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Vendendo Psicodélico por Lebre


Neste texto procurarei descrever as falácias mais comuns na teoria de que drogas alucinógenas proporcionam experiências genuinamente religiosas. A princípio há dois pontos principais a serem completamente elucidados, o primeiro é a própria definição do que seja uma experiência religiosa, ou do que mereceria o título de religioso ou transcendente, e o segundo é o abuso da justificativa antropológica e histórica desse uso.

É preciso aqui estabelecer que o escopo deste texto lida especificamente com um tipo de obstáculo comum no caminho espiritual. Ele surge em muitas tradições religiosas, independentemente de usarem ou não alucinógenos. Chamo este obstáculo de “materialismo espiritual”. Isto refere-se ao problema básico de enganar-se chamando de transcendência algo que é apenas mais um jogo condicionado por regras arbitrárias. Estas regras em geral são baseadas em emoções conflitantes e na operação de padrões de hábito baseados numa percepção parcial, uma interpretação delusiva1A delusão se caracteriza por uma visão que naturalmente nos cega a outras visões, é diferente de “ilusão”, no sentido em que não postula algo em relação a uma realidade ou irrealidade, mas sim um processo de percepção limitada e que portanto produz significados limitados. Quando observamos uma pintura e vemos uma paisagem, esquecemos que ela é papel e tinta, quando percebemos essas duas coisas, esquecemos que ela é luz que nos chega aos olhos, e quando pensamos nisso, provavelmente já esquecemos a paisagem. Delusão é que produz a paisagem, o papel e a tinta e a luz que nos chega aos olhos, bem como incontáveis outras percepções. Quando estamos fascinados por uma, ignoramos todas as outras. dos fenômenos.

Aponto ainda que uma crítica ao abuso de outras drogas, estimulantes ou narcóticos, seria muito mais simples do que este combate ao sofisticado engano de atribuir valor de conhecimento espiritual aos ditos “estados alterados da consciência”. O objetivo deste texto é focar apenas o engano mais sutil, que é a falácia de espiritualizar o uso de alucinógenos. O grosseiro abuso recreativo ou dependência, mais associados a outros tipos de drogas que não os alucinógenos, não serão abordados aqui, muito embora estes sejam problemas muito mais generalizados e frequentemente também criticados sem habilidade. Estes manifestam-se amplamente através de substâncias facilmente encontráveis e apoiadas pela publicidade e pela lei, como o açúcar, a cafeína, o tabaco e o álcool. Ousaria dizer que a televisão e o entretenimento industrializado também se enquadram neste segundo tipo de abuso — de forma ainda mais comum e ampla — e ainda menos habilmente criticada. Basicamente com isso quero dizer que não usarei os pouco efetivos, e até certo ponto realmente tolos, argumentos de saúde pública ou de moralidade tradicional. Estes seriam facilmente atacáveis pelos defensores do uso religioso de certas plantas, e embora possam fazer sentido no abuso pouco pretensioso daqueles que não tentam se justificar com uma busca religiosa, ainda assim geralmente são claramente pouco efetivos mesmo nesses casos mais simples.

Todavia não esteja particularmente relacionada ao materialismo espiritual, também será feita uma crítica à busca pelo simples deleite sensorial. Ou seja, embora seja uma forma apenas materialista de materialismo, o hedonismo dos que buscam as experiências psicodélicas em geral acredita-se espiritual, portanto isso também será focado.


Crítica Embasada no Reconhecimento da Liberdade Inerente

Devemos procurar entender que o desejo por uma “alteração” em princípio, por si só, independente de drogas ou quaisquer outros mecanismos, é uma forma de afirmar-se que estávamos “errados”, ou que de alguma forma o estado anterior é menos desejável que o estado posterior. O próprio uso da palavra “estados” também indica que estamos trabalhando com elementos parciais da natureza humana, e enquanto falamos de transcendência, ela não pode estar limitada a um nicho de um tipo qualquer de operação mental que tem um início, um meio e um fim. Se houver uma transcendência que “altere”, isso significa que ela ainda refere-se a um padrão em oposição a outro padrão, ou seja, estamos chamando de “transcendente” aquilo que está sob condições. Se há condições, não há transcendência. Assim definimos o que é “transcendente”.

Muitas vezes podemos utilizar levianamente a palavra “religião” para nos referirmos a manifestações culturais que eventualmente já podem até ter perdido o verdadeiro significado de seus próprios objetivos. É óbvio que estas manifestações também envelhecem e caducam. Mas na verdade a palavra refere-se antes a isto que chamamos de transcendência, ao que nos comunica com este absoluto inatacável por fenômenos transitórios, mas que ainda assim é fonte de todos eles. A palavra “transcendência” refere-se exatamente àquilo que é imutável, indestrutível, indescritível, e que, por esse mesmo motivo, além de quaisquer condições particulares. Religião é aquilo que revela essa transcendência.

Nesse sentido a própria noção de um “aprendizado” ou de uma “revelação” também refere-se sempre aos aspectos mundanos, e é claro que isto não está confinado à experiência com alucinógenos, mas é um engano comum a muitas tradições religiosas. De fato poderíamos acreditar que, se há entendimento desse processo todo, não há problema em utilizar-se — temporariamente, e a guisa de introdução para gerar familiaridade — da noção de um aprendizado ou da ideia de que é preciso uma mudança ou alteração para haver religiosidade.

Por exemplo, de forma a tornar-se popular ou digerível, uma religião que de fato possui o entendimento de que não há um “aprendizado da transcendência”, pode utilizar-se, por algum tempo, da ideia de um aprendizado como forma de auxiliar aqueles que anseiam por alguma espécie de alteração, para aos poucos demonstrar a liberdade que sempre existiu e que naturalmente jaz além de qualquer alteração ou aprendizado.

Porém, no caso específico dos alucinógenos, em geral não há esta clareza nos discursos dos usuários. O uso geralmente se justifica num aprendizado ou na ingenuidade de que algum tipo de conhecimento transcendental possa ser obtido de um procedimento particular, como a ingestão de uma planta ou pílula.

As pessoas escolhem este procedimento particular como forma de “aprendizado” por duas razões interligadas. A primeira poderíamos chamar de “paranoia do livre-pensador”, que é a suposição de que um conhecimento qualquer que seja ou tenha sido perseguido ou velado, exatamente por ter sido tratado dessa forma, deva ter um conteúdo mais eficaz ou genuíno. A segunda é o fato histórico e antropológico de certas pessoas e culturas terem feito uso desses métodos. Assim surge a ideia banal, porém de grande apelo estético, de que o conhecimento que foi perseguido, mas utilizado por certos grupos e indivíduos, é muito especial e dotado de poder espiritual.


Crítica Embasada na Repetição de Padrões

Todos nós estamos operando também segundo um processo cultural, podemos ler sobre outras culturas e outros momentos históricos, e podemos vir a acreditar que neste ou naquele processo algumas pessoas encontraram uma “solução” para o “enigma” da realidade. Acima tentei demonstrar que acreditar na existência de um enigma a ser solucionado é como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Aquela busca talvez faça muito sentido para ele, mas evidentemente o rabo vai fugir o tempo todo. Como poderia ser diferente se é parte de seu corpo?

Eventualmente o argumento acima pode ser difícil, as pessoas só se sentem seguras quando justificadas por uma neurose qualquer. Isto torna-se evidente porque o sofrimento e a confusão só surgem por exercício da liberdade. Do ponto de vista da liberdade não há nada de errado com todo este processo.

Pode parecer uma imagem metafórica extrema, mas os seres que escolhem uma busca de estados alterados são seres que de fato anseiam a liberdade de ficarem presos dentro de uma cela, um conjunto particular de experiências. Realmente não podemos negar que isto é uma liberdade, embora conhecendo uma pessoa assim talvez digamos “que sujeito tolo, fica a vida inteira dentro daquele cubículo escuro!” Eventualmente a pessoa que está dentro do cubículo acha que a pessoa que está fora só pode estar enganada de alguma forma, pois o que faz sentido dentro do exercício de liberdade daquela pessoa é ficar preso dentro de padrões que ela reconhece, obviamente, como interessantes.

Aprisionada em seus padrões de hábito ela olha para aquele cubículo com muito fascínio: a parede mofada mostra incontáveis configurações irregulares, que surgem com singular beleza e cores saturadas. É apenas uma parede, só mofo, mas parece que o significado último da realidade está nessa experiência estética. Pouco depois algo mais nos atrai o interesse, e vamos saltando de deleite sensorial em deleite sensorial, até que esse deleite sensorial se banaliza. O caleidoscópio é um brinquedo interessante, mas eventualmente nos entediamos com ele. Dessa forma perdemos tempo, e pode ser que ainda surja a ideia de que há algo mais a conhecer, e com isso surge a necessidade de experimentar uma outra planta ou um outro ambiente. O processo de repetição pode se dar assim, dessa forma simples, mas em geral está ancorado em todo tipo de justificativas e planejamentos.

Pode ser também que rapidamente caiamos na experiência infernal dos alucinógenos, onde o caos e a fragmentação realmente retiram qualquer possibilidade de paz, e o “significado da realidade”, tão buscado, acaba surgindo como algo muito deprimente. Allen Ginsberg conta que estava numa situação como esta, devido ao uso de LSD. O sentido convencional das coisas havia sido quebrado, o que pode parecer interessante, mas o que ficou em seu lugar foi uma sensação de desorientação e opressão contínua. Ele foi consultar com um grande mestre espiritual na Índia, e este lhe disse “se parece bonito ou feio, não interessa, não se apegue a isto”. Claramente o problema dele não era nem a experiência estética prazerosa do início, nem a confusão e fragmentação do final, mas sim a própria ansiedade básica na busca de uma alteração, ou seja, o materialismo espiritual.

Nesse sentido, muito embora culturas e personalidades históricas tenham se utilizado de alucinógenos numa busca espiritual, ao que parece muitos experimentos estavam vinculados a um equívoco com relação à espiritualidade. Aldous Huxley aponta em seu livro “Portas da Percepção” que a mescalina poderia ser um substituto eficaz para produzir o mesmo tipo de experiências “religiosas” que provocariam o jejum e a ascese em geral, inclusive causas naturais como delírios provocados por febres. Ele argumenta que as pessoas no passado, dadas a rezar com fervor imbuídas de grande fé, muito mais sujeitas a comida estragada e em pouca quantidade, infecções mal curadas, e mesmo alguma prática de ascese, eram muito mais sujeitas a visões, comunicação com anjos etc., do que o homem moderno.

Huxley peca ao reduzir a experiência religiosa a um subproduto da biologia. Sem falar que foca aspectos bem pouco saudáveis. Nesse raciocínio, em que precisaríamos passar fome, fazer autoflagelo ou sofrer de febre para obter uma experiência religiosa, realmente parece muito mais sensato utilizar-se de substâncias fisicamente inócuas como o LSD. Mas o fato é que, sem negar o valor da espiritualidade de muitos dos santos do passado que passaram por agonias semelhantes, nenhuma dessas coisas garante uma experiência espiritual genuína. Há incontáveis praticantes de ascese que estão apenas praticando materialismo espiritual, bem como incontáveis pessoas que estão apenas delirando conteúdo de novelas, sem nenhum anjo. E mesmo que os anjos apareçam, ninguém garante que são uma experiência realmente religiosa. Aos olhos da ciência poderia parecer que a experiência religiosa e a alucinação estão num mesmo patamar, mas essa associação só surge de um mal-entendido quanto a natureza da religião, que busca transcender os parâmetros delusivos ou temporários da realidade, e que por sua vez, curiosamente, são o próprio objeto de estudo da ciência2Nesse sentido a religião não é um objeto que possa ser estudado com o método científico, pela própria definição dos termos. Elas ramos complementares, e quando uma começa a estudar a outra esta imediatamente deveria trocar para o nome oposto. Mas este estudo sairia do assunto em foco., mas que de fato nada tem a ver com alucinações ou visões no sentido científico dos termos.

Nesse sentido é importante salientar que Huxley entendia o valor da experiência religiosa, mas o confundiu com seu fator coadjuvante, o aspecto biológico que justifica uma explicação científica. Deveríamos enfatizar que a saúde sim que parece um estado propício à experiência religiosa genuína. Uma boa postura corporal, respiração sem solavancos que permita uma fala harmoniosamente articulada e emoções lúcidas no lidar com as outras pessoas, bem como uma sanidade básica é que de fato parecem ótimos coadjuvantes a uma espiritualidade verdadeira. Os excessos da ascese ou do hedonismo se enquadram em ansiedades ou indolências, materialismo espiritual ou simples materialismo mundano.

Repito que encontramos estes erros em tradições que se utilizam ou não de alucinógenos, e mesmo afirmaria que encontramos muitas pessoas presas a estes estados, sem nunca lidar com alucinógenos, e que afirmam participar de alguma tradição religiosa genuína, e que provavelmente ostentam algum status dentro dessas tradições. São erros realmente comuns no trato com o transcendente, o curioso é que não fossem esses erros, a religião talvez não fosse necessária, e talvez sem ela não houvessem esses erros. A religião realmente deveria ser vista como um remédio, e num sentido mais amplo, deveria curar tanto o “problema inicial” quanto os problemas causados por ela mesma.

Quanto a povos especificos ou nichos culturais do presente, evidente que isso não justifica nada, pois por todo o lado povos e culturas cometem erros, sem falar em indivíduos. O fato de algum povo ou cultura endossar alguma prática não indica que ela seja benéfica. Com base nesse tipo de ideia poderíamos argumentar que o assassinato ritual praticado pelos povos pré-colombianos justificasse práticas similares nas cidades de hoje, o que seria absurdo.

Dessa forma fica claro que repetir métodos e padrões de hábito individuais, de outras pessoas ou de outras culturas não garante uma experiência espiritual genuína.


Crítica Embasada na Estética

Este é outro argumento comum daqueles que defendem o uso religioso de substâncias, ou seja, há um constante orgulho pelo reconhecimento de uma realidade “mais ampla” que é velada aos outros. Isto também é materialismo espiritual, e de fato o que parece “mais amplo”, é apenas uma sala um pouco maior. Em muitos casos acaba sendo ainda mais apertada, mas evidentemente que há um certo orgulho em se enfurnar nesse tipo de experiência.

O reconhecimento da verdadeira natureza dos fenômenos não envolve qualquer tipo de artificialidade, porque este reconhecimento é, enfim, a própria fonte das artificialidades: não há como o olho ver a si mesmo diretamente. Não há salas maiores e menores nesse reconhecimento, e transitar entre uma sala (“estado”) e outra não é liberdade por si só, a liberdade está em reconhecer aquilo que está na base do surgimento de todas as “salas”, mas que não está preso a nenhuma delas, não busca nenhuma delas em especial — simplesmente exerce a liberdade no que quer que surja.

Nenhum padrão convencional ou anti-convencional de existência ou estilo de vida é por si só liberdade. A pessoa que se utiliza desses métodos muitas vezes deseja ser diferente de alguma forma. Aqui lembramos do filme, onde alguém diz a uma multidão “Vocês todos são diferentes!” e uma figura isolada no mar de pessoas levanta o braço e diz “Eu não!”. Ou seja, é basicamente o “papo-cabeça” ordinário, se todos tentam ser diferentes, estão apenas todos sendo iguais.

Se nos parece que uma outra cultura ou indivíduo encontrou métodos sofisticados de lidar com a realidade, e desejamos nos vincular a estes métodos, estamos apenas repetindo padrões, não estamos sendo verdadeiramente criativos. Algumas vezes um determinado povo indígena pode nos parecer muito sábio e muito injustiçado. É dito primitivo, mas nós sabemos que na verdade eles conhecem ou conheciam aspectos muito sutis da realidade e métodos muito efetivos de vivenciar estes aspectos. Então estudamos botânica étnica talvez, ou rapidamente chegamos a conclusão de que a violenta sociedade industrial não sabe de nada, e que menospreza e transforma em vilões estes que são os verdadeiros especialistas da mente humana.

De fato não temos motivo nenhum para defender e atacar o que quer que seja, porque nenhuma dessas polaridades vai produzir liberdade. Vamos estar constantemente em busca de um paraíso perdido, e nesta busca permaneceremos em constante atrito com o ambiente ao nosso redor.

Isso na verdade é algo muito difícil de relatar, porque realmente há povos injustiçados, e a nossa cultura global professa valores dos mais absurdos e têm alterado o ambiente de forma incontrolável em grande escala. Mas reitero que não temos motivo nenhum para defender ou atacar o que quer que seja, não há culpados e inocentes num processo global — nossos descendentes iriam culpar a quem? Os cadáveres do passado?

Todos conhecem os abusos da religião organizada, e existem tradições que não têm clareza sobre o processo do materialismo espiritual em nenhum ponto de suas doutrinas. De fato poderíamos criticar certas tradições e práticas com base nesse exato equívoco aprisionador: a crença de que a “redenção” ou “iluminação” está presa a um processo causal e atribuída a um ponto em especial dentro de uma linha temporal. Isso por si só mostraria que o objetivo dessas tradições é apenas falsamente religioso, apenas materialismo espiritual. Porém é interessante salientar que o objetivo da religião pode se desviar, mas que é originalmente algo realmente importante e essencial, e que produz de fato nos seres humanos o sentido de liberdade e significado últimos. “O abuso não pode ser argumento contra o uso devido”, as vezes dizem com relação aos alucinógenos — seria melhor antes dizer com relação a religião, mesmo a organizada e decadente.

A religião e a arte surgiram juntas, e se separaram com o culto ao indivíduo dos últimos séculos. Nada há de errado com a essência de qualquer uma das duas, mas ambas contém armadilhas, e talvez seja essencial entender esses aspectos. Em especial a arte denuncia a delusão de uma forma inequívoca, enquanto que a religião provê os meios para que a liberdade seja exercida em meio a ela. Tudo que se desvia disso talvez não seja muito interessante.


Alucinógenos São Tolos

Uma experiência produzida por alucinógenos pode ser indescritível, mas certamente que não é imutável ou indestrutível. Qualquer fenômeno por si só, e nenhum em especial, é naturalmente indescritível em sua totalidade, embora possa durar apenas um piscar de olhos. Não há nada de especial numa alucinação, ela é apenas uma superdelusão.

Os envolvidos numa busca de conhecimento estão apenas confessando que não o possuíam em primeiro lugar, isto por si só é uma espécie de falha em nossa autoestima. Um conhecimento que pode ser obtido, pode ser perdido: podemos esquecer, podemos mudar de ideia. O conhecimento transcendente sempre esteve presente, e não há uma “revelação” no sentido dual da palavra. A revelação é o reconhecimento de que ele sempre esteve presente — o “problema” é que este reconhecimento sim, é algo que ainda pode ser perdido. Apenas o conhecimento transcendental não pode ser perdido, e na verdade do ponto de vista dele, mesmo a impressão de perda ou reconhecimento, com uma determinada duração ou intermitente, não pode ser considerada justificativa para nossas ações, ou fonte de nossos significados. Isto é o mais importante.

A experiência completa em si é o nosso refúgio, o eixo pelo qual estabelecemos nossas ações e estabelecemos nossos significados — se nos baseamos naquilo que é instável, os resultados serão instáveis e intermitentes entre o bom e o ruim, os significados serão fragmentados, caóticos. É apenas questão de saber onde colocar a confiança.

Os envolvidos numa busca de deleite sensorial estão apenas confessando a feiura de sua percepção convencional. De fato a beleza é um valor verdadeiramente transcendente por si só, e tampouco exige qualquer alteração.

É muito importante não desviar da realidade definitiva que está além dos conceitos, além de qualquer condição ou particularidade, além de qualquer “alteração” ou “estado”. Além mesmo da limitação de uma consciência, e por isso mesmo, livre para se manifestar como consciência, sem perder nenhuma de suas qualidades de liberdade em nenhum momento do passado, do presente ou do futuro.

Esta liberdade funciona dessa forma independentemente de qualquer mecanismo que se use para se relacionar com ela, e portanto é muito importante não dar prioridade a estes mecanismos. De fato, em geral são os próprios mecanismos de todo o tipo, tentativas, esforços, planejamentos, buscas, estudos minuciosos, que nos fascinam momentaneamente e depois se provam amargos. Isto é assim simplesmente porque estivemos jogando xadrez ou procurando alguma nova pedra filosofal a noite toda, e esquecemos a bela mulher na cama ou de lavar os pratos. Nos descobrimos exaustos em nossas maquinações mesquinhas e descansamos o corpo em nosso túmulo de estupidez, com baratas na pia e um amor insatisfeito. Seria preferível apenas viver ou ainda precisamos encontrar uma fórmula ou algum insight para viver?

Esta é a falácia básica de acreditar uma solução final baseada em uma substância particular, ou mais amplamente, numa revelação particular. Simplificando, é a apenas a estupidez de um bêbado procurando a chave de uma porta que já está aberta.

Todos nós, operando segundo um processo biológico, já estamos operando uma “viagem” particular. Podemos acreditar que introduzindo novas substâncias no cérebro ou alterando as que ali existem chegaremos a uma “realidade” melhor ou mais iluminada do que a que vivemos normalmente. Com ou sem drogas podemos passar muito tempo “viajando” para inúmeras realidades, todas condicionadas, mas enfim, estamos apenas exercendo a liberdade que já estava ali — porém tropeçando em uma certa ansiedade. O lugar ao qual aspiramos sempre esteve conosco, não é necessário dar um só passo.

Embora não haja nada de intrinsecamente errado com essa viagem, eventualmente podemos vir a acreditar que somos capazes de encontrar algum significado último confinado em alguma destas experiências, ou a quimera de uma “terra prometida”, uma realidade definitiva. Mas enquanto ofuscados por esta miragem, esquecemos do significado natural, independente de experiências e jamais confinado, livre, que está, e sempre esteve, sob nosso próprio nariz.

Eventualmente pode vir a parecer interessante sobrepor delusões, até mesmo construir uma superdelusão, já que a delusão convencionalmente nos parece a fonte do significado. Não percebemos que ela é a fonte da ansiedade e da confusão! Isso é assim mesmo que consideremos que a delusão é uma manifestação de liberdade, e que uma superdelusão seja uma manifestação de superliberdade. De fato, em sua raiz, são isto mesmo, mas a diferenciação entre graus de complexidade já é, por si só, uma outra camada de delusão operando. No fundo não há real necessidade de nenhuma manipulação de qualquer tipo.

Assim podemos esclarecer o mito do gênese, onde a serpente tenta Eva a comer o fruto (segundo autores psicodélicos, o próprio “soma”, ou o cogumelo Amanita Muscaria). Este é o fruto do conhecimento, da discriminação, e dele surge o bem e o mal. Usando ou não drogas, temos nos alimentado desse fruto. Então precisamos reconhecê-lo como tal e usufruir dele, estando livres dele. Para isto nenhum apetrecho, substância ou ensinamento adicional são necessários. Ou seja, se tentamos obter isto através de uma experiência qualquer, estamos novamente ansiosamente tentando alcançar uma liberdade que já está completa, e só vamos perder tempo e nos desgastar nessa busca.

Isso prosseguirá indefinidamente, a não ser que o reconhecimento brote da natureza espontaneamente livre e abandonemos quaisquer ansiedades e jogos para alcançarmos instantaneamente a “versão definitiva” da realidade, que nunca, sob hipótese alguma, poderia ter deixado de ser, nem por um instante, a própria versão definitiva da realidade.

Possamos todos usufruir de uma mente livre de alterações, natural.

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Aos 13 anos li “Portas da Percepção”, ansiei pela experiência psicodélica até os 20 anos, quando experimentei LSD e algumas plantas. Não tive experiências muito assustadoras, bad-trips, mas logo percebi a futilidade de experimentos desse tipo e seu potencial perigo. Cheguei sim a ficar um pouco mais desorientado do que o usual.

Que todos os seres possam transcender o eternalismo, que os leva a acreditar que nada pode dar errado e que as coisas são irrevogáveis, e o niilismo, que mata as boas iniciativas e que diz que tudo é ilusão. Que também transcendam o cinismo, que os afasta daquilo que é puro e íntegro, e que enfim ajam sem apego, aversão ou indiferença para com todos os seres e fenômenos. Que encontrem o eixo do absoluto e que se refugiem em suas bênçãos, levando rapidamente todos os seres a este reconhecimento. Dedico os méritos da produção desse texto aos seres que penetram nas mais difíceis circunstâncias para ajudar outros que lá estão aprisionados em grande sofrimento. Homenagem à brilhante corporificação de intensa ira que doma os seres de todas as formas necessárias!

Eduardo Pinheiro, Porto Alegre 1.9.2000

(Esta entrevista com o autor entra em mais alguns detalhes sobre sua experiência com essa coisa toda, e fala da criação desse texto).

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As seguintes perguntas foram formuladas devido a divulgação do texto em listas de discussão na internet.

PERGUNTA: Não acho que o objetivo da religião seja sempre a transcendência. Isso ocorre mais nas religiões orientais como o budismo e hinduísmo. Nas ocidentais acho que o objetivo seja a ligação com um arquétipo.

RESPOSTA: Bem, as pessoas podem usar outros critérios para definir religião ou transcendência, o que eu estabeleci parece estar de acordo com a maioria das religiões. Existe a noção de que a transcendência é um lugar diferente daqui, um céu, por exemplo, mas mesmo no cristianismo, essa ideia já não é tratada de forma tão literal. No caso em que haveria uma terra prometida ou algum estado de transcendência que não incluísse tudo isso que conhecemos como “mundano”, esta já não seria uma transcendência verdadeira. Então acredito que a noção judaico/cristã de Deus, na sua teologia mais sutil, é transcendente no sentido que estabeleci.

Na verdade há arquétipos transcendentes e arquétipos de um tipo mais mundano, e vemos religiões tanto ocidentais quanto orientais utilizando ambos, com objetivos igualmente tanto mundanos quanto transcendentes.

PERGUNTA: A palavra religião não vem do religare que é voltar-se a unir, como isso se explicaria de acordo com a definição do texto?

RESPOSTA: Já vi outras etimologias para essa palavra, mas mesmo tomando em consideração o religare, certamente que reconhecemos o que já está conosco, e esse é o sentido de “integração” (em inglês talvez soe melhor, “wholeness”), ou de reconhecimento do que não pode ter sido perdido em nenhum instante.

PERGUNTA: Quanto ao trecho: “Devemos procurar entender que o desejo por uma 'alteração' em princípio, por si só, independente de drogas ou quaisquer outros mecanismos, é uma forma de afirmar-se que estávamos errados, ou que de alguma forma o estado anterior é menos desejável que o estado posterior.” Isso significa que não posso me inclinar para ambos estados? Ou que os dois não possam estar “certos”?

RESPOSTA: Se há um estado em relação a um outro, é porque não há transcendência. De fato a transcendência compreende também a multiplicidade de estados, mas está num substrato além de singularidade e de pluralidade, portanto se há uma ânsia de buscar um estado em detrimento do outro, isso configura aprisionamento. Por outro lado, se de fato percebemos um em detrimento do outro, mesmo que haja “indiferença” com relação aos valores expostos, isso já configura alguma confusão. E de fato exige algum iniciativa em você procurar e tomar drogas, essa iniciativa vem de onde? Então de fato se tomaria drogas por nenhum objetivo em particular? Nem prazer nem espiritualidade? Seria apenas um “acidente”? Não creio que essa pergunta seja mais do que retórica vazia sem relação com a realidade.

PERGUNTA: A transcendência não pode estar associada à alteração? Os estados alterados não nos guiam até ela? Ela pode ser imutável, indestrutível, indescritível, mas nós não somos. Sendo apenas humanos, nossa comunicação com o estado transcendental não seria afetado por condições particulares?

RESPOSTA: Se estamos focados na condição humana em particular não há liberdade verdadeira, embora este “cubículo escuro” que é nosso corpo e nossa vida cotidiana possam em verdade ser utilizados espiritualmente. A experiência do cubículo (um corpo humano ou psicodélicos, qualquer experiência particular) como afirmei, também é uma manifestação de liberdade. Mas em muitos casos essa liberdade não é reconhecida, e isso pode se tornar a origem dos problemas, ou do “Problema”. É um tanto raro uma pessoa não chegar ao fim da vida de certa forma amargurada com a existência, e há muitas pessoas deprimidas em outras condições. Portanto se o absoluto não é reconhecido, não há mínima chance de estar-se livre. E a ironia é que ele permeia tudo — o que aprisiona os seres a um sofrimento delusivo, é que eles se fixam em particularidades delusivas. Exatamente por isso ser feito em geral de forma “inconsciente” ou baseadas em padrões e hábitos, é que dizemos que está aprisionado. O ponto aqui seria com relação aos ditos “estados alterados”, que são apenas uma forma biológica de buscarmos o reconhecimento da transcendência. Também centrei minha argumentação no fato da pessoa escolher trilhar este tipo de busca espiritual em detrimento de outra. Esta escolha certamente é baseada em parâmetros delusivos.

Portanto as condições particulares afetam o ser humano aprisionado. Portanto as drogas podem ser utilizadas com fins mundanos, como qualquer psiquiatra sabe, mas não se prestam a fins transcendentes, exatamente porque nenhuma condição particular afeta o ser humano naturalmente livre desde o princípio sem princípio.

PERGUNTA: Concordo que as alucinações não sejam transcendentes, mas não há algo além disso na experiência psicodélica que leve a transcendência?

RESPOSTA: Os estados particulares produzidos por um agente causal estão dentro da causalidade, e portanto não são transcendentes, visto que a transcendência está além da causalidade, embora a contenha. Então qualquer prática espiritual que vise um resultado, não é transcendente mesmo que o resultado visado seja a transcendência. Por exemplo, podemos falar também da meditação. Diz-se que há centenas de estados equivocados em meditação, e de fato poderíamos escrever um texto como esse criticando a prática de meditação, utilizada por várias religiões orientais, e mesmo algumas ocidentais. Esse “algo a mais” da experiência psicodélica é, no máximo, um desses estados equivocados produzidos pela meditação. Chega-se a essa conclusão verificando que um agente causal produz resultados, e a transcendência está além de causas e resultados. Se você obter um estado “novo”, e disser “agora sim é o real”, este estado “novo” será certamente delusivo. A transcendência é “retroativa”, a pessoa pensaria algo como “sim, sempre foi assim”, e fica óbvio que ela não esteve sob influência de drogas o tempo todo.

PERGUNTA: Acredito que na experiência psicodélica haja algo mais do que meras alucinações. Esse “algo mais” não poderia ser uma ampliação da percepção?

RESPOSTAL: Essa pergunta é semelhante a anterior. Tentei passar em meu texto a ideia de alucinógenos como algo redutor, não amplificador, porque de fato se consideramos que estamos buscando uma experiência qualquer, isso é uma redução, não uma ampliação. Temos a ideia de Huxley, por exemplo, de que quando o cérebro se intoxica de mescalina ou “moksha”, ele deixaria de operar pelas “portas usuais”, e está aberto a uma “porta infinita”. Essa é uma ideia estranha, para dizer o mínimo. Então tiramos os olhos e ouvidos, os outros três sentidos, e percebemos mais? Talvez não seja exatamente assim, não precisamos embaralhar a biologia do cérebro para ter acesso a mente que opera além da biologia.

Outro exemplo mais claro, quando algumas pessoas usam alucinógenos pode surgir um efeito que não lembro o nome, mas é a confusão dos sentidos: ou seja, parece que vemos sons ou ouvimos imagens etc. O que há de transcendente nisso?

Pode parecer que é uma miríade de novas descobertas, mas isso justamente é o caleidoscópio de que estava falando. Ele não é só uma metáfora para simples imagens supercoloridas que se veja com drogas, é enfim uma metáfora para todas as ideias que surgem em padrões “geométricos”. A pessoa olha para uma flor (como no livro de Huxley) e passa horas percebendo detalhes inacreditáveis, e fala de experiência religiosa. Ela acredita que essa experiência seja religiosa. Então dizermos que temos uma dita “ampliação da percepção” (da qual eu duvido por si só) caracteriza uma experiência religiosa, isso não parece correto. Todas essas descobertas dos psicodélicos são apenas novas camadas de delusão. A pessoa pensa que está livre dos padrões habituais, mas criou padrões piores: não habituais! O melhor é não se guiar por padrões, habituais ou não usuais, tanto faz.

PERGUNTA: Em vez de transcendência, não seria melhor descrever a busca dos que usam psicodélicos como “ver o mundo de uma nova maneira”, provocando mudanças espirituais?

RESPOSTA: Essa pergunta é semelhante as duas anteriores. Curiosamente usei as metáforas de cores saturadas e paredes mofadas para representar qualquer “nova” maneira de ver o mundo. Tentei explicar no texto, mas sem usar essas exatas palavras, que novas maneiras de ver o mundo não são liberdade: nem as novas nem as antigas. Buscar qualquer processo, seja jejum ou alucinógenos com a motivação equivocada (ou seja, obter algo que já temos naturalmente) só leva a sofrimento.

Em termos de psicodélicos não existe literatura mais sofisticada do que o próprio “Portas da Percepção”, e não há ideia mais original e bem executada do que o “Psychedelic Experience” do Timothy Leary. A crítica do meu texto baseou-se nestes livros, portanto lida com o aspecto mais sofisticado focado pela comunidade dos psicodélicos.

“Mudança espiritual” não é algo a ser buscado, visto que se o estado completo não estivesse presente desde o tempo sem princípio, não haveria espiritualidade verdadeira. Nesse sentido, quando alcançamos a visão pura das coisas, olhamos para nosso passado e tudo o que fizemos sempre foi liberdade — porém, se operamos através de fascinação e delusão, os sofrimentos correspondentes surgirão, e nos arrependeremos fortemente de certas ações do passado, sem conseguir evitar as consequentes complicações no futuro. A liberdade só é obtida por um “salto quântico”, uma ação não causal — e portanto nada pode provocá-la (o que a tornaria causal). Todas as conquistas obtidas através de causas se corroem e finalmente se desagregam. Um exemplo claro é ingerir algo para obter algo, seja o que for, mudança, visão, paraíso perdido, transcendência, prazer — se há um jogo com a realidade, esse é um jogo que não vai ser sempre ganho. Porém, se por uma ação não causal penetramos numa região além dos jogos — tanto dos convencionais quando dos anti-convencionais, tanto dos “antigos” quanto dos “novos”, tanto dos da “sociedade” quando dos do “indivíduo”, de todos eles enfim —, enfim reconhecemos a liberdade.

De fato, da mesma forma que uma droga não pode produzir liberdade, um texto também não pode fazê-lo — repito: a liberdade não pode ser produto de uma ação causal, basta reconhecê-la. Esse “basta reconhecê-la” é o máximo que se pode obter com palavras convencionais, mas se a pessoa lê e não reconhece, isso não é surpresa. Mas é bom que se perceba que não é através de drogas, especificamente, que vamos obtê-la, e esse é o objetivo do texto.

Por outro lado seria realmente ótimo que antes deste próximo ponto final ela viesse a reconhecê-la, inequívoca. Isso pode ter acontecido, e os pontos finais ainda assim continuam surgindo.

PERGUNTA: Você concorda que estados alterados implicam em mundos tão reais quanto esse? Se sim, porque não explorá-los?

RESPOSTA: As situações que surgem naturalmente são lícitas de se explorar. Se, por outro lado ansiamos por novidade, isso é prova de insatisfação. Se vagarmos em busca de satisfação através de miríades de experiências, é bem provavel que nunca as encontremos. Aliás, se a situação atual como ela é, sem transformação alguma, não for base suficiente de satisfação, nenhuma situação que construirmos com base em nosso estado atual produzirá satisfação. Assim, se você nasce numa cultura onde é comum o uso de alucinógenos, talvez isso não seja um grande problema, embora não haja realmente nada de especial ou mágico nisso. Agora se você tenta incorporar nessa cultura algo alienígena, isso pode até funcionar, mas na grande maioria dos casos é apenas fuga e tentativa de construir satisfação com base na insatisfação, e não vai funcionar.

PERGUNTA: Quem garante que a percepção que tens hoje (e a tua visão lúcida da realidade) não foi acelerada pelo uso transformador e consciente das drogas?

RESPOSTA: Minha percepção é lúcida? Com que parâmetros se mede isso? Ninguém garante coisa alguma, sequer que eu seja lúcido.

Realmente confesso que tive poucos problemas com drogas porque meu uso era apenas materialismo espiritual, não chegou a tornar-se um hábito e um apego a um estado mental específico32006: Percebo hoje que minha ligação com a maconha foi mais do que mero materialismo espiritual, e foi muito difícil parar completamente. Fazem cinco anos que estou limpo. (para o qual uso a metáfora de um cúbiculo com paredes mofadas). Esse é um problema comum, e um bocado grave, de grande parte das pessoas que utilizam quaisquer drogas, inclusive os “religiosos” alucinógenos. Muitas delas padecem do apego ao estado mental, que é ainda pior do que qualquer dependência química, pois eventualmente mesmo sem a droga ficamos sempre voltando e voltando ao mesmo cubículo com paredes mofadas. O materialismo espiritual por outro lado é o começo e o fim do caminho espiritual. De certa forma ele é o próprio caminho espiritual — quando o materialismo espiritual acaba, não há mais caminho espiritual, apenas liberdade.

Sempre me considerei muito esperto, e achava muito esperto utilizar alucinógenos. Hoje eu tenho bons motivos para não considerar isso muito esperto. A esperteza é sempre a mesma, mas eu não uso mais alucinógenos. As vezes eu olho para pessoas que estão fazendo as mesmas coisas que eu fazia e penso “mas que tola essa pessoa, o que falta para ela alcançar essa grande lucidez que eu tenho agora?” Mas isso também não é propriamente correto, a pessoa acha que é muito esperta ao criar um cubículo mofado para si, e de certa forma temos que respeitar a liberdade da pessoa em criar este cubículo, devemos respeitar essa “esperteza”. A única coisa que me faz criticar esta “liberdade” específica é a lucidez que sempre tive, a mesma lucidez que tornou os alucinógenos algo interessante, agora tem argumentos para torná-los desinteressantes, e o que interessa é a liberdade, não os interesses e desinteresses. Então exerço a liberdade de criticá-los.

Não há um aspecto “transformador” da experiência que possa ser apontado. Continuamente podemos apontar delusões que chamamos de transformações, mas não conseguiríamos apontar suas causas, pois elas surgem do estado natural, e não precisam realmente de catalisadores. Percebemos catalisadores devido a novas camadas de delusão.

Quanto a ânsia por uma transformação, isso obviamente se enquadra no termo “materialismo espiritual”. Também o uso “consciente” é algo completamente subjetivo, e geralmente está ligado ao simples orgulho: “os outros usam inconsequentemente, mas eu conheço do assunto e sei o que estou fazendo”. Todas as pessoas se acham muito espertas realmente.

Para concluir, também já fui fã do palhaço Bozo, e acho que ele me ajudou imensamente — ainda mais do que qualquer droga — a acelerar minha “grande lucidez”. Infelizmente, hoje não sou mais fã do palhaço. Por outro lado, no momento, não vou exercer a liberdade de criticar o Bozo, esse incomensurável catalisador de experiências de “transformação” e “crescimento”...

Além do que, realmente, ninguém garante que minha visão fosse lúcida em qualquer momento, nem agora. Não há quaisquer garantias. Particularmente não fico espreitando minha própria lucidez ou esperteza para ver se as apanho em erros e acertos. Seria um cachorro correndo atrás do próprio rabo.

PERGUNTA: No seu caso pessoal o que tu descobristes com os alucinógenos?

RESPOSTA: Descobri que não precisava tê-los utilizado. Esse foi o grande insight que eles me deram.

PERGUNTA: Talvez não tenhas feito experiências realmente sérias e eficazes com psicodélicos, talvez não os conheça a fundo e não saiba o que eles podem ou não proporcionar.

RESPOSTA: Eu acreditava estar fazendo experiências seríssimas, mas não sei qual seria o padrão de seriedade das diversas pessoas. Por exemplo, particularmente considero muito mais sério o trabalho de um Ken Kesey do que o de um Terence McKenna42006: Algum tempo depois de escrever o artigo, McKenna faleceu devido a um tumor no cérebro. Fica difícil não estabelecer uma relação entre seus experimentos e sua doença., e aliás, considerava o aspecto “pouco sério” das drogas mais uma das coisas que me interessavam nelas. Acredito que parâmetros se “seriedade” configurem apenas materialismo espiritual, seja do que estivermos falando, drogas ou liturgias.

Por outro lado a lógica desse texto não exigiria que eu sequer tivesse experimentado drogas, pois sendo a transcendência algo não causal, não pode ser obtida de forma particular por fontes externas ou por alterações na biologia do cérebro. O simples fato de tratarmos de uma “obtenção” já seria problemático. Mas acredito que o fato de que eu realmente as experimentei e estudei, num âmbito que considero “sério” o suficiente, possa ajudar na minha argumentação.

PERGUNTA: Que plantas utilizastes?

RESPOSTA: Todas que pude obter pelo correio e mais algumas. Estudei todos os manuais de etnobotânica disponíveis e conversei com especialistas. Não acho apropriado citar o nome das plantas. Usei sintéticos como o LSD também.

PERGUNTA: Carlos Castañeda diz que as drogas lidam com a “primeira atenção” que é nossa curiosidade mais básica, se ele não tivesse despertado para a primeira atenção, jamais teria se interessado em desenvolver a segunda e a terceira. As drogas não ajudariam de alguma forma nesse sentido?

RESPOSTA: Quando falamos em “níveis de atenção” isso por si só já caracteriza materialismo espiritual. Carlos Castañeda pode falar muitas coisas interessantes, mas temos que despi-lo de fascinação e ver o que ele produz nas pessoas. Ele próprio talvez tenha se beneficiado de seu relacionamento com Don Juan, de qualquer forma é uma coisa que só ele pode saber. Mas mesmo que ele tenha se beneficiado, pode ser que seus leitores em geral não encontrem esse benefício. Ele pode até ter valor e pode fazer sentido, mas certamente que esse sentido e valor não são absolutos, e o fato de nos identificarmos ou buscarmos nos relacionar com o caminho dele já indica uma tendência particular da nossa parte. Devemos observar essa tendência em vez de acreditar cegamente que o caminho dele produz bons frutos.

Porque preferimos ele ao Osho ou o Papa João Paulo II? Isso é algo importante de analisar. Se desconfiamos do Papa ou do Osho, devemos desconfiar do Castañeda também. E a confiança só surge na medida do benefício, ou seja, observamos o que eles dizem, continuamos praticando o que é bom, e abandonamos o que não parece tão interessante. É também importante perceber que realmente há mestres equivocados e pessoas confusas que se passam por sábias — as vezes as pessoas não consideram este fato simples. Pode ser que o Castañeda seja um mestre legítimo e benéfico, eu lhe daria no mínimo o benefício da dúvida. Particularmente li todos os seus livros, por um curto tempo me encantei, depois me desiludi. Ao que parece, conhecer alguém como Don Juan poderia ser muito interessante, mas ler sobre isso e tentar praticar por conta, pessoalmente não me foi muito produtivo. Talvez para outras pessoas seja de maior benefício. É uma possibilidade.

Por outro lado, facilmente vejo tudo como uma fraude.

Enfim, as drogas podem em alguns casos ajudar, da mesma forma que perder um filho num acidente de trânsito ou tomar um café no bar da esquina, podem, sob certas circunstâncias, ajudar. Não é o fenômeno que determina o benefício, mas sim a liberdade. Se há liberdade, comer uma azeitona é benéfico, se não há liberdade, comer a mesmíssima azeitona não é benéfico — pode ser trágico. Pessoas que estão com doenças terminais e um prazo determinado para morrer geralmente desenvolvem rapidamente uma espiritualidade, ou caem em extrema confusão e depressão. Da mesma forma com as drogas. Porém ninguém provocaria um câncer para aprender espiritualidade, mas eventualmente para algumas pessoas, por razões as mais estranhas, acaba parecendo interessante ingerir certas plantas que provocam caos no processo cerebral para atingir o mesmo fim. É a mesma situação em ambos os casos.

PERGUNTA: A capacidade das drogas ajudarem não dependeria de algum nível de energia ou de capacidade espiritual já preexistente?

RESPOSTA: É possível que uma pessoa tenda a ter menos problemas causados por drogas do que outra. Mas é impossível medir ou criar parâmetros para estabelecer quem sofrerá e quem não sofrerá. Da mesma forma é impossível saber quem se beneficiará de comer uma azeitona, ter um câncer fatal, ou tomar LSD — podemos até acreditar em alguma tendência, gerar uma porcentagem, mas nenhum resultado desse tipo pode ser definido.

De fato, talvez devemos ser mais humildes. Creio que uma pessoa iluminada possa aparentemente infringir regras morais como matar e roubar, mas estar de fato praticando uma ação iluminada. Acho isso possível. Porém, não acho nem um pouco interessante jogar roleta russa com as consequências de nossos atos. Mesmo que tenhamos uma compreensão suprema, ainda assim devemos manter um low profile em nossas ações — não é necessário cometer atos que os outros não entendem como interessantes só para exibir algum tipo de provável capacidade. Além do que é possível contar nos dedos pessoas com esse reconhecimento da natureza da realidade, e há muitos que se enganam achando que estão nesse patamar, e que simplesmente geram experiências de grande confusão e sofrimento para si e para os outros.

Creio que Osho, por exemplo, seguia esse ponto de vista, o de que devíamos jogar uma certa roleta russa. Dizia que uma pessoa com habilidade meditativa poderia experimentar LSD que isso seria enriquecedor. Não sei se ele disse dessa forma, mas colocado assim é algo realmente perigoso. Acreditar que pessoas com “qualidades especiais” se beneficiariam de alucinógenos é materialismo espiritual ao quadrado. É impossível criar parâmetros, internos ou externos para determinar quais são essas qualidades e quem as possui. Portanto é impossível alguém saber para si mesmo ou para outro quem se beneficiará da experiência de uma doença terminal ou de uma experiência psicodélica.

PERGUNTA: Algumas pessoas são tão down-to-earth que a simples perspectiva de perceberem “algo além”, através das drogas, pode fazê-las pensar que isso aqui não é tudo. Isso não seria uma boa coisa?

RESPOSTA: A pergunta é similar a anterior, num caso achamos que uma pessoa dotada de poucas qualidades pode ser ajudada, em outro que uma pessoa com qualidades especiais poderia ser ajudada. Da mesma forma, em perguntas anteriores, me colocaram na posição tanto de quem obteve algo das drogas como de quem não obteve nada, e ambos eram fonte de crítica a minha argumentação. Dessa forma é fácil perceber os padrões delusivos por traz da identidade de quem quer se justificar na utilização de drogas.

De fato não há como estabelecer parâmetros com relação a quem pode ser ajudado ou prejudicado. Da mesma forma qualquer evento particular, um acidente de automóvel, retirar um ciso, ganhar na loteria, podem enviar uma pessoa tanto para o inferno quanto para o céu, dependendo de set and setting (condições e ambiente), como Tim Leary gostava de dizer. Você pode achar que retirar um ciso raramente vai levar uma pessoa a uma experiência de céu, e eu posso dizer que raramente um alucinógeno vai produzir uma experiência religiosa verdadeira. Seria materialismo espiritual planejar as coisas para encontrar resultados melhores ou piores, ou ficar fazendo um ranking de resultados. Além do que creio ser impossível determinar o set and setting ideal. O próprio planejamento e a ânsia por uma alteração já guardam sementes de problemas posteriores, já que por si só se caracterizam como materialismo espiritual.

PERGUNTA: As ditas “drogas sociais” como a maconha podem mostrar perspectivas novas a sujeitos de personalidade esquizóide, que nunca se relacionam, podem “mostrar” a eles o que seria sociabilidade, algo que nunca imaginariam sem elas. A cocaína pode fazer uma Amélia subserviente aprender a ousar etc... O que diria dessas afirmações?

RESPOSTA: Fogem um pouco do escopo do texto, porque aqui estou lidando com espiritualidade. Ousar e socializar podem ser coisas boas segundo alguns parâmetros, mas não há nenhum aspecto transcendente nisto. Seria um nível terapêutico, uma forma de lidar com problemas mundanos de uma forma mundana. Por outro lado, não concordaria com nenhuma das duas afirmações, porque os efeitos colaterais ao nível de físico e psíquico provavelmente são maiores do que os ditos benefícios. De fato acredito que mesmo no nível psiquiátrico, ainda há um entendimento muito rudimentar da mente humana. Ainda assim é muito melhor procurar ser tratado por pessoas e substâncias regulamentados por algum conjunto de parâmetros, por mais rudimentar que seja, do que por drogas de rua. Isso me parece evidente.

Mas realmente isso foge do escopo desse texto. Algumas pessoas acreditam que usando alucinógenos poderiam ficar mais inteligentes ou mais criativas. Outras pessoas acreditam que podem ficar mais inteligentes e criativas lendo livros de autoajuda. Pessoalmente acho as duas coisas extremamente tolas, diria até patéticas. Mas recomendo ainda que a pessoa examine porque ela procura drogas em vez de livros de autoajuda, o que determina sua escolha?

PERGUNTA: Talvez a pessoa escolha a droga em vez do Bozo ou do insight que um tatu-bola, por exemplo, possa proporcionar porque elas são mais atraentes. Parece que é algo que mobiliza a energia das pessoas, como uma paixão.

RESPOSTA: Esse é o argumento central do texto, se estamos dominados pelas experiências que são atraentes, que liberdade temos? O problema não está na atração ou na repulsão, mas está no fato de que os parâmetros que nos atraem ou causam repulsão por alguma coisa não estão claros, nós somos presas, em geral não há liberdade em experimentar o que é aparentemente atraente. Temos todo tipo de motivação estética, mas estas são realidades produzidas artificialmente. É como publicidade, que é toda uma arte para produzir esse tipo de aprisionamento. Achamos que tendo um certo espírito crítico, não estamos aprisionados pela publicidade — não saímos por aí comprando produtos por causa dela. É o que acreditamos, mas de fato todos somos dominados por uma tendência cultural basal, que nos leva a valorizar as coisas mais estranhas.

Voltando ao caso particular dos alucinógenos, eu entendo boa parte da motivação dita religiosa que leva a eles. Para mim seria difícil lidar com pessoas que usam cocaína, por exemplo, sempre considerei a cocaína uma coisa realmente tola, nunca fui atraído por ela. Achava que era coisa de indivíduos presos a um jogo de poder e brilho, enquanto que os alucinógenos eu considerava muito criativos, coisa de gente mais esperta. Tinha imenso desprezo pela cocaína, chegava a dizer que era “coisa de freudiano”. Ou seja tinha também uma orientação de valor com relação ao psicanalista de Viena. Mas são todos argumentos baseados num aprisionamento, não numa liberdade. Como eu conheço o aprisionamento estético/religioso dos alucinógenos, creio que posso estabelecer uma crítica bem embasada.

PERGUNTA: Mas os símbolos valorizados pela cultura mudam o tempo todo, porque fazer as pessoas valorizarem tatu-bolas?

RESPOSTA: Não creio que devam ser valorizados, minha ironia não foi entendida. Os únicos valores dignos são aqueles que apontam o transcendente, como ícones religiosos. Mesmo esses, em alguns casos, contém perigos de aprisionamento, nesse caso deveríamos ver se o benefício é maior do que o malefício. Eventualmente também não há porque desvalorizar tatu-bolas, Bozo ou mesmo alucinógenos — esse texto se dirige a consertar um exagero, uma foco exagerado em alucinógenos. Certamente que se eu achar pessoas que têm um culto ao Bozo, eu talvez escreva um texto desmistificando o Bozo. Porque no Bozo em si não há transcendência, é um engano estético.

PERGUNTA: Você condena ou acha errado quem utiliza alucinógenos como diversão?

RESPOSTA: Novamente foge do escopo do texto, mas na verdade não podemos condenar ninguém por exercer uma liberdade, mesmo que essa liberdade seja a de ficar preso a um estado particular. Por outro lado eu não andaria num parque de diversões cujos brinquedos não são completamente seguros, e devido a instabilidade das dosagens e da qualidade e procedência duvidosa das substâncias, e da variedade de conteúdos da mente humana, existem muitos perigos virtuais e reais.

Pouca gente considera o fato das drogas serem proibidas um fator por si só psicologicamente daninho durante o uso. As pessoas podem achar que as drogas deveriam ser legalizadas, e podem ter boas razões para isto, mas o mero fato de estarem infringindo a lei e lidando com contraventores já é um certo motivo de instabilidade durante a experiência, especialmente em se tratando de psicodélicos. Isso faz parte das neuroses da identidade de um usuário de drogas, juntamente com o fato da família e a sociedade olharem para eles com olhos assustados e simultaneamente ameaçadores. Acho muito difícil ter uma “boa viagem” se consideramos todos esses aspectos. Os prazeres efêmeros são apenas prazeres efêmeros, e se a pessoa eventualmente escapar de um poço de grande sofrimento, ela rapidamente se entedia deles. Por isso eu não condeno, mas acho errado no sentido de ser perigoso (o que pode ser mais um motivo de diversão para alguns, enfim) e vão, realmente fútil.

PERGUNTA: Não seria uma questão de fé, se acreditamos que eles levam a transcendência isso não ajudaria?

RESPOSTA: Não podemos desenvolver uma fé ignorante, sem espírito crítico. Além disso, certamente que se temos fé no tatu-bola, ele vai ter mais poder em nos ajudar a reconhecer a transcendência. Em todos os casos, se houver real liberdade, “escolheremos” o objeto de fé mais digno.

PERGUNTA: As outras técnicas espirituais, como a meditação, não tem os mesmos defeitos que você citou?

RESPOSTA: Como já disse, podem ter sim, mas não necessariamente, basta observar a questão do materialismo espiritual. Apenas que os alucinógenos são tão mais propensos a esse tipo de defeito que uso a analogia: um câncer pode ser iluminador, mas ninguém provoca um câncer para descobrir alguma coisa.

PERGUNTA: O que você acha do livro “The Psychedelic Experience” de Timothy Leary, que é uma versão do “Livro Tibetano dos Mortos” para uma experiência psicodélica?

RESPOSTA: Traduzi este livro para uso próprio na época em que utilizava alucinógenos. Essa resposta faz parte do meu argumento anterior, em que disse que uma doença terminal é o mesmo que uma experiência psicodélica. Se dissermos a um tibetano que podemos provocar uma experiência de bardo da morte (período intermediário entre um renascimento e outro) de forma relativamente “segura”, ele ainda assim ficaria extremamente perplexo. Em primeiro lugar, se é seguro, se sabemos que retornaremos ao nosso corpo e a algo de nossa experiência anterior, a experiência não tem utilidade para o aprendizado da hora da morte, onde o verdadeiro bardo irá surgir, e em determinado ponto entenderemos que não vamos ter mais o nosso corpo nem os objetos, pessoas e situações cotidianas a que estamos acostumados. Podemos em lugar de tomar “pílulas de aprendizado” simplesmente imaginar como será nossa morte que é um exercício mais simples e mais efetivo.

Não é interessante ficar produzindo simulações de experiências do bardo — ninguém quer experimentar o bardo antes da hora. Se desenvolvemos boas qualidades, a nossa experiência do bardo vai ser enriquecedora ou produzir a liberação, isso é natural, não precisamos testar. Se por outro lado não temos essas qualidades, o bardo simulado vai ser tão problemático quanto o bardo real, e isso talvez só produza traumas. O bardo real nós temos que enfrentar, não há a menor necessidade de um bardo simulado.

Há entre os praticantes tibetanos pessoas que passaram por experiências em que quase morreram e que relataram suas experiências de bardo. Isso parece ser o mais forte argumento que encontrei até hoje para o uso de alucinógenos, porque teoricamente o bardo simulado pela droga poderia produzir relatos semelhantes. Mas não há conteúdo espiritual genuíno nos relatos de experiências psicodélicas, basta ler na Internet os inúmeros relatos ou mesmo o livro “High Priest” de Timothy Leary. Em geral apenas fica-se vendendo o caleidoscópio como algo muito interessante, ou falando da experiência religiosa como algo condicionado. Apenas por uma experiência ser indescritível isso não significa que ela seja transcendente. Ela transcende as palavras, mas não transcende experiências particulares. Então é muito enganoso, porque podemos usar todas as palavras do jargão espiritual para falar de uma experiência que é de fato, condicionada. Eu não li nenhum relato que me convencesse como algo benéfico para quem o lesse, mas certamente que essa é uma interpretação minha.

De qualquer forma, a cultura tibetana também pode apresentar defeitos, como qualquer outra, e eventualmente se não estamos ligados a religião tibetana, talvez não faça sentido escolher algumas ideias, praticar apenas estas e deixar as outras para os tibetanos. E mesmo sem considerar isto, reitero a diferença entre de um bardo de fato e um “bardo simulado”.

De fato a palavra “bardo” tem um sentido muito mais amplo, pois há seis experiências de bardo. A vida cotidiana é um dos bardos, o sono profundo outro, e o estado de sonho ainda outro. Há três outros bardos relacionados à experiência da morte. Podemos reconhecer a liberdade inerente em qualquer um deles, se desenvolvemos boas qualidades como a compaixão pelo sofrimento dos outros seres sencientes.

Quanto a Timothy Leary, era uma pessoa de bom coração. Não era tão lunático como Terence Mckenna, por exemplo. Leary era apenas um cientista. Não entendia a religião de fato. Tinha claros limites de materialismo espiritual, definidos pela sua preocupação com a preservação de seu corpo e a busca de algum tipo de imortalidade física. Ele era uma pessoa que teve mais de 5.000 experiências com LSD e ainda assim não entendia, sequer intelectualmente, o que era a “ausência de um eu”, ou a imortalidade como independente de uma existência particular — embora tratasse desses assuntos, não tinha real entendimento deles.

PERGUNTA: No culto a Dionísio devemos procurar o desregramento dos sentidos, isto seria também materialismo espiritual?

RESPOSTA: Essa é uma pergunta realmente interessante, e devemos examinar o sentido de falar em ordem e caos. Os sentidos são naturalmente desregrados, por um processo delusivo associamos a eles algum tipo de ordem, ou vice-versa. Então se queremos desregrar os sentidos tomando alguma medida, estamos novamente presos a um parâmetro do que seja ordem e desordem, e acreditando que andamos muito ordenados, e que portanto precisamos de alguma festa ou ocasião especial — ou vice-versa, precisando de alguma disciplina ou algo desse tipo. De fato festas não são um problema, mas a liberdade de Dionísio é violenta, não é algo realmente com que podemos lidar tranquilamente. É como ligar 100.000 volts num barbeador elétrico — sua mente estoura e permanece estourada. Então deve haver liberdade além da mera intensidade, embora intensidade em si não seja problema. Devemos lembrar que o álcool faz parte do ritual cristão, bem como de outras tradições, embora seu abuso cause vários problemas sociais — nesse sentido não devemos guardar um puritanismo com relação a ele, ele faz parte de quase todas as culturas humanas, e nem sempre como um problema. Por outro lado introduzir elementos culturais alienígenas, como alucinógenos, num contexto completamente diferente de onde eram utilizados, e em meio a uma cultura que é em geral hostil a eles, tende a produzir mais confusão do que qualquer outra coisa.

PERGUNTA: E quanto a tolerância religiosa? Digo, se há uma determinada tribo indígena que usa alucinógenos como parte de sua cultura religiosa, deveríamos interferir, procurar alterar seus procedimentos, enfim lidar com eles como se não tivessem autonomia ou capacidade de entender melhor do que nós, agentes externos, o que estão fazendo?

RESPOSTA: Essa é uma ótima pergunta. De fato foi um excesso de tolerância religiosa que em primeiro lugar me levou a usar drogas. Eu acreditava que se haviam religiões que as utilizavam, era provável que fosse uma coisa interessante. Quanto a isso gostaria de repetir alguns pontos que toquei no texto, como o fato de, guiados por padrões mentais não muito claros, preferirmos aquilo que é velado, perseguido, proibido ou que tenha algum apelo estético que nos interesse de alguma forma. Não estamos livres nesse processo, porque inconscientemente escolhemos as coisas com base em delusões particulares. Então por exemplo, podemos achar que porque um índio no meio da Amazônia, num contexto cultural completamente diferente, usa o DMT das plantas, nós também temos o direito — provavelmente grande ânsia de provar esse direito —, além da necessidade de saciar uma certa curiosidade através do mesmo uso. De fato eu não poderia argumentar com uma cultura alienígena a mim, e não poderia julgar erros ou acertos com base no meu próprio substrato cultural — mas talvez possa argumentar com a pessoa que tenta se infiltrar numa cultura alienígena e que escolhe um ou dois aspectos isolados, como que para usar como brinquedos. Esse texto é mais direcionado para estes últimos do que para aqueles que estão imersos numa cultura que eu não poderia entender do meu ponto de vista urbano.

O mesmo se dá com os anos sessenta. Pessoalmente eu via um certo glamour na Califórnia psicodélica, quase que sentia a brisa e a liberdade boomer que supostamente os jovens experimentavam. Eu tinha nostalgia por algo que não passei, e que talvez nem tenha sido dessa forma que imaginei. Enfim, me parecia algo tão interessante, eu queria ter esse tipo de coisa na Porto Alegre dos anos 90... mas a grande maioria das pessoas à minha volta estava preocupada com outras coisas, até não digo que fossem “melhores”, mas eu realmente estava alienado do processo ao meu redor. Queria um outro processo delusivo mais charmoso do que o processo delusivo usual, mas enfim ambos são delusões, não há porque ficar escolhendo.

Então basicamente temos que entender que escolhemos adentrar por uma realidade-túnel (uma paisagem delusiva) particular, e que isso assim por si só não é liberdade. Liberdade está em se ancorar no processo que produz todas as realidades-túnel, sem fixar em nenhuma delas. Existem milhares de religiões no mundo, porque resolvemos estudar aquelas que usam alucinógenos?

Por exemplo, há culturas onde retiram o clitóris da mulher. Porque não fazemos uma campanha para declarar legal a retirada do clitóris de todas as mulheres? Bem, normalmente achamos que isso é um absurdo — pouca gente vai desenvolver a ideia oposta. Mas algumas pessoas vão, talvez elas escrevam livros em que “provam” que a retirada do clitóris das mulheres dá acesso a benefícios secretos, talvez eventualmente até mesmo tentem provar que produz alguma experiência transcendental. O mesmo poderíamos dizer de assassinato ritual, ou circuncisão. De fato poderíamos afirmar que o conhecimento transcendental do judaísmo está em como eles tratam o pênis... podemos tentar arrazoar de todas as formas mais absurdas, mas na verdade estamos sempre apenas tentando justificar nossa escolha por uma realidade-túnel particular, uma delusão.

Enfim, gostaria de reiterar a tolerância religiosa verdadeira. Pessoalmente considero a retirada de clitóris das mulheres algo muito desaconselhável, e também não sou muito partidário da circuncisão. Não acho que matar pessoas, ou mesmo animais, em rituais religiosos seja interessante. Tampouco a utilização de alucinógenos naturais ou inventados pelo homem em contexto religioso me parece justificável (e explicar isto é o objetivo desse texto). Mas de fato não estou coagindo ninguém com força armada, estou apenas expondo meu ponto de vista. Se algum judeu se sentiu agredido com a comparação da milenar prática da circuncisão com algum outro dos tópicos, essa pessoa pode me escrever, talvez eu coloque um adendo neste texto. Eu não sou circuncisado, não sou judeu, portanto não tenho autoridade para falar desse assunto. Mas usei psicodélicos, e se tirei conclusões disso, e se a partir dessas conclusões eu puder beneficiar alguém de alguma forma, ótimo. Não vou permanecer esquivo ao falar do assunto. Se alguma seita que utiliza alucinógenos se sente ofendida, que me escreva, talvez eu coloque um adendo nesse texto. Talvez eu mude de ideia, enfim, é uma liberdade que todos temos.

Não acho a proibição algo benéfico, é uma violência em primeiro lugar, e em geral não tem adiantado, pelo menos com relação às drogas. Acredito que exista a “tentação do fruto proibido”, e que a violência do tráfico e o dinheiro gasto no combate a ele sejam um problemas ainda maiores do que as drogas em si. Isso faz sentido para mim. Mas também não defendo a legalização. Não tenho bola de cristal para descobrir o que é pior ou melhor, e não acredito nos meus instrumentos de inferência da realidade nesse sentido.

Mas mesmo contando com todos estes aspectos, acredito que em alguns casos seja necessário intervir nos procedimentos religiosos de outras pessoas, quando eles se tornam, segundo algum parâmetro, não muito interessantes. Sei que estes parâmetros geralmente são viciados e regulados pelas doutrinas científicas e religiosas mais poderosas, mas é melhor algum parâmetro do que nenhum parâmetro. Ao nível institucional esse parâmetro nunca vai ser perfeito, mas ao nível pessoal os parâmetros são muito importantes. É exatamente para isto que temos um cérebro que trabalha com conceitos, para nos protegermos daquilo que prejudica e buscarmos aquilo que é benéfico.

Não acho que deveríamos manter tolerância religiosa para uma seita que cometesse assassinatos rituais, mandaria a polícia atrás deles se soubesse de suas atividades. Apenas isto.

Embora os conceitos possam ser limitados, nós ainda assim fazemos uso daquilo que é limitado. Uma chave de fenda pode não servir como colher, mas serve para apertar parafusos. Devemos sempre buscar uma liberdade que esteja intrinsecamente unida à lucidez. Não precisamos quebrar um copo para provar que temos a liberdade de largá-lo no chão.

PERGUNTA: Quando criticas as drogas, não criticas apenas seu uso, mas a identidade relacionada a elas. Essa identidade não foi a própria contra-cultura que revolucionou a estética e abriu a mente da sociedade para uma cultura mais global?

RESPOSTA: As identidades são as verdadeiras fontes dos problemas. Todas as ansiedades vem da tentativa da sustentação de uma identidade, e todas as raivas e aversões surgem da tentativa de defesa dessa identidade. Uma identidade é um conjunto de agregados, e está fadada a desaparecer num dado momento. A identidade é o processo delusivo por excelência. Eventualmente, se a liberdade do processo delusivo for reconhecida, podemos manifestar identidades, mas nesse caso não surgem as ansiedades e as tentativas de defesa.

Então realmente não há dilema. A liberdade da transcendência está além de uma identidade particular, e isso é exatamente o que eu quis dizer com o “vocês são todos diferentes” — “eu não”.

Claro que a contra-cultura nos parece um processo benéfico, e nem teríamos como culpar os artistas e pensadores do passado por terem usado essa ou aquela substância, mas de fato não sabemos realmente o que levou a quê, e nem todos os processos que ocorreram no passado foram benéficos. Da mesma forma que com os indivíduos uma droga ou uma doença terminal podem promover felizes circunstâncias, uma cultura pode ser “beneficiada” por intoxicação coletiva ou um desastre natural — os parâmetros de benefício e malefício são estabelecidos por historiadores e baseados em novos parâmetros delusivos. E certamente o que pode ter sido bom antes hoje fica mais complicado, basta ver que toda nossa sociedade urbana, imersa em poluição sonora, visual e química, é em geral bastante avessa ao olhar vidrado de um drogado, e esse pode se sentir ameaçado — completamente diferente de alguém numa praia da Califórnia em 1967, rodeado por uma comunidade de pessoas ligadas ao mesmo estilo de vida. Esse é um exemplo típico.

PERGUNTA: Este texto não exporia apenas uma outra versão particular do assunto, ligada ao autor? Não seria apenas uma visão pessoal?

RESPOSTA: Certamente que é apenas isto. As pessoas as vezes acreditam que seja possível escrever uma versão definitiva dos fatos, mas não creio que isso seja possível. De qualquer forma, o objetivo deste texto é muito claro, e naturalmente que a pessoa tem liberdade de não concordar com ele. Só aconselho que ela procure fazer isso cuidadosamente, da mesmo forma como deveria ter cuidado em aceitar os ensinamentos de Carlos Castañeda ou do Papa João Paulo II, por exemplo. O mesmo cuidado é necessário.

PERGUNTA: O texto parece formular frases conexas mas chegar a conclusões nonsense, esse texto possui lógica ou é simples propaganda?

RESPOSTA: Eu não negaria a lógica do texto, mas em geral acho que as pessoas não estão familiarizadas com esse tipo de argumentação, por isso surge a ideia de que é nonsense. A única coisa que posso dizer é que o texto não foi produzido com um simples intuito moral subjacente, procurando destituir o valor dos psicodélicos através de uma verborragia sem fundamento. Segundo minha obviamente tendenciosa opinião, o texto possui tanto lógica quando objetivos claros.

PERGUNTA: A pessoa presa não poderia ser aquela que acha que a outra está presa dentro de um cubículo?

RESPOSTA: As duas podem estar. A que escreve pode escrever por delusão, e a que lê pode tirar conclusões delusivas. Penso que embora esse texto tenha grande mérito, não são todos que são capazes de entendê-lo, e isso vê-se pelas perguntas que surgiram. Num sentido de separação entre sujeito e objeto, poderíamos dizer que é culpa do escritor, que escreveu mal ou que está divulgando ideias errôneas, ou do leitor, que não tem capacidade ou boa-vontade suficiente para absorver o texto. Mas um sentido de separação ainda é pobre, de fato o erro não está aqui ou ali, mas sim na interdependência entre os fatores. Até agora, umas duas semanas depois que escrevi o texto, recebi apenas uma crítica quanto a ele, vinda de um fórum sobre psicodélicos — ou seja, do cerne do problema. Se eu pensasse que com este texto ajudaria a todos a abandonarem as drogas, isso seria infantil. Em primeiro lugar os aspectos delusivos que levam uma pessoa a experimentar drogas são muito variados, e eu só pude falar a partir da minha experiência pessoal, que tem um escopo certamente limitado de ajuda — além do que uso uma linguagem e estrutura de argumentação limitada a um grupo seleto. Mas fico feliz porque o texto foi muito bem recebido, e como a crítica do tal fórum mostrou certos venenos mentais como confusão (que se espera de quem usa alucinógenos) e agressividade (que se espera de quem acredita estar sendo atacado), me parece que mesmo nesse âmbito provocou o resultado esperado.

PERGUNTA: O que recomendarias a uma pessoa que esteja tendo problemas reais com drogas?

RESPOSTA: É interessante procurar ajuda externa. Mesmo que a coisa não esteja ainda grave, mas é melhor que não chegue a ficar grave. Na verdade as pessoas em geral estão muito perdidas com ou sem drogas, em geral as drogas só intensificam uma confusão básica que já estava lá. Nesse sentido acredito que sem a criação de valores religiosos genuínos essa confusão até pode ser atenuada, mas não chega a ser resolvida. Acho que em psiquiatria principalmente, existe um jargão de patologia que é talvez danoso, e quase nunca se resolve os problemas, porque se trata de uma maneira apenas química de lidar com o ser humano. Ela pode ajudar, mas tem limites, porque de fato a mente opera além do cérebro. Por isso recomendo a busca de valores espirituais.

A psicanálise pode ser interessante, dependendo do psicanalista — é importante encontrar alguém que tenha realmente qualidades compassivas mais do que erudição.

Uma coisa mais fácil do que tudo isso é basicamente tentar pensar mais nos outros do que em si próprio. Tirar o foco dos próprios problemas alivia imensamente. Essa é uma prática realmente transcendente — vai além de nossa identidade (qualquer identidade tem hang-ups, neuroses, obstáculos etc.) Se mantemos estável essa atitude ampla de se colocar no lugar dos outros e perceber seus problemas, em pouco tempo se cria um espaço amplo para os fenômenos dançarem livremente. Mas em princípio é bom procurar uma ajuda externa.

“Deus nos deu um vinho escuro tão potente que,
ao bebê-lo, partimos dos três mundos.

Deus colocou na forma de haxixe um poder
que libera o provador da autoconsciência.

Deus fez o sono
de forma que apaga todos os pensamentos.

Deus fez Majnun amar tanto a Layla que
até seu cachorro lhe dava ciúme.

Há milhares de vinhos que podem
entorpecer nossas mentes.

Não pense que todos os êxtases
são o mesmo!

Jesus estava perdido de amor por Deus.
Seu asno, bêbado de centeio.

Bebe da presença dos santos,
não dessas outras jarras.

Cada objeto, cada ser,
é uma jarra cheia de deleite.

Seja um enólogo,
experimente cautelosamente.

Qualquer vinho te deixará alto.
Julgue como um rei, escolhe o mais puro deles,
escolhe os que não são adulterados pelo medo,
ou pelas urgências 'do que é preciso'.

Bebe o vinho que te movimenta
como um camelo que foi desamarrado,
e apenas trota por aí.”

Jelaluddin Rumi

última alteração em 28/09/2000 (duas notas em março de 2006).


1. ^ A delusão se caracteriza por uma visão que naturalmente nos cega a outras visões, é diferente de “ilusão”, no sentido em que não postula algo em relação a uma realidade ou irrealidade, mas sim um processo de percepção limitada e que portanto produz significados limitados. Quando observamos uma pintura e vemos uma paisagem, esquecemos que ela é papel e tinta, quando percebemos essas duas coisas, esquecemos que ela é luz que nos chega aos olhos, e quando pensamos nisso, provavelmente já esquecemos a paisagem. Delusão é que produz a paisagem, o papel e a tinta e a luz que nos chega aos olhos, bem como incontáveis outras percepções. Quando estamos fascinados por uma, ignoramos todas as outras.

2. ^ Nesse sentido a religião não é um objeto que possa ser estudado com o método científico, pela própria definição dos termos. Elas ramos complementares, e quando uma começa a estudar a outra esta imediatamente deveria trocar para o nome oposto. Mas este estudo sairia do assunto em foco.

3. ^ 2006: Percebo hoje que minha ligação com a maconha foi mais do que mero materialismo espiritual, e foi muito difícil parar completamente. Fazem cinco anos que estou limpo.

4. ^ 2006: Algum tempo depois de escrever o artigo, McKenna faleceu devido a um tumor no cérebro. Fica difícil não estabelecer uma relação entre seus experimentos e sua doença.

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