por quinze donzelas, e cada uma delas segurava um prato da comida mais suntuosa, e o alimentavam com os próprios dedos. A mulher, vendo ornamentos e roupas que não pertenciam a este mundo, correu de volta para a casa. Disse ao marido, esbaforida, “venha ver seu pai!” O marido imediatamente começou a chorar, achando que o pai havia morrido, mas seguiram ao jardim para ver com os próprios olhos o que havia acontecido. Todos se depararam com aquela situação mágica e ficaram muito surpresos.
Eles sussurraram uns para os outros “isto não é algo deste mundo — há de ser obra de algum demônio, o velho deve estar possuído!”. Mas na manhã seguinte, a notícia havia se espalhado, e todo o povo de Sandhonagara veio de todos os cantos, e alguns até se prostraram perante a cabana. Enfim o tecelão surgiu de dentro de sua cabana, mas não era mais um velho decrépito. Ele havia se transformado num jovem de dezesseis anos, cheio de força e saúde. Incontáveis raios de luz projetavam-se de seu corpo, ao ponto de não se conseguir olhar diretamente para ele. Seu corpo era como um espelho polido, e todos os fenômenos refletidos nele pareciam feitos de luz.
O velho tecelão ficou conhecido por todas as partes como Tantipa, e por muitos anos realizou incomensuráveis ações em benefício aos seres sencientes. Finalmente ele partiu, em conjunto com um número incontável de seres vivos de Sandhonagara, com seu próprio corpo para o reino das Dakinis. Ao manter fé e devoção e ouvir as instruções do guru, o velho foi capaz de atingir o sucesso no Mahamudra em uma só vida.
Traduzido por Padma Dorje em 2020, a partir de Masters of Mahamudra e Legends of the Mahasiddhas: Lives of the Tantric Masters, de Keith Dowman, Buddha's Lions: The Lives of the Eighty-Four Siddhas, de Abhayadatta, traduzido por James B. Robinson e Empowered Masters, de Ulrich Von Schroeder. Por favor envie sugestões e correções para padma.dorje@gmail.com. 02/07/24
Mahasiddha Jalandhara
O escolhido // Permita que as bênçãos surjam em seu interior Reunindo cada pensamento, cada conceito dos reinos do desejo, da forma e da não forma na totalidade esclarecida do corpo, fala e mente
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